As fronteiras políticas – em alguns casos - começaram por ser fronteiras físicas, acidentes geomorfológicos, como montanhas, rios, mares ou lagos interiores.
Noutros casos, todavia, a separação dos povos terá sido mais arbitrária, um pacto de senhores que teriam réguas e esquadros na mão e assim traçavam as linhas onde começava a soberania de uns e terminava a dos outros.
Em África foi assim, uma quase arbitrariedade das potências colonialistas ocupantes, no século XIX.
Na Europa e sobretudo na velhinha Península Ibérica houve mais algum tempo (mil anos, ou mais) para se irem pensando estas coisas.
Portugal destacou-se da hegemonia de Castela e de Leão no século XII, enquanto a Espanha só se transformou no país atual no final do século XV depois da conquista de Granada pelos Reis Católicos, cujo matrimónio uniu as coroas.
Muito antes disso, nos tempos da ocupação romana, a Lusitânia fazia fronteira com a Galícia a norte. Uma fronteira então marcada em latitude pelo Douro e não pelo Minho. Ao expandir-se Portugal a norte seria normal (e foi) que a passagem da linha fronteiriça para o rio Minho não apagasse os traços comuns dos povos que durante tantos séculos ali tinham convivido.
Os habitantes de ambos os lados da fronteira têm uma identidade cultural notável, com destaque para o idioma. O português e o galego são línguas irmãs, derivadas do galaico-português. E se falarmos devagar, portugueses e galegos, todos nos entendemos.
Em termos gastronómicos a “Galicia” é uma grande e bela aventura que vale bem a pena explorar.
São mais de trezentas festas populares por ano dedicadas a comeres e beberes. São tradições semelhantes (mas não iguais) às minhotas, vinhos que podiam ser parecidos mas são distintos, peixe e marisco de qualidade soberba. Sobretudo o das Rias Bajas (entre Baiona e Finisterra).
A abundância de chuva traz bons pastos. E a criação bovina tem condições excelentes para se desenvolver. Existem cinco raças autóctones, com relevo para a Rúbia e para a Cachena. A primeira permite cortes ímpares de carnes maturadas, mas a Cachena (em vias de extinção) é considerada a melhor carne verde de Espanha e uma das melhores do mundo. São animais pequenos, em média com 100 kg de peso, e que passam a sua vida pastando a erva dos campos galegos. Nem devem conhecer a palavra “ração”, quanto mais comerem disso.
Enormes profissionais de cozinha, matéria-prima soberba, grandes restaurantes e uma simpatia indesmentível, tornam a “Galicia” uma tentadora proposta para qualquer português que goste de comer e de beber.
Há dezenas de grandes restaurantes por ali, mas para comer marisco e peixe – do melhor que se pode encontrar no mundo - são paradores notáveis as seguintes casas: O “Bitadorna”, o “Estrella” ou o “D’Berto” em Pontevedra, o “Las Grazas”, na “cuesta de la muerte” (La Coruña), ou o “Tira do Cordel” na localidade de S. Roque (Finisterrra).
Chama-se “cuesta de la muerte ” – pelos muitos naufrágios que ali aconteceram – a um conjunto de arribas e escarpas que se prolongam a norte, desde Muros e Noia até ao cabo Finisterra. Entre a grande atividade piscatória realça-se a apanha dos “percebes” nas arribas batidas pelo mar bravio, uma ocupação plena de perigos mas que permite trazer para os nossos pratos talvez os melhores “percebes” do mundo. E, para não haver confusões, também dos mais caros.
Existem na Galicia cerca de 30 denominações de origem demarcada de vinhos e aguardentes. Para o meu gosto os tintos de casta Mencia (em Portugal chama-se “Jaen”) são excelentes. Por exemplo a marca “Lagariza”, que é D.O. “Ribeira Sacra”.
E em brancos o “Paco e Lola”, um belíssimo Albariño de Rias Bajas, várias vezes vencedor do concurso de vinhos brancos da sua região.
Se tivesse de escolher uma refeição galega de estalo, daquelas que não se esquecem e onde não se olha a custos?
De entrada uns Percebes de Finisterra, depois umas Ameijoas gradas das Rias Bajas, simplesmente abertas em vapor. Seguia uma Pescada à Galega, daquelas que têm 4 kg, ou mais, espevitada por uma leve alhada onde entra uma colher de pimentão-doce, com ervilhas e batatas levemente guisadas.
Até aqui acho que não sairia do vinho Albariño.
E para terminar um Chuleton de Vitela Cachena, feita ao estilo de mestre Jöel Robuchon, braseada com azeite e alho, em cocotte, e assando nos seus próprios sucos. Para o que seria necessária mandar vir um grande vinho de casta Mencia. Por exemplo, o “Malcavada” Mencia 2016 de Araceli Vázquez Rodríguez.
E como estou perto do “Parador” (em teoria) e irei a pé para o quarto, posso encerrar à vontade com um “Orujo Branco Gallego”. Uma aguardente bagaceira finíssima, feita de castas tradicionais da Galicia, com relevo para o Albariño.
Por exemplo a aguardente proveniente da Bodega O Rosal, em Terra Gauda. Fica perto de Vila Nova de Cerveira, mas na outra margem do Rio Minho.
São servidos?
Manuel Luar