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Entrevista a Luís Ferreira, diretor artístico do Bons Sons: “Falta criar espaços informais onde a cultura esteja conciliada com o lugar”

Ao longo de 10 edições, materializadas em 13 anos de trabalho, o festival Bons Sons…

Texto de Ricardo Gonçalves

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Ao longo de 10 edições, materializadas em 13 anos de trabalho, o festival Bons Sons fez questão de pôr a aldeia de Cem Soldos, situada no concelho de Tomar, no centro de um mapa geográfico que é, em simultâneo, um mapa constituído pelo nosso imaginário da música portuguesa. Ao remar contra a maré, o festival tem combatido a ideia de que a aldeia é parte de uma imagem do passado e provado também que é no encontro e na comunhão com as comunidades locais que reside a chave do seu sucesso.

A menos de dois meses da edição de 2019, que decorre entre 8 e 11 de agosto, o Bons Sons quer por isso aprofundar a sua lógica comunitária e celebrar o melhor da música portuguesa, provocando encontros inusitados entre artistas e bandas, embora limitando a sua lotação de visitantes a apenas 35 mil pessoas, para que estas possam “viver a aldeia” de forma plena e sustentável.

Se, no passado, o festival ganhou fama de culto – como um dos segredos mais bem guardados do nosso tórrido verão nacional –, hoje em dia o trabalho da organização passa sobretudo pela autonomia do festival que quer continuar a contribuir para o “desbravar de novos caminhos”, em especial na “pluralidade da cultura e do cancioneiro português”.

Em entrevista ao Gerador, Luís Ferreira, diretor artístico do festival, realça sobretudo a necessidade de manutenção das premissas originais do Bons Sons – através de uma ideia de manifesto orientador – e que explicam a longevidade do festival. "Há 13 anos era ridículo fazer um festival apenas de música portuguesa”, sendo que existe atualmente uma reconciliação do público com a música feita por artistas nacionais, explica.

A manutenção de um dogma identitário
Organizado desde 2006 pelo Sport Club Operário de Cem Soldos (SCOCS), o Bons Sons manteve-se bienal até 2014, passando depois a realizar-se anualmente. Através de um modelo comunitário, a aldeia de Cem Soldos é fechada e o seu perímetro delimita o recinto que acolhe este ano 10 palcos integrados nas ruas, praças, largos, igreja e até garagens e lagares.

A marca identitária do festival – focado na cultura portuguesa –, ajudou a esbater “preconceitos, não só sobre a cultura nacional, mas também sobre as aldeias portuguesas”, conta o seu programador. “O festival foi-se transformando mantendo sempre o seu dogma que é feito de cultura portuguesa, através da música portuguesa, e tendo a aldeia como paisagem humanizada”, sublinha.

Por outro lado, Luís Ferreira acredita que o Bons Sons tem servido de “inspiração a muitos outros festivais, mostrando outras formas de trabalhar o espaço rural” e mantendo o seu espírito intacto. “Estamos a honrar as premissas. O festival não se perdeu neste processo de crescimento”, acrescenta.

Para além da sua dedicação à cultura portuguesa, o Bons Sons tem vindo a consolidar o seu modelo de organização, feito à base de voluntariado. É no espírito de jangada comum, de vizinhança e comunidade, que se ilustra a verdadeira família que faz este festival. Todos os anos, cerca de 500 voluntários – entre uma equipa base composta por 100 pessoas, mais 300 que tratam dos serviços e acolhimento e pelo menos mais 100 que funcionam como embaixadores – tem a tarefa de erguer o festival e receber os mais de 30 mil festivaleiros que por ali passam.

Organizado desde 2006 pelo Sport Club Operário de Cem Soldos (SCOCS), o Bons Sons manteve-se bienal até 2014, passando depois a realizar-se anualmente. © Pedro Sadio

Uma programação que celebra 13 anos de festival
Para a edição deste ano, a organização do Bons Sons preparou uma programação que celebra os anos de vida do festival. Neste sentido, regressam a Cem Soldos bandas e artistas para tocar umas com as outras, em encontros simbólicos que juntam músicos que já partilharam o palco e outros que dão a mão pela primeira vez. Assim estão programadas as atuações de Diabo na Cruz – o único grupo a solo –, FirstBreathAfter Coma + Noiserv, Lodo + Peixe, Sopa de Pedra + Joana Gama, Glockenwise + JP Simões, Joana Espadinha + Benjamim, e Sensible Soccers + Tiago Sami Pereira.

“Temos essas 13 bandas que são, no fundo, a forma de celebrarmos 10 edições na lógica do encontro. São seis concertos nos quais desafiámos géneros e linguagens musicais diferentes a estarem em palco conjuntamente. A princípio era mais uma ideia de partilha, mas gostaram tanto do conceito que estão a criar propositadamente para o Bons Sons. Por isso vão ser concertos únicos, com originais e abordagens muito diferentes daquelas a que estamos habituados”, destaca.

Para além destes 15 nomes, o Bons Sons 2019 conta ainda com atuações de Tiago Bettencourt, Júlio Pereira, Luísa Sobral, Hélder Moutinho, Budda Power Blues & Maria João, Dino D’Santiago, Pop Dell’Arte, X-Wife, Três Tristes Tigres, Stereossauro, DJ Ride, Fogo Fogo, Scúru Fitchádu, Paraguaii, Baleia Baleia Baleia, Tape Junk, Miramar, Pedro Mafama, Senza, Afonso Cabral, Ricardo Toscano e João Paulo Esteves da Silva, Raquel Ralha & Pedro Renato, Jorge da Rocha, Mano a Mano, Sallim, Galo Cant’Às Duas, Tiago Francisquinho, Gator, The Alligator, Cosmic Mass, Francisco Sales, Dada Garbeck, Valente Maio, Ricardo Leitão Pedro, DJ Narciso, DJ João Melgueira, Carlos Batista, Vénus Matina, Mil Folhas, Telma, Cal, Adélia, Pequenas Espigas e Vozes Tradicionais Femininas.

Por ser a 10.ª edição, o festival compõe-se este ano de 10 palcos: Lopes-Graça, Zeca Afonso, Giacometti – Inatel, Amália, Aguardela, Agostinho da Silva e o Auditório Agostinho da Silva mantêm-se onde estavam e juntam-se António Variações, no local do antigo palco Eira, Carlos Paredes, na igreja, e Música Portuguesa A Gostar Dela Própria (MPAGDP), que se muda também para o lagar de Cem Soldos.

No Auditório Agostinho da Silva, apresenta-se a programação paralela, que resulta da parceria entre o Bons Sons e o Festival Materiais Diversos. “Coexistimos”, um espetáculo de Inês Campos, e “Danza Ricercata”, de Tânia Carvalho, pisam o mesmo palco que “Nem a Própria Ruína”, de Francisco Pinho, João Dinis Pinho e Dinis Santos. Além das artes performativas, vão ser mostradas na mesma sala uma série de curtas-metragens que ainda não foram anunciadas, em parceria com o Curtas em Flagrante, e outra de debates e conversas, à responsabilidade do projeto jornalístico Fumaça.

A música portuguesa e os entraves à continuidade dos projetos
Por esta altura, são cada vez mais os novos projetos que compõem o panorama dos festivais de música portugueses, mas também muitos outros que terminam por falta de apoios e de estrutura. No entender de Luís Ferreira, o pior que pode acontecer a um projeto semelhante “é ele definhar” e não “sair da dimensão da carolice”, ficando limitado à premissa da fidelização das pessoas e à “associação aos seus líderes”.

Para o diretor artístico do Bons Sons, os festivais devem autonomizar-se e mostrar às pessoas que é preciso conferir um valor monetário aos projetos. “Se os cidadãos rejeitam o seu lugar de financiadores, estamos a condenar muitos destes projetos”, afirma, realçando ainda que não se deve manter uma ideia penalizadora face ao término. “Todos os projetos podem acabar amanhã e é corajoso assumir o seu fim”, sustenta.

Numa outra perspetiva, Luís Ferreira considera que atualmente a música portuguesa já demonstrou a sua qualidade, estando por isso mais presente nos diferentes festivais. A título de exemplo, o responsável fala dos Da Weasel, dos Ornatos Violeta, mas também dos Buraka Som Sistema, como projetos musicais que nas últimas décadas “aproximaram e reconciliaram” diferentes gerações – em especial a dele – com a música nacional.

Não obstante, refere que o “desenho do país é pontual e concentrado”, faltando uma maior circulação dos artistas portugueses pelo território. “Falta criar mais espaços informais onde a cultura esteja conciliada com o lugar e com a paisagem humanizada. Tem de se voltar a esta lógica e ter a marca da música nacional para que as pessoas percebam o que é que se passa aqui”, salienta, realçando também o papel das periferias como locais de liberdade.“A margem tem esta vantagem da liberdade, ao passo que os centros servem para legitimar e não para criar”, explica.

“O festival foi-se transformando mantendo sempre o seu dogma que é feito de cultura portuguesa” © Joana Linda

Descentralização ou revolução cultural?
Um dos fatores que distingue o festival Bons Sons é que este é pensado e produzido pela própria comunidade local de Cem Soldos. Essa dimensão permite que o festival exista sem a interferência de promotores externos a essa realidade.

Assim, mais do que se falar apenas de descentralização cultural – que supõe a ideia de se levar a cultura às pessoas –, Luís Ferreira prefere destacar uma ideia de revolução cultural (que vai buscar em referência a Zeca Afonso), em que as pessoas se dirigem aos diferentes locais, para conhecerem e absorverem o que é feito localmente. “O Bons Sons tem esse trunfo e sustentabilidade porque é feito pelas pessoas de lá. O que tem que acontecer é que as pessoas dos diferentes sítios criem os seus próprios projetos”, para além da criação de “parcerias e redes culturais”, defende.

“Falta a noção de se criar outros centros, que permite uma maior equidade no território, feita a partir de dentro e não a lógica de se criar roteiros para escoar produtos feitos nos grandes centros urbanos”, acrescenta.

No apoio à internacionalização da música portuguesa
Nos próximos anos, o festival Bons Sons quer aumentar a sua política de sustentabilidade, através de três vetores fundamentais: o social, tendo em conta o papel do festival na criação de novas dinâmicas na região; o fator económico, sustentado por um conjunto de apoios, “para que não haja a pressão constante de pagar o festival”; e o vetor ecológico, para que o festival diminua a sua pegada ambiental.

Além destes objetivos, Luís Ferreira destaca ainda a necessidade de prosseguir no “apoio à internacionalização da música portuguesa, ao chamar programadores e jornalistas internacionais a Cem Soldos para que possam ver a música no seu habitat natural e, desta forma, aumentar um pensamento sobre a aldeia contemporânea, de forma a contribuir para a povoar”, termina.

Texto de Ricardo Ramos Gonçalves
Fotografia de Diogo Costa

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