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“Falas de Civilização, e de não Dever Ser”

No outro dia, ouvi alguém na televisão a dizer, quando questionada acerca da possível maioria…

Opinião de Maria Castello Branco

Fotografia da cortesia de Maria Castello Branco

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No outro dia, ouvi alguém na televisão a dizer, quando questionada acerca da possível maioria absoluta do PS, que, normalmente, “quem a pede não a tem”. Achei graça, mas pus-me a pensar em 1987 (longe estava eu de nascer – é uma força de expressão), quando Cavaco Silva arrepiava o PSD. O PRD tinha retirado o seu apoio tácito ao governo minoritário de Cavaco, e o então Presidente Mário Soares via-se forçado a dissolver o Parlamento e convocar eleições antecipadas, apenas 2 anos depois de Cavaco ter conseguido segurar uma solução governativa. Cavaco não perde tempo a pedir a maioria absoluta aos portugueses. O PSD tremeu – nenhum partido havia conseguido a maioria sozinho até então. O resultado?

O PRD, que afinal de contas tinha provocado (ou pelo menos pressionado o gatilho) a crise política, foi fortemente penalizado pelos eleitores. Caíam do terraço de um grupo parlamentar de 45 deputados para serem agora um partido táxi-familiar, com 7 representantes. A população portuguesa respondeu ao apelo de Cavaco, temendo a instabilidade política: o PSD, contra as previsões que a História poderia dar, consegue a primeira maioria absoluta da nossa Democracia. Soa familiar?

Tendemos, em Portugal, a ter alguns momentos Hobbesianos destes, em que as pessoas sinalizam a vontade de um governo estável quando supõem uma espécie de anarquia volúvel à vista. Mas isto explica somente parte dos resultados deste domingo, sobre os quais já correu, aliás, muita tinta. O que mais me surpreendeu, apesar de o Bloco ter, à-la-PRD, provocado a queda do Governo, e por isso se esperar um resultado à-la-PRD, é que agora havia um novo dado, e o Bloco sabia-o. Nas 2 semanas de campanha que precedem o dia fatídico, o Bloco, que – há que ser honesta – estava sufocado pelo apelo ao voto útil dos socialistas, começou a atacar o partido que estreou a concorrência no voto jovem. Mas não conseguiu. A Iniciativa Liberal elegeu 8 deputados enquanto o Bloco caía a pico de 19 para 5.

Dizia-se há uma semana que os jovens poderiam determinar estas eleições. Mas os dois grandes partidos da democracia portuguesa continuam a ignorar os jovens, que viam, até ao aparecimento da Iniciativa Liberal, o seu abrigo no BE. Mas o BE já tem a minha idade: por outras palavras, já está a ficar velho (ainda sou da geração dos tamagochis). Às vezes ponho-me em conversas com o meu irmão mais novo, que tem 16 anos, e fico a sentir que tenho 60 e não sabia. Os tempos mudam e, hoje, a transformação dá-se cada vez mais depressa. E é preciso ouvir o que esta geração, “a mais qualificada de sempre”, verdadeiramente quer. Os resultados desastrosos do Bloco devem sinalizar ao partido que é preciso adaptarmo-nos às novas gerações, tal como a minha clara iliteracia quando o meu irmão fala de pontuações no Snapchat ou me envia “smh” me indica que está na hora de fazer um googlanço.

Num tom mais sério, a minha geração precisa que Portugal não lhe falhe. Precisa de não ser obrigada a ficar em casa dos pais depois do ensino superior por não ter dinheiro para a independência (3 em cada 4 jovens ganha menos de 950€). A minha geração é herdeira da euforia de fim de século, marcada pelo grito de Fukuyama de que havíamos chegado ao fim da História: os valores liberais ocidentais (este termo urge reflexão) haviam ganho, apenas para confirmarmos que, afinal, a História avançaria como de costume. A minha geração é herdeira da decadência do pluralismo que iniciava os seus passos contra o monismo de valores declarado pelos movimentos racionalistas (lá incluídos os socialistas). Neste momento, o pluralismo dá lugar a uma warfare ideológica, em que, se o estigma é a cavalaria pesada, a impaciência pelo “pensa como eu” é a comandante. O problema é que, como Caeiro dizia, “Se as cousas fossem como tu queres, seriam como tu queres”.

Há vários lados desta guerra: uns atacam, compreensivelmente, a “normalização” de ideias perigosas para a nossa democracia. Excluem certas ideias de um acesso ao debate, numa tentativa de parar a tal “normalização”. Esquecem-se, no entanto, que a normalização já aconteceu, pelas mãos de populistas e de eleitores ocidentais, e que não a conseguimos parar pela condescendência e recusa, antes pela práctica democrática que muitas vezes estes populistas tendem a contundir. É comum hoje ouvirmos “não tenho de te educar”, mas o problema é que, quando entram na esfera da superioridade moral, esquecem-se, ironicamente, que a hierarquia implica sempre exclusão. O BE, na sua esfera de construída superioridade, tem rejeitado e excluído muitos jovens que, embora preocupados com causas sociais, têm também os olhos postos no seu futuro, e não vêem respostas.

Outros pedem o regresso a valores do passado, mas, como John Gray tem identificado – e bem –, esquecem-se que esse modelo assentava nas fundações morais de um monoteísmo cristão e na contingência histórica de uma hegemonia (imperial) global. O consenso moral, hoje, já não existe. Esse apelo a um passado não tem, como verificámos no domingo, lugar na nossa sociedade: especialmente entre os jovens (excepto entre aqueles que continuam a erguer o polegar em gritos de “jota-pê, jota-pê”).

O que demonstrou apelar aos jovens é o escape a esses mundos platónicos das ideias. Com o BE em solilóquio, os jovens começaram a ver que, afinal, a União Europeia não é assim tão má; que, afinal, a única maneira de conseguirem ganhar mais do que 950€ mensais não é a aumentar artificialmente o salário mínimo, é a incentivar o crescimento económico. Estão cansados de trabalhar para que lhes levem metade do rendimento em impostos. Estão cansados que as empresas não lhes consigam aumentar o salário porque “não compensa”. E começam a ver que, afinal, os países que se apresentam como opções de emigração, quando são expulsos ao pontapé do seu, implementam políticas muito semelhantes às que a Iniciativa Liberal, que faz concorrência ao BE na nossa faixa etária, propõe. O contraste é evidente quando, em debate com Mesquita Nunes esta semana, Mortágua disse que o Adolfo nunca a veria a propor modelos de país nenhum. Temo ser porque a sua utopia não passa disso. Os resultados são, por isso, evidentes.

Deixo-vos, como comecei, com um poema, porque a poesia fala sempre mais alto do que mil palavras:

Falas de civilização, e de não dever ser,
Ou de não dever ser assim.
Dizes que todos sofrem, ou a maioria de todos,
Com as cousas humanas postas desta maneira.
Dizes que se fossem diferentes, sofreriam menos.
Dizes que se fossem como tu queres, seria melhor.
Escuto sem te ouvir.
Para que te quereria eu ouvir?
Ouvindo-te nada ficaria sabendo.
Se as cousas fossem diferentes, seriam diferentes: eis tudo.
Se as cousas fossem como tu queres, seriam só como tu queres.
Ai de ti e de todos que levam a vida
A querer inventar a máquina de fazer felicidade!

Alberto Caeiro, “Poemas Inconjuntos”, in Poemas de Alberto Caeiro

- Sobre a Maria Castello Branco -

Está a fazer um mestrado em Londres, na London School of Economics and Political Science, onde se foca em teoria política, nas críticas ao pensamento racionalista e no pós-liberalismo. Estudou Ciência Política e Relações Internacionais no Instituto de Estudos Políticos da UCP. Fez parte da Comissão Executiva da Iniciativa Liberal. Feminista. 

Texto de Maria Castello Branco
Fotografia da cortesia de Maria Castello Branco
A opinião expressa pelos cronistas é apenas da sua própria responsabilidade.

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