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Bem Comer: Momentos que era melhor esquecer… Conto Moral n.º 7

Nesta altura em que a lampreia começa a aparecer nos restaurantes especializados recordo um episódio…

Texto de Andreia Monteiro

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Nesta altura em que a lampreia começa a aparecer nos restaurantes especializados recordo um episódio engraçado passado na quinta de um grande amigo situada junto do açude de Abrantes do Rio Tejo, local onde antes da grave poluição o divino ciclóstomo aparecia com regularidade e dava um bom rendimento às famílias de muitos pescadores da zona.

A lampreia é um daqueles casos estranhos da gastronomia em que não encontramos meio-termo: há quem adore e há quem não a possa ver sem arrepios.

Devo confessar que eu sou adepto incondicional.

E aprendi a cozinhá-la, exatamente para aproveitar os preços jeitosos que esses pescadores do Tejo nos faziam por sermos “vizinhos”: a diferença entre uma lampreia grande e ovada comprada no restaurante ou ainda a mexer comprada aos pescadores, era (e é) de 100 euros para 25 ou 30 euros…

O problema com a lampreia nem é tanto a forma de cozinhar, mas sim a forma de a arranjar antes de ser estufada em vinho (normalmente verde). E é nessas exéquias da preparação prévia que muitos dos candidatos a cozinheiros de lampreia perdem a coragem.

Nesse processo de preparação – que começa com a lampreia viva - tentam alcançar-se, com técnica mais ou menos evoluída e de acordo com a experiência dos cozinheiros, três objetivos:

a) Limpar completamente a pele viscosa da lampreia dos limos que a cobrem
b) Aproveitar todo o sangue sem contaminação com fel ou conteúdo dos intestinos
c) Retirar toda a tripa do animal sem a furar.

Devo dizer (com experiência) que é uma trabalheira. Mergulhá-la em água a ferver presa pela cabeça com uma corda, raspá-la toda muito bem com pedra-pomes ou com uma faca de bico, retirar a tripa sem romper e aproveitando o sangue, etc…

Talvez há vinte anos atrás, estando eu a passar uns dias em casa desse meu amigo, conseguimos comprar duas boas lampreias - um macho e outra fêmea, porque assim era o acordo “comercial” com os pescadores, quem queria uma fêmea tinha de levar também um macho – e dedicámos a véspera da aprazada comezaina à tarefa bem aborrecida da limpeza das bichas.

Antes de nos deitarmos deixámos as postas das lampreias a marinar em vinho verde tinto e no próprio sangue, em alguidar de barro. Tinha cravinho, salsa e pimenta preta. Cabeças e rabos foram deitados fora.

No dia seguinte tratava-se de fazer o estrugido, com chalotas, alho picado fino e azeite. Era a altura em que se deviam salgar as postas, alourá-las no refogado e depois fazer o arroz juntando o molho da marinada coada. O arroz (carolino) devia ficar malandrinho, compondo-se a panela com mais vinho verde se fosse necessário.

As postas punham-se por cima do arroz para este tomar o sabor, antes de retirar o tacho do lume, não esquecendo de dar antes o clássico golpe de vinagre. E obviamente que íamos retificando os temperos de sal e pimenta já no tacho.

Foi mais ou menos nessa altura que as coisas começaram a correr mal.

Éramos dois na cozinha, a mexer no mesmo tachão de barro, e quando algum temperava sem que o outro desse por isso havia a tendência do segundo voltar a temperar com o mesmo ingrediente.

Tudo isto de forma um pouco aleatória e se calhar com ajuda da excelente garrafa de branco do Tramagal (a adega era ali perto) com que os dois “mestres” se entretinham à laia de aperitivo, antes do almoço.

Estávamos distraídos a petiscar tapas de presunto e a beber daquele vinho, convencidos que os grandes trabalhos tinham sido na véspera e mais descuidados com a execução de uma simples “cabidela”.

E o vinho fazia esquecer que a prova era mais que imperativa antes de carregar nos temperos.

Quando o tacho foi para mesa o que valeu foi o respeito dos comensais pelos chefes de cozinha (eram as irmãs do meu amigo, os cunhados, o filho e a namorada). Mesmo assim não nos livrámos ao comentário de uma irmã mais velha:

-“ A lampreia nunca mais foi a mesma desde que fizeram a barragem do açude de Abrantes. Até parece que foi apanhada no mar em vez de ser aqui no nosso rio. “

Pudera! Parecia bacalhau alto do lombo sem ter sido posto de molho…

Moral da história: A garrafa na cozinha é para temperos. Seja verde ou maduro…Cozinhar a “meias”? As meias são para os pés, as cozinhas são para um cozinheiro. Ajudantes admitem-se para descascar batatas. E só.

Texto de Manuel Luar
Ilustração de Priscilla Ballarin

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