Esta é a história do Bento.
O Bento nasceu em Portugal, numa família nem rica, nem pobre. Estavam entre aqueles a que se pode chamar de “os que até têm sorte”. O Bento é inteligente, mas nunca ligou muito à escola, para ele era mais golos e bolas. O Bento cresceu num ghetto. Desculpe, bairro social. O Bento tem hoje aquela idade em que não se é novo, nem se é velho, está maduro como a uva em agosto. O Bento é bom, ou pelo menos o seu mau carácter não consta nos registos oficiais. O Bento não liga a políticos, que falam uma língua mesmo parecida ao português. Ele conhece as palavras, mas quando baralhadas torna-se difícil de acompanhar. Os futebolistas, sim, juntam as palavras da maneira correta, até porque usam geralmente menos, logo, fica mais fácil acertar na combinação. O Bento não conhece políticos, já os jogadores do plantel do Benfica sabe-os por ordem do número de calçado.
O Bento é esperto, perspicaz, solteiro e bom rapaz!
O Bento nunca votou e vive num luxuoso quarto, o melhor que o salário mínimo permite sustentar. O Bento é informado, o Bento compra o jornal. O destaque nesse dia vai para controvérsias sobre meninos a frequentar casas de banho de meninas. Bento considera haver pessoas com tardes mais animadas que as dele. Bento não tem tempo para mais que letras garrafais e conclusões precipitadas. A viagem de autocarro cheio acaba e está na hora de seguir para o metro lotado. Bento tem tanto tempo para se informar quanto o tempo que os professores tinham para ele na sua escola, quando dividido por todos os alunos, cerca de 30 segundos por dia. Ainda assim, Bento é perito em generalizações e descobre todas as conspirações antes do Correio da Manhã. Para a viagem de metro fica a parte mais importante, a desportiva. Pelo caminho lê citações sobre ciganos ricos à conta do estado. Bento concorda.
O Bento é esperto, perspicaz, solteiro e bom rapaz!
O Bento gostava de ter uma casa e de viver melhor, pois mesmo trabalhando muito, o Bento continua com pouco. O Bento não liga a política, mas começam a surgir papagaios que falam para as pessoas. O Bento é uma pessoa. O Bento ouve. Os papagaios trazem frases simples, com “verdades” simples. O Bento gosta, e percebe. Por isso o Bento já decidiu e vai aventurar-se a votar. Não é preciso saber de tudo, basta uma pequena inclinação para votar. E quando se tem uma cultura leve e uma educação frágil, quem não se inclina? Relembro, o Bento é bom, mas não há colunas hirtas sem mestres.
O Bento já não é mais esperto, perspicaz, muito menos bom rapaz. É chamado de eleitor fascista parasita da democracia. E no meio de dialéticas alheias e misérias próprias, nasce a dúvida. Como podemos ostracizar o Bento, se para ele a palavra ostracizar não passa de uma técnica de cozinhar a ostra?
Quid Jus.