“As bonecas são o formato que eu escolhi para expor as temáticas por que me interesso. Em vez de ser um quadro ou um livro, são bonecas!”
A Cláudia Fernandes fala-nos da Carlota Corte-Real na Revista Gerador de Setembro. Agora, publicamos algumas das palavras que trocaram, aqui mesmo ;-)
Bonecas que contam histórias
Criativa por natureza, Carlota Corte-Real sempre viu a mãe a pintar e o pai a escrever. Foi sempre incentivada a expressar a sua veia artística e nunca se fez rogada! Ela confessou-me que queria trabalhar com fotografia e vídeos, mas eu conheci-a como bailarina.
Desde pequena que querias ser bailarina?
Não, mas comecei a fazer ballet aos quatro anos. Mais tarde fiz dança moderna e dança contemporânea, mas era mais um hobbie. No entanto, por influência dos meus professores de dança, fui fazer uma audição para a Escola Superior de Dança de Lisboa, para onde entrei com uma nota excelente. Dois anos passados, achei que não era aquilo que queria e acabei por ir para Montpellier. Durante um ano fui aluna exterior ao curso coreográfico de dança contemporânea, mas estava envolvida em vários projectos com os outros alunos. Era um ano à experiência subsidiado pelos meus pais. Passado um ano, voltei a Lisboa por uns meses e acabei por ir para Bruxelas por causa da dança. Bruxelas era onde todos os bailarinos queriam estar nessa altura e também foi aí que fiz uma audição para Salzburg.
Foi uma casualidade vires para a Áustria?
Sim, fui aceite para esse curso. Eu não tinha terminado o curso da Escola Superior de Dança (em Lisboa) e na altura pensei que se queria tirar um curso superior tinha de ser nesse momento. Eu não conhecia a cidade nem o país, mas a Universidade era boa e por isso foi uma boa experiência. Fiz então a licenciatura em Dança entre 2005 e 2008 e depois vim para Viena. O problema é que em Viena a dança contemporânea não está tão disseminada, há ballet clássico, há ópera, há musicais, mas dança não… Acabei por tirar o curso de pilates, que era uma coisa que fazia desde a adolescência e era outra possibilidade de poder trabalhar com o corpo. Por outro lado, só a dança não era suficiente para me pagar as contas.
De onde é que apareceram as bonecas no meio disto tudo?
As bonecas surgiram logo no início da viagem em Montpellier! Na altura, a minha irmã tinha tido um filho, que era o meu primeiro sobrinho, e eu queria fazer-lhe uma prenda. E criei assim uma boneca que lhe mandei… mas depois continuei a fazer bonecas para amigos, a seguir comecei a vendê-las. Logo em Montpellier colaborei em mercados, em Bruxelas tinha as bonecas à venda em lojas e em Salzburg organizei os meus próprios mercados na Escola de Dança. Em Viena também participo em vários mercados. De qualquer maneira, as bonecas actuais já são muito diferentes das primeiras. As primeiras eram muito magrinhas… As bonecas são o formato que eu escolhi para expor as temáticas com que me preocupo no momento presente, seja ele qual for. Portanto em vez de ser um quadro ou um livro, são bonecas. E o formato da boneca reproduz o corpo humano e, para mim, aí é que reside o interesse de fazer da boneca ou do humano aquilo que eu entendesse. Parto de um conceito que eu estudo primeiro e depois avanço para as bonecas com os bordados. Não faço nenhum rascunho, mas tenho uma ideia na cabeça. Como tem de se bordar ponto a ponto, acaba por ser uma técnica que me dá muito controlo, de qualquer modo não há erros.
Tens alguma boneca inspirada pela cultura portuguesa?
Não, por acaso não… mas tenho uma austríaca! Por acaso até tenho umas ideias, mas nunca cheguei a concretizar. Normalmente faço uma colecção por ano, entre 7 e 10 bonecas, mas também faço bonecas por encomenda. Recentemente expus no WUK, uma casa de cultura e oficinas, uma colecção subordinada ao tema Cem Anos de Moda, onde cada boneca representa uma década do século XX, tendo não só roupa alusiva a cada uma dessas décadas, como palavras-chaves que se referem a movimentos políticos, correntes sociológicas e vertentes culturais desse intervalo de tempo.
Vês-te como um bicho carpinteiro?
Tenho sempre uma certa necessidade de fazer coisas. Eu sou uma pessoa que trabalha muito com as mãos. Para mim o tacto tem muita importância. Como tudo me serve de inspiração, preciso sempre de traduzir isso em coisas, às vezes nem sei bem no quê, mas começo a desenhar, cortar, colar, coser e as coisas aparecem. Eu nunca me aborreço, pois quando não tenho nada para fazer, invento qualquer coisa, crio qualquer coisa, mas não fico quieta!
Entrevista por Cláudia Fernandes, a nossa autoridade local em Viena.
A Autoridade Local é uma rubrica da Revista Gerador onde vamos à procura daquilo que de melhor se faz na cultura portuguesa. Mas quem somos nós para o dizer? Pedimos, por isso, ajuda àqueles que sabem mesmo da região onde vivem.
Ilustração de Ana Seixas.
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