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Há uma empresa portuguesa a criar pelo e lã em laboratório para acabar com crueldade animal na moda

Há uma empresa criada no Porto que pretende acabar com a crueldade animal na indústria da moda através da criação de lã, pelo e até cabelo em laboratório. Pedro Costa, fundador da Biofabics, explica que esta tecnologia poderá tornar o setor têxtil mais sustentável em termos ambientais.

Texto de Isabel Patrício

Fotografia cortesia de Biofabics

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E se a lã da sua próxima camisola favorita não vier de um animal, mas de um laboratório. A empresa portuguesa Biofabics está a desenvolver tecnologia para tornar isso possível, com vista a que a indústria da moda seja menos cruel para com os animais e, simultaneamente, mais amiga do ambiente. O fundador, Pedro Costa, conta que dedicou toda a sua carreira à produção de tecidos humanos e animais em laboratório para fins médicos até que, em 2017, deu o salto e criou a sua própria empresa, aplicando o que aprendera no desenvolvimento de alternativas aos têxteis de hoje.

Oriundo de Vizela, em Braga, o cientista estava a trabalhar na Holanda, mas escolheu regressar a Portugal para criar a empresa. Esse processo, confessa, tem tido alguns obstáculos. Por exemplo, apesar da vontade de estimular a economia local, não conseguiu abrir a Biofabics em Vizela, uma vez que faltavam infraestruturas para isso.

Em entrevista ao Gerador, Pedro Costa explica de que modo a empresa tenta revolucionar a indústria da moda através da produção de lã e pelo em laboratório, e adianta como poderá esta solução ajudar o setor a ser mais amigo do ambiente. Será possível, exemplifica o cientista, criar em laboratório apenas a matéria-prima necessária para uma determinada peça de vestuário, evitando o desperdício.

Quando e porquê decidiu criar a Biofabics?

A Biofabics surgiu em 2017. Após uma longa carreira académica, dei o salto e resolvi concretizar um sonho que me acompanhava desde a infância: o de criar a minha própria empresa. Deixei o meu trabalho de cientista e coordenador de um mestrado na Holanda, regressei a Portugal e criei a empresa Biofabics. Continuo a desenvolver uma carreira científica, mas faço-o a partir da minha própria empresa, e não a partir de uma típica universidade ou instituto de investigação académico.

E como decorreu o processo de criação desta nova empresa?

Criei a Biofabics de um modo completamente independente, e não como uma típica spin-off universitária [empresa criada no seio de uma universidade]. Isto porque, após efetuar vários contactos, percebi que, nas instituições académicas portuguesas, era (e ainda é) bastante complicado, e muitas vezes até desencorajado, ter uma carreira académica e empresarial em simultâneo. Olhando para trás, a criação da Biofabics acabou por ser a melhor decisão que poderia ter tomado para a minha carreira, já que, além de ter conseguido atingir um grande nível de independência, continuo a ter uma ligação ao meio académico, através das nossas colaborações com instituições académicas internacionais de topo.

A Biofabics está a produzir folículos capilares em laboratório, que poderão substituir, por exemplo, a lã, tornando a moda animal free. É uma tecnologia que já existia aplicada a outro fim e que agora estão a reinventar ou é algo inteiramente novo?

A produção de tecidos humanos e animais em laboratório é algo comum há bastante tempo. É uma área científica que tem sido aplicada para fins médicos, maioritariamente na reparação e regeneração de tecidos humanos danificados. Afortunadamente, toda a minha carreira científica se centrou nesta área. Nos últimos anos, têm surgido novas ideias de utilização desta área do conhecimento em aplicações alternativas, não médicas. A aplicação alternativa que tem tido mais êxito até ao momento é a da produção de carne em laboratório, a qual já está a dar os primeiros passos comercialmente. Por sua vez, a produção de pelo, lã e cabelo em laboratório é apenas mais uma de muitas aplicações alternativas da engenharia de tecidos.

Fotografia cortesia de Biofabics

De forma simples, como decorre este processo?

Neste caso, “simplesmente” limitamo-nos a cultivar uns tipos específicos de células da pele que são capazes de produzir pelos. Essas células são, depois, cultivadas em grandes reatores, de modo a se multiplicarem e, de seguida, são colocadas numa malha de suporte, de modo a gerarem uma estrutura indistinguível de qualquer tela de pelo natural.

Como diz, a tecnologia já existia. Mas porque é que decidiram aplicar esta criação de folículos capilares à moda, através da criação de tecidos alternativos?

A maior parte da atividade da Biofabics tem estado focada, desde o seu início, no desenvolvimento de soluções que permitam reduzir direta ou indiretamente a experimentação animal. Além do projeto Furoid [vertente da Biofabics especificamente dedicada ao desenvolvimento de alternativas têxteis], temos vários outros projetos de investigação biomédica focados no desenvolvimento de microdispositivos in vitro, em que pequenas amostras de células e tecidos humanos podem ser cultivados em laboratório. Deste modo, torna-se possível estudar vários tecidos e órgãos humanos (e suas doenças associadas) sem que se recorra à experimentação em animais.

A moda é uma das maiores indústrias do mundo. Os tecidos criados em laboratório podem ter escala suficiente para efetivamente terem o impacto desejado?

O objetivo do projeto Furoid é exatamente tentar otimizar a produção destes tecidos e demonstrar que isso é possível. Deste modo, será possível que, no futuro, esta tecnologia se democratize e permita uma produção em grande escala em todo o mundo. Um bom exemplo que deveremos seguir é a produção de carne cultivada em laboratório, que é já produzida em grande escala, de um modo relativamente semelhante, e que já se está a popularizar na indústria alimentar.

Além da questão da crueldade animal, de que modo os vossos folículos podem fazer da moda mais sustentável, em termos ambientais?

O método que propomos pretende industrializar completamente o processo de criação de peças de pelo e, por isso, será possível otimizar e ter um maior controlo sobre a produção e o seu custo. No método tradicional, é necessário alimentar e cuidar todo um animal inteiro durante bastante tempo até que atinja um tamanho suficiente para que, depois, lhe seja removida a pele ou pelo. Em contrapartida, no processo industrial que temos em mente serão gastos apenas os recursos estritamente necessários para cultivar uma pequeníssima parte – a pele – do que seria o equivalente a um animal. Além disso, e dado que as peças produzidas por um processo industrial podem ser produzidas já à partida com formatos predefinidos, também será possível eliminar completamente qualquer desperdício de matéria-prima e de espaço de armazenamento. Até mesmo o próprio transporte destas matérias-primas poderá ser mais eficiente, já que todo o processo produtivo poderá ter lugar em qualquer lugar do mundo e também mais próximo do consumidor final. Tendo em conta que o setor têxtil e da moda é uma das indústrias que mais poluem o planeta, creio que esta simples otimização de recursos poderá reduzir drasticamente a sua pegada ecológica.

Recentemente receberam financiamento da Comissão Europeia. Qual a importância dessa distinção?

Este financiamento resultante do projeto Furoid é muito importante, pois irá permitir desenvolver uma nova tecnologia que poderá ter um grande impacto na indústria da moda e do têxtil e, consequentemente, também na preservação da vida animal e dos recursos naturais. Além disso, também poderá ter um impacto significativo na indústria relacionada com a cirurgia estética, em particular na área da implantação capilar. Além do financiamento de 700 mil euros alocados exclusivamente à Biofabics, estaremos a coordenar cientificamente e financeiramente um projeto de investigação e desenvolvimento europeu, composto por três parceiros industriais, no valor total de quatro milhões de euros e que poderá ter um grande impacto no desenvolvimento da economia europeia.

Para que servirá o financiamento cedido por Bruxelas?

O financiamento do projeto Furoid será aplicado na implementação de toda uma nova metodologia de produção de materiais com base em folículos capilares. Isto comporta tudo, desde a recolha e preservação de pequenas biópsias de pele com folículos capilares, até à sua otimização para expansão. Esta metodologia também envolverá um grande esforço de desenvolvimento de tecnologia de automação da cultura de grandes quantidades de células e da deposição organizada destas mesmas células em telas.

Como é que tem sido criar esta empresa em Portugal em particular? Sentem que o enquadramento é suficientemente favorável ou ainda há muitos entraves?

Criar uma empresa em Portugal tem sido uma grande aventura. Logo no início, tivemos a dificuldade de encontrar o local adequado para estabelecer e desenvolver a Biofabics. Dado que sou vizelense, fiz questão de que a minha empresa tivesse origem em Vizela, pretendendo assim também contribuir para o desenvolvimento local. No entanto, rapidamente percebi que Vizela não reunia as condições e infraestruturas mínimas necessárias – nem a vontade política de as criar – para acolher empresas avançadas de base tecnológica. Admito que fui demasiado ingénuo, nesse aspeto. Felizmente, também nos foi rapidamente oferecida a possibilidade de nos mudarmos para o Porto, para nos instalarmos na UPTEC [Parque de Ciência e Tecnologia da Universidade do Porto], bem no centro do campus da Universidade do Porto. Aí tivemos a possibilidade de nos integrarmos num forte ecossistema de promoção de inovação e empreendedorismo, e onde pudemos crescer continuamente junto a muitas empresas e institutos de investigação de excelência internacional.

À parte desse entrave inicial, quais têm sido os principais obstáculos que a Biofabics tem enfrentado no seu percurso?

Um entrave que é bastante comum nas empresas de base tecnológica e instituições académicas de investigação em Portugal é a dificuldade em captar e reter recursos humanos altamente qualificados. Dado que no estrangeiro é mais fácil encontrar condições favoráveis ao desenvolvimento de carreiras profissionais, muitos recursos humanos de excelência têm optado por emigrar. A normalização do trabalho remoto como consequência da pandemia da covid-19 também facilitou a contratação destes recursos humanos portugueses por instituições estrangeiras. Felizmente, na Biofabics temos tido bastante sorte nesse aspeto. Apesar de estarmos em Portugal, temos conseguido cativar o interesse de excelentes profissionais, inclusivamente estrangeiros, que se identificam muito com o trabalho que desenvolvemos.

Como é que vê o futuro da moda e do têxtil?

A moda e o têxtil terão sempre um papel importante na sociedade. Afinal, todos precisamos de roupa para vestir. No entanto, tem-se notado uma crescente evolução nos materiais e tecnologias utilizadas neste setor de atividade. Ao mesmo tempo, todo o processo produtivo está também a tornar-se mais eficiente, menos poluente e altamente automatizado. Aquele modelo de negócio clássico do têxtil que outrora floresceu em Portugal, fornecendo produto barato à custa de muita mão de obra barata e pouco qualificada, tem os seus dias contados já há muito tempo. Infelizmente, muitas empresas portuguesas não tiveram a capacidade de se adaptarem e, por isso, estão agora em grandes dificuldades e a fechar. Juntando a isto uma falta de visão política generalizada, a indústria têxtil portuguesa, que outrora era um importante motor da economia nacional, tem vindo a definhar, deixando infelizmente muitos funcionários no desemprego e sem perspetivas de futuro para si e para as suas famílias.

Em contraste, onde é que vê a Biofabics no prazo de cinco anos?

A Biofabics está a entrar num período de rápida expansão para novas áreas de investigação e negócio. Dentro da área biomédica, que continua a ser o nosso principal foco de ação, estamos a aumentar cada vez mais o leque de aplicações dos dispositivos e tecnologias que desenvolvemos. Dentro de cinco anos, esperamos ter conseguido fazer chegar a nossa tecnologia e know-how ao estudo de uma variedade ainda maior de tecidos, órgãos e doenças humanas. Em paralelo, também estou bastante entusiasmado com a exploração de aplicações alternativas (não médicas) para a nossa tecnologia. Estamos a começar a aplicar o nosso know-how em variadíssimas áreas tais como o têxtil e até mesmo na alimentação. Espero que dentro de cinco anos estejamos também já bem consolidados nestas (e outras) áreas ditas alternativas.

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