Um aquário. Um lagar. Uma antiga cozinha de um lagar. Um relvado. Um pátio de uma biblioteca. São estes alguns dos muitos lugares do Exquisito, o festival de criação artística emergente que está por estes dias – 13, 14 e 15 de setembro - em Telheiras. Ontem, as grandes expectativas deram finalmente lugar ao “fazer acontecer”, naquele que foi o primeiro dia do Exquisito.
Enquanto se aguardava, cá fora, a chegada de Fado Bicha – o concerto de estreia grátis do Exquisito -, algumas dezenas de pessoas reuniam-se no relvado onde se encontrava instalado um palco improvisado, junto ao Lagar da Quinta de São Vicente.
- Papá! Nós estamos no mundo do descanso!
Gritava euforicamente um rapazinho atrás de mim, ao mesmo tempo que tentava suster o fôlego dos saltos infinitos que dava no seu puff. Como também estava instaladas num deles, ou seja, por experiência própria, tal como ele, não podia estar mais de acordo. Estava assim atribuída, sem que ninguém nos pedisse, a primeira nota alta do Exquisito: no conforto, estão lá!
A interromper estes pensamentos impõem-se à nossa frente dois homens vestidos com trajes coloridos, festivos, exuberantes, e mais um sem-número de adjetivos do género, e apresentam-se em palco. Eram eles, os Fado Bicha, por quem todos esperávamos. “É a Marcha do Orgulho” foi o primeiro tema, divertido e um tanto vaidoso, que nos trouxeram, arrumando desde logo ao que iam: estavam ali para falar do que é fazer “política na rua”, das “muitas cores desta minoria” com megafone e tudo metido ao barulho.
Atuação de Fado Bicha.
- Eu estava tão nervoso!
Confessa-nos Lila Fadista. Na guitarra, com ela, estava João Caçador. É ainda durante essa pausa que se refere àquilo que vemos como uma banda tratar-se de um projeto. Um projeto ativista que, ao contrário do que se possa dizer, não tem qualquer intenção de gozar com o Fado, muito pelo contrário – o objetivo passa por utilizá-lo como meio para divulgar uma mensagem. Mais aliviada, ao som da guitarra elétrica, Lila continua ainda mais elegante e orgulhosa. Dança, e fá-lo também para as muitas câmaras que se vão levantando, sem se fazer de desentendida.
Em plena hora de ponta de uma quinta-feira, são muitas as pessoas que ao passarem de regresso a casa se vão juntando, curiosas, para ver o espetáculo com uma audiência tão variada composta por crianças, jovens, homens acompanhados com as respetivas mulheres de braço dado, e até alguns idosos. Talvez apercebendo-se da sua assistência, Lila, que não canta apensas mas que também tem longos momentos de conversa com o seu público, aproveita para falar da rejeição que a comunidade LGBTI sente por parte da família, apelando ao amor, numa mensagem que já fora anunciada no início – a da tolerância.
Indicações encontradas a caminho da Biblioteca Orlando Ribeiro.
Contornando o edifício do Lagar, e ainda ouvindo Lila lá ao longe, chega-se rapidamente à Biblioteca Orlando Ribeiro, onde no respetivo pátio acabavam de começar as “Conversas Exquisitas”. “Qual o potencial da arte enquanto unificador de diferentes visões” era o tema que marcava o primeiro de três dias de conversas, num painel composto por Francisco Pinheiro, Paulo Morais, Tomaz Hipólito, Clara Imbert e Carolina Pimenta. A conversa, essa, ganhou vida própria e direcionou-se para o potencial das artes no âmbito da consciencialização ambiental, uma questão que dominou alguns dos trabalhos ali expostos no Exquisito, da autoria de alguns membros do painel.
Pátio da Bbilioteca Orlando Ribeiro.
“Depois das Certezas absolutas vêm as emoções”, foi uma frase que acabei por apontar no caderno que trazia comigo, já sem “certezas absolutas” se alguém a dissera daquele jeito ou se eu própria chegara lá sozinha depois de ter feito parte daquela conversa, ainda que na condição de ouvinte.
Já escuro, ainda no Pátio que fervilhava das ideias da conversa anterior, começaram a reunir-se os colaboradores da Revista Gerador, a grande responsável pelo tema “E depois das Certezas Absolutas” que dera mote à conversa anterior. Naquela que é já a sua 21ª edição, a Revista destaca o Teatro Meridional, no seu Juízo de setembro sobre o teatro, embala-nos com um conto atual sobre as incertezas das relações humanas, mete pelo meio uma entrevista sobre robôs que produzem arte, e muito mais.
Durante a apresentação da Revista Gerador de setembro.
Com um cheirinho a churrasco, e já num ambiente despropositadamente transformado em lounge, anuncia-se a noite, e com ela os concertos. Rua acima, rua abaixo, orientadas pelos horários do programa que levavam na mão, as pessoas dividiam-se entre o Lagar da Quinta de São Vicente e o Auditório da Biblioteca, os locais onde Bleid, André Hencleeday Quartet e Clothilde iriam atuar e encerrar aquele primeiro dia.