O Pedro Antas tem, desde a primeira Revista Gerador, mostrado porque é que cultura e ciência andam de mãos dadas. A explicação científica salta hoje da revista gerador para o nosso site para sabermos, afinal, o que é que são as mãos? ;-)
Por Pedro Antas, Doutorando no The Francis Crick Institute, Londres
Não são só os italianos que falam com as mãos. Não são só os portugueses que preferem beijinhos na cara a apertos de mão. Mas o que são as mãos? Qual é coisa qual é ela que percebe disto e vive em Inglatela? P.s.: era para rimar e deitar-lhes a língua de fora que bem merecem! ;-)
Se vamos pôr as mãos à obra, talvez faça sentido sabermos um pouco mais que tipo de ferramenta temos para o trabalho. O que constitui as mãos? Qual foi a transformação anatómica que lhes deu a forma que conhecemos? O que dizem elas sobre nós?
As mãos e os seus 54 ossos (27 em cada uma) são o nosso primeiro meio de contacto com o ambiente que nos rodeia e, tal como muitos dos outros órgãos pares, são controladas pelo hemisfério cerebral oposto, ou seja, a mão esquerda é controlada pelo hemisfério direito e a mão direita pelo hemisfério esquerdo. São a estrutura terminal dos nossos membros superiores e, surpreenda-se, pouco diferem da arquitectura óssea básica de muitos outros animais. Por exemplo, praticamente todos os mamíferos, répteis e aves respeitam a típica sequência: 1 osso (úmero) − 2 ossos (rádio e ulna) − vários ósseos (ossos cárpicos e metacarpo) − dedos (falanges). Esta semelhança é compreensível do ponto de vista da biologia evolutiva assumindo um ancestral comum como ponto de partida. Mas percebo que o leitor veja com mais facilidade as semelhanças com os primatas, e em particular com os chimpanzés e, por isso, é nessa comparação que me vou focar.
A grande diferença entre nós e os chimpanzés é a destreza. Confiaria o bisturi a um chimpanzé durante uma cirurgia? Apesar das semelhanças na estrutura base das mãos, parece-me evidente que não imaginamos este hominídeo a manusear um bisturi com a mesma minudência de um cirurgião. As mãos do Homem são uma das estruturas com maior quantidade de nervos do corpo, o que lhes confere características únicas. Há dois factores que explicam esta evolução: a transição das árvores para a locomoção no solo e a utilização de ferramentas para caçar. Devo dizer que há evidências recentes que desafiam este argumento evolutivo, mas vamos dar tempo à comunidade científica para aprofundar estas novas ideias. A verdade é que a nossa transição para bipedalismo conduziu a alterações morfológicas e o facto dos braços já não serem necessários para a locomoção permitiu a realização de novas tarefas, como manusear objectos ou lutar de punho fechado contra os adversários. Esta pressão evolutiva originou uma concentração cada vez maior de nervos e músculos de precisão nas palmas das mãos e nos dedos e daí a nossa habilidade única. Estou certo de que ninguém descasca uma banana como os chimpanzés, mas ninguém será tão ágil a comer gomos de laranja, um a um, como nós.
Mas não só de biologia é feita a vida quotidiana. A posição dianteira que as nossas mãos assumem no corpo contribui certamente para a importância que adquiriram em termos sociais. São, por exemplo, a primeira parte do corpo em que pensamos quando falamos em tacto e também servem, muitas vezes, como elemento de estereótipo na caracterização de percursos profissionais ou na atribuição de uma classe social. A psicologia tem também dado relevância a esta estrutura anatómica. Por exemplo, a forma como cumprimentamos alguém pela primeira vez, apertando a mão, pode determinar o resto da relação entre essas duas pessoas. Ou, ainda, a mensagem que pretendemos comunicar pode ser percebida de forma diferente mediante a forma como colocamos as mãos. Aparentemente, palmas voltadas para cima indicam uma personalidade mais submissa, para baixo demonstram poder, e o uso do dedo indicador poderá ser revelador de uma personalidade autoritária.
As mãos são objecto de estudo na biologia evolutiva, surpreendentes do ponto de vista da anatomia e da fisiologia, estigmatizadas ao longo da vida e possivelmente muito mais. Mas e o leitor? Que posição assumem as suas mãos quando está a comunicar? Pense nisso antes da sua próxima argumentação.