A limitação de linhas onde posso escrever não permite dar mais do que um “lamiré” da espantosa diversidade gastronómica do arquipélago dos Açores.
Poderíamos imaginar que, tratando-se de ilhas, os produtos do mar seriam os mais dominantes. Contudo não é bem assim. A riqueza do clima atlântico permite que os pastos de qualidade abundem, o que tem por consequência a criação de gado vacum com características excecionais para carne ou leite.
Desta forma os queijos e a carne, nas suas muitas interpretações, são também de realçar nesta paupérrima antologia que aqui estabeleço.
Mesmo pondo de lado as preparações ditas primárias, como os grelhados e os cozidos, o peixe típico daquele mar permitiu que há longos anos se criassem as “Alcatras de peixe” e as “Caldeiradas”.
Congro, Boca-negra, Imperador, Bicudo, Cherne e Abrótea podem entrar nestas preparações. A grande diferença em relação às “caldeiradas” continentais é a utilização de banha e manteiga, às vezes toucinho, em vez do azeite.
A “Alcatra de peixe” pode ser de um peixe só , ou conter dois ou três. Por isso há quem chame à mais rica “com espinhas” e à monovarietal “sem espinhas”.
Algumas famílias dão primeiro uma leve fritura aos peixes, antes de os porem em guisado lento. Noutras receitas as postas vão diretamente para o tacho. Este tacho é de rigor que seja feito de barro negro, e para terminar com outra especificidade, sendo possível o apuro lento do guisado deve ser feito em fogo de lenha.
Aqui deixo três receitas típicas das Ilhas abençoadas. Duas de carne e uma de peixe.
Molha de Carnes do Faial
1/2 l de vinho tinto
3 Kg de carne com osso
200 gr de toucinho fumado
4 cebolas grandes
1 colher de sopa de banha de porco
1 colher de sopa de manteiga com sal
Pimenta da Jamaica a gosto
Sal q.b.
Preparação
A carne é cortada aos bocados grossos, as cebolas são picadas e o toucinho cortado aos cubinhos pequenos.
É obrigatório utilizar o ‘alguidar de barro’, mas se não tem um desses pode utilizar um tacho de fundo espesso, que possa ir ao forno bem untado com a banha.
No fundo coloque a restante banha, o toucinho, uma camada de carne, a manteiga e uma camada de cebola, o sal, pimenta da Jamaica e outra camada de carne acabando com uma camada de cebola.
No fim rega-se com o vinho, sem deixar cobrir o tacho todo. Vai a cozer no forno em lume brando durante mais ou menos 3horas
Torresmos de Molho de Fígado (S.Miguel)
2 Kg de carne de porco (entrecosto com ou sem ossos, e toucinho entremeado da barriga)
750 g de fígado de porco
8 dentes de alho
Sal grosso
1 dl de vinagre
5 dl de vinho branco
Meia folha de louro
Pimenta preta em grão a gosto
6 cravinhos-da-índia
Preparação:
Corta-se a carne aos bocados grandes (as mais gordas em bocados mais pequenos). Pisam-se os dentes de alho com sal e a pimenta vermelha e mistura-se depois o vinagre e o vinho branco. Com esta papa (vinha-d’alhos) temperam-se as carnes, ficando assim até ao dia seguinte.
O fígado é cortado em fatias grossas e tempera-se à parte com um pouco de sal, vinho branco e um pouco de pimenta e mistura-se à mão.
No dia seguinte deita-se no fundo da panela o louro, a pimenta em grão e o cravinho e por cima põem-se as carnes mais gordas. Quando estas carnes começarem a ferver, juntam-se as restantes (exceto o fígado), mexendo sempre até os torresmos começarem a querer rosar (alourar).
Junta-se então o fígado e o respetivo tempero. Ferve tudo lentamente até o fígado cozer, mexendo de vez em quando. Estando o fígado completamente cozido, desengordura-se um pouco e servem-se os torresmos bem quentes.
Nota; Estes “Torresmos” ilhéus assemelham-se a algumas receitas de “Rojões”.
Caldeirada de Peixe da Terceira
Várias qualidades de peixe (abrótea, cherne, congro, imperador, …)
2 cebolas às rodelas
2 dentes de alho
2 folhas de louro
6 grãos de pimenta da Jamaica
200 g de toucinho fumado
1 colher de sopa de banha
1 colher de sopa de manteiga
1 colher de sopa de polpa de tomate
4 copos de vinho branco
sal q.b.
1 raminho de salsa e malagueta a gosto.
Preparação
Mistura-se tudo no alguidar de barro e vai ao forno (pré-aquecido) a guisar lentamente até o peixe ficar dourado por cima.
Bom apetite!
Manuel Luar