Na grande família botânica tropical das Bromeliáceas existe um género denominado “Ananas comosus”. Neste género de plantas a respetiva infrutescência tanto se pode chamar Abacaxi como Ananás. Ambas as palavras são de origem indígena brasileira (tupi). O segundo termo é mais antigo, introduzido pelos portugueses na Europa logo no século XVI, enquanto o nome “abacaxi ”aparece mais tarde, no século XIX.
A guerrinha entre portugueses e espanhóis também se verifica em torno do verdadeiro “descobrimento” desta planta. Há quem diga que foi Cristóvão Colombo o europeu que primeiro a viu na Ilha de Guadalupe. Outros juram e trejuram que a primazia foi dos portugueses, no Brasil.
Trata-se do mesmo fruto cientificamente falando, embora a mão humana na seleção da espécie e no tipo de cultura (ar livre ou estufa) o tenha moldado e diferenciado ao longo dos séculos.
No Brasil e na Costa Rica, México, etc… foram sendo selecionadas as plantas com maior doçura, transformando o Abacaxi naquilo que é hoje, menos aromático que o Ananás, mas mais doce. A cultura tropical é ao ar livre. Nos climas temperados é feita em estufas.
Nos Açores a cultura é em estufa e o odor que imediatamente se desprende do fruto maduro é perfeitamente inebriante, se bem que no prato seja menos doce do que o seu primo criado ao ar livre.
O abacaxi tem melhor fama nos trópicos do que o ananás. Reserva-se o termo “ananás” para frutos mais selvagens e amargos. E na Europa é ao contrário. O abacaxi (até pelo preço mais baixo) é considerado de menor qualidade, enquanto a verdadeira nobreza gastronómica está reservada para o ananás.
Quando vamos a um restaurante é normal que se pergunte se há ananás ou abacaxi. E entendemos que o primeiro é mais amargo e o segundo mais doce, orientando a escolha por esta via se existirem ambos.
O que avulta nesta forma de agir é o reconhecimento que a enorme maioria dos ananases que se consomem no retângulo pátrio não estão maduros. Vêm dos Açores numa fase da sua evolução atrasada, “verdes”, para que não se estraguem.
Contudo, se estivermos lá mesmo na origem, em S. Miguel, e tivermos a sorte de comer um ananás bem maduro e no ponto, posso garantir que em sensações organoléticas está uns pontos largos bem acima de qualquer abacaxi importado. Porque ao sabor intenso e doce alia-se o incomparável aroma.
Reparem no dizem os especialistas: O ananás contém muita água e poucas gorduras, pelo que o seu valor calórico é baixo. Quando maduro, contém cerca de 10% de hidratos de carbono simples ou de absorção rápida. O seu conteúdo em açúcares duplica nas últimas semanas de amadurecimento, desta forma os frutos colhidos antes de tempo ficam ácidos ao gosto e pobres em nutrientes.
É por isso muito importante saber escolher bem um ananás maduro: o fruto está maduro quando a polpa cede à pressão dos dedos, o aroma é intenso e a ponta das folhas é alaranjada e arranca-se com facilidade.
Então por que razão o abacaxi está quase sempre maduro e doce nos nossos restaurantes, enquanto o ananás raramente se encontra no ponto perfeito?
Por causa do preço. O preço do abacaxi é cerca de quatro vezes mais baixo. Dá para correr mais riscos de perder o fruto pela eventual podridão do amadurecimento excessivo.
Na Correspondência de Fradique Mendes o grande Eça de Queiroz cunhou a frase “o tempo está de ananases”, referindo-se à alta temperatura de Agosto e fazendo a analogia com os trópicos originais do fruto.
Mas aqui em Portugal o ananás reinava sobretudo nos Natais, presidindo à mesa dos doces como centro decorativo que perfumava a casa toda. No final rodeava-se de rodelas de laranjas e era assim servido para desenjoar dos fritos e da canela.
Para além, dos muitos bolos grandes, doces de colher e licores com base em ananás, recordo a sua utilização na entrada típica da nossa gastronomia “morcela com ananás (dos Açores) ”.
Passamos uma boa morcela da Guarda por azeite numa sertã até a podermos cortar sem desfazer. As rodelas são depois tostadas na mesma sertã, em bom azeite. Entretanto temos já o ananás cortado em fatias redondas, sem o centro. As rodelas são partidas em quatro e igualmente passadas pelo azeite da sertã para corar.
Pomos o ananás por baixo, a morcela por cima. Tempera-se de sal e pimenta a gosto, trespassam-se com palitos e servem-se de imediato.
Existe uma versão diferente onde as “tapas” já empalitadas são pinceladas de mel e levadas ao forno para gratinar. Porventura para esconder a maior acidez do ananás se não estiver bem maduro.
Manuel Luar