Sempre gostei dos Açores. A quietude daquele viver pausado, embalado pelo mar, atrai-me. Já pensei que pode ser um local magnífico para abrilhantar a reforma, espairecendo ali um ou dois meses por ano.
Numa panóplia admirável de nove ilhas, todas diferentes, é normal que o continental tenha alguma preferência. Gosto de todas, todas conheço (exceto a mais pequenina) e hesito em escolher. Mas se me colocassem “a faca ao peito” acho que teria de dizer que era o Pico.
Imagino a desconfiança dos leitores: “O gajo gosta do Pico por causa do vinho!”.
Também é verdade. Faz-se na ilha do Pico um belo vinho licoroso com as castas Arinto, Terrantês ou Verdelho. Um deles o Czar de 2009 (DOP Pico), deu uma coisa extraordinária na garrafa. Mais de 20 graus sem qualquer adição de fortificantes! Não existiam até agora registos de vinhos, em qualquer parte do mundo, que tivessem atingido semelhante graduação de forma totalmente natural.
Nem só de licoroso vive o Pico. Também existe vinho de mesa (agora com o conselho de Paulo Laureano).
Mas o grande tema desta crónica é a comidinha. A das nove ilhas não cabe numas poucas linhas.
Farei o que posso dedicando uma crónica às generalidades, e outra a duas ou três preparações que acho mais interessantes do ponto de vista da singularidade gastronómica e obviamente do seu paladar.
Na mesa do Pico, a variedade das iguarias “secas” pode não ser grande, mas é de muita qualidade: o queijo de vaca de pasta mole e amarelada, o polvo guisado com vinho de cheiro, a linguiça com inhame, a molha de carne e os caldos de peixe.
Falar do Pico leva-nos logo ao Faial, pelo canal que o grande Nemésio imortalizou. Já nele sofri com os balanços daquela água.
Ali encontraremos de novo as predominantes molhas de carne (guisados lentos de carne de vaca com especiarias) e o polvo guisado.
Em S. Miguel e na Terceira as iguarias com base nos produtos do mar ou da terra abundam. Cracas, lapas e cavacos, garoupinhas, cherne, chicharros, atum cor-de rosa (magnífico), alcatra e todas as variantes da incrível carne de vaca dos pastos açorianos. Sem esquecer o cozido das Furnas (um pouco estragado pela atividade turística).
O Ananás bem maduro de S. Miguel merece um poema, daqueles com que se acaba uma refeição de estalo.
Em S. Jorge reina o queijo (dito daquela Ilha). Poderoso, sobretudo o de maior estágio, o de 24 meses. Comam-no bebendo um branco bem aromático, um Douro como o “Dona Matilde” de 2015. Ou um licoroso do Pico.
Santa Maria é famosa pelos morangos e melões. A sua meloa é já um produto DOP reconhecido internacionalmente.
Na Graciosa imperam as Queijadas, mas fazem-se belas caldeiradas e assados de peixe no forno.
A Ilha das Flores é famosa pelos Torresmos (tipo de rojões) com inhames e pelos filetes de pescada.
As “Alcatras” abundam em qualquer das ilhas. Fazem-se de peixe e de carne. Tentei averiguar se existiriam diferenças conceptuais entre as “alcatras de carne” da Terceira e as “molhas” do Pico e do Faial. Todos me diziam que sim, mas quando passavam aos pormenores o “modus faciendi” não era assim tão distinto.
Fica o mistério ( se é que existe) por resolver.
Manuel Luar