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Cook4me Bem Comer: Caça Grossa na mesa – O Veado (e seus primos)

A Europa não é a África nem a Ásia, pelo que o termo “caça grossa”…

Texto de Gerador

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A Europa não é a África nem a Ásia, pelo que o termo “caça grossa” tem de ser explicado, não vá algum marciano pensar que aqui se atira chumbo e bala para cima de algum búfalo cafre.

E mesmo situando-nos na Europa, neste retângulo pequeno de cara virada ao ocidente existe atualmente alguma caça dita “maior”, mas nada que se compare à Bulgária ou à Roménia, ou aos países nórdicos onde a caça é para consumo da população mais do que para desporto, para já não falar da vizinha Espanha.

Em Portugal estão referenciados como sendo “caça maior”: javali, veado, gamo, corço e muflão. O lobo e a raposa existem no nosso país mas não se caçam, Estão (e bem) protegidos pela lei.

“Caça Maior” selvagem, fora de couto, é rara aqui no burgo pondo de lado o caso paradigmático do Javali, que vai merecer texto independente. Ou o caso das fugas para a liberdade de muflões ou cervídeos por rutura ocasional das vedações das reservas de caça. Há quem diga que estas “ocasiões” são muitas…

Esta crónica dedica-se ao interesse gastronómico dos cervídeos, Veado, gamo e corço (o antigo “cabrito montês como lhe chamava o povo), por ordem decrescente de envergadura física.

O muflão - espécie que não é nativa nem sequer aparentada à extinta Cabra do Gerês, tendo sido introduzida unicamente em reservas para proporcionar a obtenção de troféus de caça - não se considera que tenha interesse gastronómico.

Passaremos depressa pela Idade Média e Moderna, onde a maioria das vezes os nossos cervídeos seriam assados em espeto ou consumidos em guisados de panela. Sem esquecer as empadas de veado que aparecem referenciadas em textos coevos.

Isabel Drumond Braga, no seu excelente livro “Receituários Conventuais Portugueses da Época Moderna” (Imprensa da Universidade de Coimbra), dá conta da importância da organização das cozinhas dos conventos daquele tempo – dividindo o tema em receitas de mulheres (os doces) e de homens (os pratos salgados). Foi ali que respinguei como se tratava a carne dos cervídeos, desde o desmancho ao tempero, culminando pelas diversas preparações. Aqui vai uma amostra de um texto conventual masculino - “Caderno do Refeitório” - sobre a matéria:

…Em mantando o veado so ha de abrir e guardar o redenho e a tripa grande que chamaõ cagueira a lavaraõ muito bem em muitas aguas... Logo se poderá ir comendo como sece acabase de matar e se a carne for para empadas asa la nas grelhas naõ muito asada depois de bem lardeada com toucinho...

Hoje em dia as peças mais nobres do Veado e seus primos são aproveitadas para assar lentamente no forno ou para “saltear” na frigideira, normalmente acompanhadas de frutos silvestres frescos ou em compota ácida. Em primeiro lugar os lombos, depois, por ordem decrescente de nobreza gastronómica, as pernas.

As “iscas do fígado”, grelhadas grosseiramente com sal, são prato tradicional dos caçadores. Mas podem ser melhoradas, flamejadas com vinho da Madeira e de forma a ficarem mal passadas.

O que resta da carcaça pode ser utilizado em enchidos ou em empadas, fazendo espevitar o sabor final do recheio com boletos e pedacinhos de bom toucinho fumado a envolver o refogado.

Estas carnes têm muito menos gordura (cerca de um terço da gordura do porco, metade da gordura da carne de vaca magra), e por isso – se se destinarem ao forno - ganham em ser lardeadas ou envolvidas em toucinho ou presunto gordo. E devem ser sempre marinadas, devido ao gosto a “bravio”, no mínimo 24h. Nessa marinada há quem ponha - para além dos obrigatórios sal, pimenta e vinho branco ou tinto, - também alecrim, noz-moscada, manjerona, malagueta e até gengibre.

Devido ao facto de ter sido a existência das tapadas reais uma das principais causas da preservação dos cervídeos em Portugal, é natural que as receitas hoje mais utilizadas para este tipo de carnes sejam do Alentejo (Vila Viçosa) onde existia a mais importante tapada de caça real, ainda hoje utilizada para batidas que são organizadas sob as condições definidas pela Fundação da Casa de Bragança.

Deixo aqui uma sugestão para a perna de corço, sendo que pode ser igualmente feita com veado ou gamo. Não é alentejana de raiz, incorporando elementos do centro da Europa. Mas demos-lhe um toque luso, com o azeite e a aguardente velha.

Tal como para a lampreia, grande parte do sucesso na confeção das pernas dos cervídeos é o processo de limpeza prévia da carne, o que costuma dar desperdício notável se tivermos o cuidado de retirar todas as gorduras e nervos. Mas só assim sairá bem.

Ingredientes: 1 perna de corço; 2 cl de aguardente velha; 100 g de natas; 2 colheres de café de Geleia de Groselha; Azeite, Sal e Pimenta Preta a gosto.

Para a marinada: 2 dl de vinho tinto; 1 cebola; 1 ramo de cheiros; 6 cravos-da-índia; 12 bagas de zimbro; Pimenta preta em grão;

Depois de muito bem limpa a perna coloca-se a marinar, com o vinho, a cebola cortada aos quadrados e todos os outros ingredientes, durante 24 horas. Retira-se da marinada, seca-se com um pano e tempera-se com sal e pimenta.

Coloca-se a seguir a perna num tabuleiro com o azeite e leva-se a forno quente (200º), durante 40 minutos. Se for veado ou gamo (animais maiores) tenham em atenção que deve assar 25 minutos por cada 500g. Para uma perna de 2 kg seria uma hora e quarenta minutos, mais ou menos.

A meio da cozedura, junta-se a marinada. Depois de assada retira-se a perna de corço e reserva-se em local quente.

Passa-se num coador o molho que restou da assadura e junta-se a aguardente velha, as natas e a geleia de groselha, mexendo bem para incorporar todos os elementos. Retificam-se os temperos do molho.

Serve-se a perna de corço com o molho à parte.

Podemos acompanhar com puré de maçã reineta ou, mais à portuguesa, com chalotas assadas no forno e castanhas assadas.

Para acompanhar este prato vamos a Mértola, local de tanta secura que se dizia antigamente “os homens aqui, antes de deitarem água nas mãos para as lavarem, levavam-na primeiro à boca”.

O vinho recomendado é o Bombeira do Guadiana, Tinto Reserva de 2011. Com 14º mas bem estruturado e de taninos suaves, como a quentura exige. Custará perto de 20 euros.

Manuel Luar

 

 

 

 

 

 

 

 

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