Lembrei-me de dedicar um artigo a um prato emblemático da cozinha tradicional portuguesa. Os filetes em geral e, em particular, os notáveis “Filetes de Pescada”.
A tradição lusitana, antiga de muitos anos, estabelece como habitual a fritura de peixe (e polvo) “albardados” à moda do cliente ou da cozinheira.
De notar que a palavra “albardar” tem significado distinto em Portugal e em Espanha. Cá no retângulo trata-se de fritar algo envolto num polme. Em Espanha significa envolver carne ou peixe mais secos em tiras de presunto gordo ou de toucinho, para que ao assar tomem o gosto e fiquem mais suculentos.
Tomei pela primeira vez conhecimento dos “filetes de polvo” em casa de meus sogros, sendo que este era um prato que ali se fazia sempre para a ceia de Natal. Teria uns 23 anos, quando o comi pela primeira vez. E deslumbrei-me com a preparação: o polvo era bem batido, cozido e depois os pedaços grossos eram mergulhados num polme de farinha, ovos, sal e cebola picada e fritos em azeite e alhos.
Na minha casa sulista, há 40 anos, os filetes faziam-se frequentemente, mas eram de peixe fresco: pescada, garoupa, peixe-galo e até de abrótea ou de peixe-espada branco. Eram fritos em azeite (bons tempos) depois de passados por farinha e gema de ovo. O sal entrava primeiro, a enfeitar os lombos luzidios.
Quando entrou nos hábitos mundanos a moda dos “congelados”, o “filete” ganhou importância, pois seria talvez a melhor forma de se dar a comer peixe sujeito ao choque térmico do frio. Mas era costume as donas-de-casa utilizarem o truque da “marinada” para disfarçarem a secura natural do congelamento e lhes darem algum sabor. Os filetes eram descongelados e depois ficavam de um dia para o outro dentro de sumo de limão, alho picado, sal, pimenta e um pouco de leite gordo. Depois secavam-se, eram passados por farinha e ovo e fritos em óleo vegetal.
Mais tarde, a exploração mais alargada dos fundos pelágicos madeirenses deu origem a que o “espada preto” entrasse também na alimentação corrente dos continentais. E como? Através dos seus filetes. Que neste caso podiam ser, ou não, “albardados” antes de saltarem para a frigideira
O aristocrata do filete é, todavia, o “Filete de Pescada”.
Restaurantes importantes, de Norte a Sul, fizeram deste prato um chamariz de clientes que ainda hoje perdura. O “Aleixo” perto de Campanhã, a “Nanda” na Rua da Alegria, o “Beira Mar” em Cascais e o seu descendente “Monte Mar” no Guincho, são alguns exemplos que seguem triunfantes, continuando a apresentar esta receita emblemática.
Os segredos do sucesso são três: Bom peixe, saber cortar, saber fritar.
Tudo começa na qualidade da pescada. Tem de ser grande, para permitir cortar lombos altos de qualidade. Tem de ser firme e fresquíssima, sendo de preferir as capturadas pelo aparelho de anzol às que vêm do arrasto, porque neste último aparelho as pescadas lutam mais e têm tendência a ficar “moles” das pancadas que dão para se libertarem.
O resto é saber fritar. Quanto mais fresco e firme for o peixe menos artifícios: umas pedrinhas de sal por cima do lombo, vão primeiro à farinha sem exageros, depois passam pelo ovo batido. E o óleo sempre à temperatura ideal. E aqui, na temperatura do óleo e no tempo da fritura está também um dos pontos do sucesso.
Para quem gosta dos filetes “Panados” em vez de simplesmente fritos, ignora-se a farinha, usa-se passar primeiro pelo ovo batido e só depois pelo pão ralado, antes de entrar no óleo a ferver.
Resta falar do acompanhamento dos “filetes de pescada” (ou dos filetes de outro peixe).
O arroz carolino é obrigatório, podendo ser utilizado nas suas múltiplas “vestimentas”: de tomate, de grelos, de ervilhas, de berbigão, de mexilhão até de langueirão. A correr, malandrinho à moda do Norte, ou então mais seco, sendo frito neste último caso.
É permitido (e até agradável) juntar um pouco de molho tártaro no prato, desde que o arroz seja mais seco e de marisco.
A utilização de batata cozida e mayonnaise ou de salada russa até pode ser canónica, mas a mim sempre me “cheirou” mais a tentativa de maquilhar a falta de qualidade do filete. Não aprecio.
Manuel Luar