Esta semana, nos Sentidos da Música, a Ana Isabel Fernandes esteve à conversa com o Luís Carvalho, do projecto Dead Flowers ;-)
Qual é ou quais são as músicas que fazem o teu corpo mexer?
Esta é fácil! Basta sentir os acordes dos riffs do Keith Richards e o pulsar-palavras disparados pela boca do Mick Jagger que logo acontece – “let me please introduce myself, I’m a man of health and taste ... “, é um bom exemplo.
E aquelas que te conduzem a um estado de espírito imediato?
Há tantas na melancolia alegre (?) do Rodrigo Leão que me fazem parar, e na saudade – viajar; como outras tantas na voz sedução de um Leonard Cohen que me deixam de coração cheio-inerte, ávido por contemplar... the longing began.
Já te aconteceu pensares numa imagem, num ambiente específico ou espaços enquanto compões?
Claro que sim. Tanto num caso como outro. Recordo uma visIta a um museu por aí. Um quadro muito pequeno, colocado num canto menos “holofótico”, de imediato me bloqueou como num click instantâneo por inspirar. Continuei a visita às salas, mas percebi que ali tinha que voltar. Escrevi-o mais tarde, nunca me perdi dessa imagem de silêncio-só daquela contemplativa mulher. Deixo um excerto do que saiu no meu 1º livro - “Buraco Branco”:
Sentada num olhar de ser
Sob as árvores amava
Passava a vida a viver
A vida de quem passava
Sob as árvores amava
Cores que mudam estações
Levam os sons que cantava
Trocava de amores sem razões
Ou ainda outro que escrevi, há algum tempo, e que li recentemente num ciclo de concertos - EA LIVE ÉVORA - com o maravilhoso compositor André Barros. Deixo novo excerto:
“há um sítio, o sítio mais bonito
do mundo. um sítio onde vais para
para onde tens que ir, quando tudo
no tudo, corre mal, quando o mal corre
por ti, enegrecendo o teu sangue
tingindo ao negro, teus respiradores
há um sitio. o sítio mais bonito do
mundo, não é́ um lugar, nem um sitio
é um espaço aberto ao verde das arvores,
colorido nas cores das flores perfumado, azulado
pela bruma dos pés do mar, embalado
pelas ondas do rio, sorrisos acima-abaixo
num tudo paradisíacos, de um oásis casa
com telhados de amor, há um sitio.”
Podiam ser tantas as ligações entre o espaço-imagem e ambientes... Algo que gosto muito e me vem à memória diz assim: “Show me the place, where you want your slave to go / Show me the place, I've forgotten I don't know / Show me the place, where you want your slave to go... sabes de quem é claro? [ Show me the place / Leonard Cohen] eh ehe he heh eh poems everybody.
Se pudesses desenhar e pintar a tua música, como seria e que cores teria?
Branco com preto acompanhado de fumo de cigarros.
Como é que imaginarias o sabor da música mais especial para ti? Doce, amargo, salgado como o mar, agridoce?
Sempre numa dualidade vivida entre a doce magia do mistério da tentação combinada com a acidez molhada da cor do limão.
Não faço ideia… Acima de tudo tem que me saber bem, independentemente do sabor que tenho, temos, com que ando, o que quero ou que procuro. Não sou de qualificar por géneros. Acima de tudo, desde que tragam qualidade, tudo me sabe a música, sabes? https://www.youtube.com/watch?v=trggu5Lp5Q8
Pensa no cheiro mais importante para ti, aquele que ficou na tua memória. Que música lhe associarias?
Angie, da infância dos meus filhos.
Achas que a música pode ser um bom veículo para fixar e guardar memórias?
A música será sempre um veículo - um sentido. Um caminho até. Bom ou mau depende de quem o conduz, como o leva ou como ele te bate. Seja para quem a recebe como para quem a oferece, há sempre coisas que se podem, vão fixar em nós, e podemos guardar de forma mais ou menos selectiva – coisas a que podemos voltar e voltar a descobrir. É um caso de memória. E depois até se podem coleccionar e ainda comprar. Tal como a memória, a música pode-se comprar, ao comprarmos ganhamos mais “memórias”. Conhecimento rico. Enfim, está tudo ligado... Para mim, enquanto ouvidor, não vivo sem. Enquanto músico, curador ou produtor, sou mais feliz por viver disso, e nisso.
Entrevista por Ana Isabel Fernandes
Foto Tiago Fezas Vital