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Carta do Leitor: O Princípio de Arquimedes

“Foi comunicado por um grupo de pais de que um professor de natação, o Jorge,…

Texto de Leitor

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“Foi comunicado por um grupo de pais de que um professor de natação, o Jorge, tinha sido visto por uma das meninas a beijar na boca uma das crianças. É a única coisa que temos”.

Jorge Cramez é o encenador da peça ”O Princípio de Arquimedes” escrita por Josep Maria Miró. Uma peça que retrata o peso da dúvida, o vírus da velocidade da culpa, sem defesa, entranhada nas redes sociais.

Ana (Sandra José), a diretora de uma piscina municipal; Jorge (Eduardo Frazão) o professor acusado, Heitor (Luís Simões) o colega de Jorge, David (Gonçalo Lello) o pai da criança que afirma ter visto “o delito”. Constituem o quarteto de uma peça que estreia em Portugal e que se encontra mais atual do que nunca.

Na criação desta peça, escrita em 2011, a Josep Miró interessou-lhe escrever um mundo onde os sistemas de controlo e segurança tivessem mudado especialmente na esfera educativa. “Parecia-me interessante pôr em cima da mesa todos estes conflitos no mundo da educação, do medo, do prejuízo e da segurança. É uma obra que fala da perda de liberdade e espontaneidade. O medo detém um papel muito importante, nas questões educativas, sobre os nossos filhos. O medo da chegada de gente de fora; o medo sobre a economia; o medo de uma pandemia; o medo do terrorismo; o medo é sempre um aliado para os sistemas de controlo. A peça fala sobre um mundo onde o medo é um construtor de ideologia. De hábitos. De opressão.”

De acordo com o relatório Global Peace Index 2021, Portugal é o segundo país mais seguro da União Europeia. Uma posição que nos traz uma sensação de segurança. São números factuais. Gonçalo Lello, o produtor da peça, em entrevista verbaliza: “Não vás para tão longe preciso de te ver e connosco” não havia isso. Brincávamos, jogávamos à bola, no verão jogava e vinha à hora de jantar quando gritava pela janela, estas “seguranças” o excesso de “segurança” e os cuidados que os professores, os educadores e os monitores que lidam com os nossos filhos podem ou não podem ter.”

Apesar de Portugal se posicionar num lugar muito confortável na escala que padroniza os níveis de segurança dos países na EU, o medo continua a ser a plataforma mais enraizada. A racionalidade é tomada e desmontada com um simples click de dúvida, no corpo e na mente. Os números factuais surgem como o espectro onde o que importa é encontrar a falha, a percentagem que nos reafirma o medo e a dúvida. É a velha história de olhar o copo meio cheio ou meio vazio. As presunções e as inocências ficam à deriva, passíveis de serem destruídas por um poder popular que se instalou.

O suposto agressor, Jorge, é presente e sendo presente sente que tudo o que puder fazer para ajudar os miúdos a superar os obstáculos que puderem existir, ele está disponível para isso. Sem pudores, inibições porque estamos a falar de crianças que precisam de afeto e carinho e o toque é importante para ele, o toque não é um problema. Abraçar uma criança ou beijá-la para ele não é uma questão. Mas, segundo Eduardo Frazão, “chega um momento na peça em que a dúvida é colocada na cabeça dele pela dúvida das pessoas que estão à sua volta e das questões que estão a colocar. “Será que eu posso ter pensado nisso. É mais por aí.” Em Heitor (Luís Simões) há um momento qualquer que ele se questiona quem são estas pessoas. E Ana? A diretora da piscina? Quando questionada a atriz responde: “Eu acho que ela acredita no Jorge, mas entende a posição dos pais, porque ela também é mãe. E numa situação daquelas também duvidaria, é uma situação complicada a da Ana.”

“Na realidade, a criança pode ter visto dar um beijo na bochecha e no ponto de vista era na boca. Mas quando chegam, o Jorge já é culpado. Não há um momento onde se trabalhe a presunção da Inocência do Jorge (...) Isso destrói a vida de uma pessoa. Ele já está condenado. E quando se é apanhado nas redes sociais por alguma coisa que se fez ou que se fez de uma certa maneira e expõe publicamente e tens milhares de pessoas a manterem um linchamento público, não tens muitas hipóteses mesmo que sejas inocente.” Estas palavras do encenador Jorge Cramez resumem um determinado quotidiano: a inflamação volátil de uma cena, de uma suposição.

As redes sociais são novos palcos de tribunais. Como afirma Josep Miró, “São maravilhosos e perigosos simultaneamente”. Em poucas horas, um professor exemplar passa a um agressor.

Perante o nosso palco, será possível um reequilibrar? Jorge Cramez responde: Não sei como é possível reequilibrar este tempo para os tempos onde fomos mais felizes. A nova geração já foi educada nesta cultura das redes sociais. Já não há confronto cara a cara e a peça acaba com confronto de forças. Não há ninguém que bata à porta e entra e que vá falar com o Jorge. É o pai de uma criança que diz. Tudo isto é um pesadelo.

A verdade é que a bagagem que trazemos, nesta geração, é muito curta. Não é uma bagagem com anos suficientes para fazer um equilíbrio. “Estamos contaminados. São os tablóides, os jornais da revista cor-de-rosa. Ou os dramas. Um mundo que as pessoas querem ver. E as redes têm essa capacidade têm exponenciar estas notícias. E é só sobre o mau e a miséria. Como se volta ao paraíso perdido, não sei... temos de ser nós a organizar os nossos mundos. Basta uma pessoa, um olhar perverso ou disfuncional para acabar com uma catrefada de gente a apedrejar. “

E no fim, será que numa sondagem, à boca da porta do teatro, o Jorge ganhará o rótulo de culpado ou inocente?

Para haver inocentes ou culpados tem de haver delito e no caso desta obra a Jorge não se acusa um delito. É acusado apenas no que poderia ser. Aqui não há inocentes e culpados. Aqui há uma suspeita que é outra coisa. (Josep Miró)

O Princípio de Arquimedes diz que todo o corpo totalmente imerso, ou parcialmente imerso, em um líquido, fica sujeito a uma força vertical de baixo para cima e que esta força dá a sensação de que o peso dos corpos imersos em líquidos diminui. A dúvida e o medo são forças descendentes. Reféns de um princípio básico tantas vezes negado

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Texto de Maria Joana Almeida

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