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Café Central no Museu de Marinha com Katia Guerreiro e David Santos (Noiserv)

CAFÉ CENTRAL NO MUSEU DE MARINHA Com Katia Guerreiro e David Santos (Noiserv) Podem acreditar,…

Texto de Gerador

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CAFÉ CENTRAL NO MUSEU DE MARINHA

Com Katia Guerreiro e David Santos (Noiserv)

Podem acreditar, é desta que o nosso director faz qualquer coisa de jeito. Isso de só mandar bitaites aos outros passa a ser coisa do passado, aqui, largo de orgulho ou espalhado ao comprido, fica o seu primeiro texto escrito para a Revista. Sim, porque editoriais todos sabem escrever. Escolhidos os convidados e marcado o local, desculpas não haverá! ;-)

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Convicto dos acasos da vida, conheci estas duas figuras em dois momentos muito diferentes e nada comparáveis. Ao David conheci-o como aspirante a criador de bandas sonoras para filmes nos idos de 2005 e à Katia foi admiração à primeira vista num painel onde falávamos com estudantes universitários em 2017. Era claro que eram dois vértices fantásticos do nosso fado. Ela por ser a fadista mais provocadora de sentimento cardíaco a estrangeiros de todo o mundo, e ele por ser um homem dos sete instrumentos dos mais experimentadores de todo o tipo de sons e melodias. Duas vozes muito diferentes mas duas vozes que sentem o fado/destino como poucos. Parecendo destinado ou não, lá marcámos o encontro no maravilhoso e infelizmente pouco conhecido Museu de Marinha. Esperando por eles, no meio do extraordinário pavilhão das galeotas, lá fomos percebendo que ambos estavam atrasados e perdidos no trânsito. Coincidência ou destino chegaram ambos à mesma hora. Feita logo ali a piada, eu, a Patrícia e a Andreia estávamos prontos para começar.

Comecemos pelo mais simples, vocês gostam de café?
Katia responde logo “Adoro!”; David diz que não bebe e que quando é convidado para um café, bebe chá.

Acreditam no destino?
“Acredito mesmo. Acho que há coisas que acontecem porque têm de acontecer, porque está destinado. Tenho uma pessoa amiga que faz mapas astrais, e eu por curiosidade e porque gosto de saber e perceber se encaixam com tudo aquilo que ela diz. Não ando a seguir o mapa astral mas quando ela me faz uma carta astrológica eu procuro identificar as coisas no tempo. Depois de algum tempo reparo que ela me tinha dito para estar atenta porque me ia acontecer alguma coisa e eu posso identificar coisas”. Vês sentido nisso? “Vejo”. Sabes o teu signo de cor? “Sei que sou Peixes com ascendente em Touro”. E tu, David, acreditas no destino? “Mais ou menos, pela experiência que tenho das coisas, acho que há coisas que parece que acontecem porque tinham de acontecer. Mas se a pessoa acreditar demasiado no destino, parece que se encosta à espera que essas coisas aconteçam mesmo. Parece conversa de chacha mas às vezes procuras o destino que já estava mas que só acontece se tu lutares por ele. Fica sempre a pergunta de como é que o acaso levou a que acontecesse dessa forma. É um bocadinho um meio termo”. E o teu signo sabes qual é? “Sou carneiro, não sei mais do que isso e ascendente nunca fui ver mas nasci às seis e tal da manhã”.
A Katia nasceu na África do Sul, passou a infância nos Açores, estudou e exerceu medicina oftalmológica em Lisboa e canta fado pelos quatro cantos do mundo. O David nasceu em Lisboa onde viveu praticamente sempre, excepto uns anos em Queluz, e estudou no Técnico engenharia electrotécnica e computadores e canta pelos quatro cantos do país e a começar também noutros locais da Europa. Uma médica e um engenheiro na música, parece uma surpresa do caraças, ou não?

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Katia, imaginavas que o teu destino ia ser este?
“Eu não lutei nada. Eu não fiz nada para isto acontecer. Só estive num sítio e isto aconteceu. Foi ter estado na Taberna do Empossado numa noite de guitarradas integrada no Festival dos Portos e dos Mares que era organizado pelo Zé Manuel Osório e pela C.M.L. no ano de 2000. Fui ouvida ali, insistiram muito que isso acontecesse. A Teresa Siqueira. Numa noite em que lá tinha ido com amigos, por acaso, insistiram que eu cantasse e eu cantei. Um amigo comum avisa-me que a Teresa gostava muito que eu voltasse lá no dia x porque tinha lá uma pessoa que me queria ouvir. Era o Hélder Moutinho. E eu fui, e ele estava lá e foi insistir que eu fosse cantar, porque eu não queria. Nunca tinha cantado na minha vida à frente daquela gente. Era uma noite de guitarradas com os músicos todos da Amália, Fontes Rocha, Paquito, Joel Pina, uma panóplia de músicos de topo. Mas ele insistiu que cantava primeiro com um set de três ‘e depois apresento-te e tu cantas’. Acabei por ir, mãozinhas atrás das costas, olhos fechados e cantei os três fados que sabia. A ir-me embora há uma pessoa que chega ao pé de mim, agarra-me o braço e diz-me ‘Não, não, menina, tu vais cantar outra vez’. ‘Mas eu não sei mais nenhum’. ‘Sabes, sabes, canta o que tu quiseres’. Lá me lembrei de mais um e cantei, deve ter sido o Tudo Isto é Fado. Acabei de cantar, com as pernas a tremer que nem varas verdes, voltei para a minha mesa e lá vem a tal pessoa que me tinha agarrado no braço. ‘Como é que se chama?’ Passou a tratar-me por você. ‘E o que anda a fazer?’ ‘Estou a acabar o curso de medicina’. ‘Ai deve pensar deve’”. Mas acabaste o curso? Acabei o curso e exerci até há cinco anos atrás.

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E tu, David, também tiveste um momento destes?
“O meu caso acho que é mais uma soma de acontecimentos. Todos os momentos e a luta vêm de uma vontade que não se percebe de onde é que vem. Aos doze/treze anos vais tendo as bandas com os amigos. Depois há uma altura em que uns querem fazer umas coisas e outros querem fazer outras e tu sentes que a parte da música ainda está por resolver. Depois há aquele dia em que consegues tocar as tuas músicas num concerto para pessoas que não conheces. Depois teres um disco teu, e isso é todo um caminho muito longo em que eu não consigo dizer um dia que tenha sido o dia. Talvez quando toquei pela primeira vez num concurso de bandas, o Termómetro Unplugged 2005, em que eu enviei uma maquete de três músicas que tinha gravado e me seleccionaram. Se calhar, se não tivesse sido seleccionado, mais facilmente teria desacreditado de tudo aquilo, até porque estava a acabar o curso na altura. Coisa puxa coisa, mas não foi aquele momento que fez com que fizesse isto ou aquilo. Foi apenas mais um bocadinho de sequência. Acho que tem sido tudo em sequência. Mas ter sido sempre da cena independente e ter editado os discos em edição de autor, as pessoas que foram sempre indo aos concertos, comprando os discos, que foram até mostrando que aquilo era melhor do que eu tinha pensado, fizeram-me entrar numa bolha em que não desistes. Em que já não há nada a fazer”. Mas a engenharia electrotécnica, deixaste para trás? “Ainda trabalhei uns dois anos, mas acho que ganhas um conhecimento que já vem do Liceu com uma parte de matemática muito forte, e depois quando estás a gravar e a fazer as misturas, tudo pode ser visto de uma maneira meramente emotiva ou emotiva/matemática na parte das estruturas. Se não tivesse aquele curso poderia ser mais difícil conseguir resolver um problema técnico, se calhar”.

Como é que usas a medicina, Katia, quando cantas?
“Fazem-me usar muitas vezes”. (E aqui a Katia começa a rir.) “Os músicos de fado são muito hipocondríacos, e eu posso chegar às farmácias aqui ou no estrangeiro e passar receitas. Agora estão mais calmos mas a verdade é que eu tenho de estar sempre atenta. Na equipa tenho três cardíacos, dois diabéticos e eu não posso ter doenças nenhumas senão não tenho tempo para mais nada”. Tu cantas sempre de olhos fechados? “Porque estou só focada naquilo que estou a cantar. Eu sou muito estática em palco, não sou de andar a ‘bailaricar’. Posso mudar de sítio, mas no sítio onde estiver é onde fico. O que eu estou ali a fazer é a cantar, por isso eu não preciso de mais nada, nem das luzes nem das caras das pessoas. Muito pelo contrário, tudo isso me distrai. A forma como canto e eu me dou precisa deste recolhimento, de estar a olhar para dentro, na minha história e não deixar que nada me perturbe. Porque senão, a intensidade e o sentimento que dou a cada palavra que canto pode-se perder. Quando vou para cima do palco eu quero dar o máximo de mim e por isso preciso de me recolher. E quando acaba o fado ainda preciso de uns segundos para voltar a mim. Quando eu abro os olhos é quando estou preparada para dizer e falar do coração, quando fecho é para cantar do coração”. “Eu também canto sempre de olhos fechados”. (Acrescenta o David.)

E o fado da cultura portuguesa? O nosso destino. A forma como nos veêm e a forma como nos vemos a nós próprios?Katia: “Eu acho que começamos a estar mais autoconfiantes” (Diz a Katia mas  concorda também o David.) David: “Há quinze anos, teres um projecto português era sinónimo de ser mau. O público tinha essa noção e tu podias ter também. Nos últimos cinco anos tens festivais e salas enormes cheias só com bandas portuguesas”. Katia: “Repara que há aqui um fenómeno, em todas as áreas sempre tivemos bons artistas reconhecidos lá fora, mas no campo da música acho que vão olhar com mais respeito para a nossa música, e isso foi o Salvador Sobral que o fez. Como foi uma coisa que invadiu o mundo e o Salvador mudou aquele paradigma do Festival da Canção em que tudo era fogo de artifício e pop music, e ele revolucionou aquilo. Não é fado mas é claramente português, o registo, emotivamente é português e vês artistas do mundo inteiro a cantarem aquilo e assim os olhos viram-se para aqui. Se é isto que se faz em Portugal, vamos ver o que há mais”. David: “Acho que isto já vinha a acontecer mas que explodiu como uma bomba e mostra que Portugal não é só o fado e que todos os géneros podem ter algo de diferente dos outros sítios”. Mas será apenas uma moda? Katia: “Temos é de aproveitar este momento para nos elevarmos para nos fazermos melhores”. David: “Portugal está na moda e eventualmente irá decair. A Islândia também já esteve na moda. Os olhos de fora estão com atenção ao que é de Portugal, é quase como um carimbo do que é daqui pode ter qualidade”.

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E como é que se imaginam daqui a vinte anos?
Katia: “O destino diz-me que as minhas crianças terão mais dez anos de idade em cima. Não sei. Mas volto à pergunta inicial Se eu acredito no destino? Acredito e como acredito, aceito aquilo que a vida me traz e aproveito as oportunidades. Sei que daqui a dez anos terei agarrado mais oportunidades que a vida me trouxe e não sei onde me irão levar, eu agarrei as que me apareceram e estou aqui”.
David: “Na minha carreira de músico foram todas surgindo uma de cada vez e foram-se todas completando da melhor maneira possível, se dez anos passarem e as coisas puderem continuar a suceder-se dessa mesma maneira, é o desejo que poderia ter. Isto tudo fará sentido enquanto eu me emocionar com aquilo que estou a fazer e não sei se o destino comanda isso ou não porque há uma parte interior minha que ninguém comanda nem eu quase. Se fosse eu a escolher, daqui a vinte anos faria o mesmo e com a mesma paixão”.

Eles estão ambos felizes como estão agora e isso faz-nos gostar do que o destino lhes deu, nos dá e vos poderá dar, esse sim é o nosso fado. Ser e querer ser o melhor possível.

 

Café Central por Pedro Saavedra
Fotos de Andreia Mayer

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