Foi em 2014 que o Vaudeville Rendez-Vous começou a ganhar vida, em Famalicão. Cinco anos depois, conta com espetáculos também nas cidades de Barcelos, Braga e Guimarães, e trabalha continuamente na promoção do circo contemporâneo, num festival que apenas faz sentido com “uma grande escala a nível regional”.
Bruno Martins, o diretor artístico do festival, conversou com o Gerador e explicou o impacto que o Vaudeville Rendez-Vous tem tido nos lugares em que se move, e a importância de criar pontes entre o meio profissional e académico. E como, na verdade, a descentralização é uma ideia que pode crescer “sobretudo a partir do centralismo de Lisboa” e com a qual não se identifica.
Gerador (G.) — O Vaudeville Rendez-Vous surge em 2014 em Famalicão, mas, cinco anos depois, são já quatro cidades a integrar o vosso programa. Em que medida é que esta expansão faz sentido no vosso conceito?
Bruno Martins (B.M.) — Não temos nenhuma agenda expansionista e muito menos imperialista. A ideia de trabalhar em quatro cidades em simultâneo visa, sobretudo, responder a uma lógica de trabalho conjunto já estabelecido por estas quatro cidades do Minho – Barcelos, Braga, Famalicão e Guimarães –, no âmbito do Quadrilátero Cultural. Esta região tem uma grande densidade populacional e, do ponto de vista urbanístico, perdemos muitas vezes as referências fronteiriças entre cada concelho. Estas cidades estão ligadas por uma longa teia de freguesias que se estende até aos limites do concelho. Podíamos estar aqui a falar de uma grande zona metropolitana e extremamente rica do ponto de vista cultural e patrimonial. Na verdade, do ponto de vista cultural, é das mais ricas e estimulantes do país, com uma série de equipamentos culturais em pleno funcionamento e vários festivais com imensa qualidade ligados à dança, ao teatro, às media arts, à música eletrónica, e claro, ao circo.
Por essa razão, creio que era importante criar um Festival de dimensão regional que ligasse estas quatro cidades e as pusesse a falar em conjunto e, curiosamente, foi o circo que promoveu esse diálogo. Por ser o circo contemporâneo uma linguagem ainda pouco expressiva na criação artística nacional, é extremamente importante que este seja um festival com uma grande escala a nível regional, com o objetivo de dar um forte impulso à visibilidade desta área artística.
G. — Braga, Guimarães, Famalicão e Barcelos não são grandes centros urbanos. Descentralizar foi/é uma preocupação para vocês?
B.M. — Errado. Braga, Guimarães, Famalicão e Barcelos são, na verdade, um grande centro urbano, se quisermos, claro, pensar no conjunto destas cidades dessa forma. A descentralização é uma ideia que cresce sobretudo a partir do centralismo de Lisboa, portanto, nós não partilhamos dessa ideia porque não pomos a tónica em Lisboa. O nosso centro define-se pelo perímetro em que a nossa ação artística é capaz de se desenvolver e sempre consciente do contexto do território onde trabalhamos. No fundo, nós só sentimos que estamos a descentralizar quando vamos a Lisboa apresentar o nosso trabalho.
G. — Sentes que o Vaudeville Rendez-Vous tem vindo a contribuir para uma certa expansão do circo contemporâneo e das artes de rua?
B.M. — Eu tenho a certeza de que o Vaudeville Rendez-Vous tem sido fundamental para sensibilizar os públicos do Norte do país para o circo contemporâneo, assim como tem sido fundamental para dar voz aos artistas que trabalham estas linguagens através das várias coproduções que realizámos em todas as edições. No entanto, acho que ainda falta percorrer um longo caminho até podermos falar dessa tal expansão do circo contemporâneo em Portugal, porque neste momento isso não existe. Existe uma progressão tímida ao nível da criação. Para o setor ganhar força, precisa de trabalhar em conjunto. É preciso que os teatros e festivais trabalhem em conjunto com os artistas na criação de formas inovadoras, mas, infelizmente, nem sempre reconheço vontade de ambas as partes de apontar o dedo na direção da inovação.
G. — E a forma como os portugueses olham para as práticas a que vocês dão foco no Vaudeville Rendez-Vous, achas que é positiva?
B.M. — O público do Festival sai dos espetáculos extremamente entusiasmado. É incrível o poder transformador das artes. No nosso caso, temos sentido um crescimento sistemático da adesão do público, e conseguimos perceber que há uma grande quantidade de público que aguarda ansiosamente cada edição. Em Braga, por exemplo, é normal o público começar a ocupar a plateia dos espetáculos da noite com mais de uma hora de antecedência. Estamos a falar de uma plateia de mais de 500 lugares.
G. — Este ano têm a estreia da Fábrica da Mentira, o espetáculo criado a partir da bolsa atribuída ao aluno finalista do INAC, Elvis Mendes. Faz parte de uma preocupação da vossa parte com o avanço das artes de circo em Portugal apostar neste tipo de apoio?
B.M. — Para nós, é fundamental criar pontes entre a escola e o meio profissional. A bolsa foi pensada no sentido de promover a criação de jovens artistas e de se constituir como um primeiro impulso para a sua integração no mercado de trabalho, dando continuidade à pesquisa artística que iniciaram na escola.
G. — Que dimensão é que a vossa programação paralela — 3 oficinas de formação para o público em geral, 1 laboratório de criação para circo contemporâneo para estudantes e profissionais das artes performativas, 1 showcase para programados nacionais e internacionais, e ainda 1 debate sobre as redes de cooperação artística — ocupa na programação? Como é que vai dialogar com os espetáculos?
B.M. — Temos verificado que o Festival se tem constituído como uma espécie de ponto de encontro entre os artistas e estudantes ligados às artes do circo. Por essa razão, desenvolvemos uma série de ações dirigidas a estudantes e profissionais como o Laboratório de Criação para Circo Contemporâneo, o Debate e o Showcase. Proporcionamos, assim, um espaço também de pensamento, de aprendizagem ou, se quisermos, de reciclagem de conhecimentos, enquanto confrontamos estes públicos com um reportório extremamente diversificado com artistas vindos dos vários pontos do globo. Relativamente ao Showcase, os artistas programados no âmbito do Festival ou outros que virão a ser programados em edições futuras têm aqui a oportunidade de apresentar o seu trabalho a um painel de programadores nacionais e internacionais. É um espaço privilegiado de encontro entre artistas e programadores.
G. — Quais são os destaques nesta edição?
B.M. — Estou muito expectante relativamente ao espetáculo Sigma, da companhia inglesa Gandini Juggling. Este é um espetáculo de malabarismo composto por um elenco exclusivamente feminino e que cruza o malabarismo e as danças tradicionais indianas. Acho que o confronto cultural deste espetáculo irá surpreender o público. E, claro, destacar também uma das outras coproduções do Festival, o espetáculo Angustus, fruto do reencontro do malabarista português Jorge Lix com o acrobata italiano Jonathan Frau. Estou muito curioso com o resultado do processo destes dois artistas. São os dois irrepreensíveis, cada um na sua técnica de especialidade.
O Vaudeville Rendez-Vous faz-se à estrada pelo Minho para celebrar as artes circenses de 24 a 27 de Julho, com 40 atividades públicas a decorrer simultaneamente em quatro cidades. Sabe mais sobre esta edição do Vaudeville Rendez-Vous, aqui.