Viajámos durante uma manhã no comboio regional até Elvas para saber tudo o que vai acontecer no Festival A Salto – Tomada artística da Cidade de Elvas. Debaixo do calor houve espaço para falar do festival, dos artistas, de se fazer cultura no Alentejo e até para provar especialidades alentejanas. Vêm connosco?
Às 7h45 da manhã de sábado, no dia 4 de agosto, um dos mais quentes do ano, entrávamos no comboio regional 4407, em direcção ao Entroncamento. O destino final: Elvas – foi assim que ficámos a conhecer tudo sobre a programação da terceira edição do A Salto, o festival de arte contemporânea que, durante três dias, invade a cidade muralhada.
Numa sala de conferência de imprensa improvisada, João Nunes, um dos fundadores do UmColetivo, apresenta-nos os autores que vão invadir Elvas no final deste mês. Num país com mais de 150 festivais, de norte a sul do país, o UmColetivo constrói um programa para três dias (31 de Agosto, 1 e 2 de Setembro) que envolve pessoas por toda a cidade de Elvas. O obectivo deste grupo é trabalhar este território de fronteira, com projectos transdisciplinares, que estejam, também eles na fronteira entre várias artes, ao mesmo tempo que exploram o património da cidade.
Um festival construído pela via dos afectos
Um festival que resulta de uma dinâmica de afectos entre os artistas, a comunidade e o espaço. É por isso que os artistas ficam alojados em casa dos locais e que todas as refeições são feitas numa cantina comunitária, na Sociedade de Instrução e Recreio.
12 dos 16 artistas participantes farão uma residência artística nas semanas que precedem o festival porque vão trabalhar sobre a cidade ou o seu património, ocupando vários espaços e permitindo que se crie um roteiro em que o espectador percorra o festival do início ou fim e, desta forma, consiga conhecer a cidade.
Do alojamento dos artistas à cozinha comunitária ou mesmo à escolha das intervenções que vão invadir a cidade, são várias as maneiras pelas quais os habitantes de Elvas podem sentir este festival como seu.
Da open call feita pela organização do festival, foram 5 os projectos seleccionados pela população para participarem do festival. No comboio, Bruno Caracol, autor de “Aluvião”, um dos projectos escolhidos pela população de Elvas, apresenta-nos a proposta: “Quero usar a água como material de trabalho. O objectivo é inundar um espaço na cidade de Elvas para que possamos reflectir sobre o significado da água e da sua utilização nos dias que correm”. A residência artística de Bruno Caracol nas semanas que precedem o festival vão dar origem a este trabalho inspirado no livro, Mundo Submerso.
Escolhido por Elvas, foi também “Baluartes”, de Rafaela Nunes, uma série de esculturas que podem ser descobertas por toda a cidade de Elvas numa visita guiada feita pela autora, “Histórias Mal Contadas”, da autoria de Cláudio Pereira traz um concerto construído com a comunidade, “À Carta” um menu de performances para o público escolher: de exercícios de canto ao humor, não faltarão opções surpreendentes, no Mercado.
Um lugar especial para artistas lusófonos
O último dos cinco escolhidos pela população, “Janelas da Memória”, do Brasil, quer fazer um ensaio etnográfico em filme sobre esta edição do “A Salto”. O filme será exibido no último dia do festival.
Este é um dos 4 projectos internacionais que vão participar do festival, este ano. João conta-nos que que é importante manter este laço com as comunidades lusófonas e a sua presença no A Salto.
Do Brasil virão, “Janelas da Memória”, Ludmilla Ramalho, com “Fuck Her”, uma performance onde a autora explora os vários significados da palavra “pinto” (que, no calão do português do Brasil, significa vagina), e Simone Donatelli, com “Deslocamentos: Vista Sua Existência”, um exercício fotográfico com figurinos religiosos que são deslocados para outros contextos.
A fechar o painel de artistas internacionais, está Yuran Henrique, cartoonista de Cabo Verde, que vai pintar um mural inspirado numa história tradicional de Elvas.
Autores portugueses, de norte a sul do país
Estes 3 últimos são resultado da curadoria de Cátia Terrinca, onde se juntam mais 8 projetos de todo o país. De Lisboa, chegam ao A Salto os Pato Bravo com o seu mais recente “Imperatore” e a Escola de Mulheres, com leituras encenadas de autores portugueses em “Da Voz Humana”. Em “Re.Ligar”, Ana Catarina Santos, vai protagonizar 3 performances contínuas, do nascer ao pôr do sol, na Cisterna.
João Rodrigues, do Porto, ocupa o Cineteatro de Elvas com “Volt”. Neste projecto, João vai montar um estúdio de fotografia que pode ser visitado durante toda a semana no festival e onde vai revelar uma série de fotografias produzidas com a comunidade. O objectivo é fazer uma composição assente na sobreposição de todas as fotografias.
Rodrigo Pereira leva à cidade do cerco “re-right”, um trabalho sobre a ideia de sonoridade e melodia da língua portuguesa. E ainda no campo da sonoplastia, Mariana Bragada, de Bragança, leva “Retratos”, um trabalho centrado na voz em que a autora vai trabalhar sobre as vozes das pessoas de Elvas.
É dentro desta linha que de constrói mais um festival: com a criação não só a partir de Elvas mas com e para a gente de Elvas. “Daily Miscomceptions” traz uma oficina de música electrónica para pais e filhos na Sinagoga de Elvas, um espaço que está fechado e que vai abrir para o A Salto.
O “48 Hours Film Festival” vai trazer um workshop para quem quer aprender a fazer cinema. Durante o festival, os participantes vão ser convidados a produzir uma curta metragem em 48 horas que será projectada também no final do festival.
A juntar a tudo isto, haverá oficinas abertas à comunidade: do artesanato ao teatro, da música à gastronomia, haverá actividades para todos os gostos.
Ainda não eram as 9h30, e chegávamos ao Entroncamento. Esperava-nos o segundo pequeno-almoço do dia e, depois de 45 minutos de conversa de café, apanhávamos o segundo comboio com destino a Elvas.
Reflectir sobre o panorama das artes contemporâneas
Neste segundo troço, começámos a conversa que tinha como tema “Criar noutros centros: para uma cartografia do Alentejo”. A participar nela estavam: José Alberto Ferreira, da Fundação Eugénio Almeida, Helena Rocha, da Direção Regional Cultura Alentejo, Maria Simões, Diretora da Cooperativa das Descalças, e António Revez, Diretor do FITA.
Palavra puxa palavra e a discussão chegou até Elvas (talvez continuasse, se a nossa paragem não se ficasse por ali) e trouxe algumas reflexões sobre as especificidades da criação artística fora dos centros urbanos. Sobre a importância do diálogo com as instituições locais e outras associações que trabalham cultura nestas geografias.
Uma discussão que chegou a uma conclusão alinhada com a forma como o próprio festival A Salto foi construído – só a via dos afectos e uma ligação forte com a geografia pode fazer com que a criação chegue mais longe. Mas sobre as coisas boas de se trabalhar do Alentejo, todos foram coerentes na sua resposta: “tudo o que fazemos é visível, percebe-se bem a nossa influência nas comunidades onde intervimos e há uma disponibilidade imensa para criar”.
Uma disponibilidade possível pela qualidade de vida e, claro, a gastronomia. Uma gargalhada geral foi ouvida na única carruagem que seguia para Elvas quando alguém respondeu à pergunta com um “Açorda”. E deu o mote para o almoço. Comi Gaspacho e Bacalhau Dourado (para quem não sabe, Bacalhau à Brás, mas sem cebola). Ainda visitámos a Joana no seu atelier de Elvas e seguimos pela tarde fora, debaixo do ar condicionado, no expresso para Lisboa.
O programa vai estar disponível em umcoletivo.pt.