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Nesta casa não se canta o fado, mas constrói-se a música

Guitarras, violas e cavaquinhos multiplicam-se pela oficina de um dos mais velhos artesãos de cordofones…

Texto de Andreia Monteiro

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Guitarras, violas e cavaquinhos multiplicam-se pela oficina de um dos mais velhos artesãos de cordofones do país. Entre os muitos instrumentos pousados no chão, arranja-se sempre espaço para mais um, seja de que tamanho for. Aos 11 anos, conheceu uma arte que não o fascinou, mas, décadas depois, é o único trabalho de que gosta. Com tantos e tão diferentes instrumentos musicais, hoje canta-se a história de vida do Sr. Domingos Machado.

Foi Alfredo Machado que abriu a oficina no início da tarde. “O meu pai está só a acabar uns reparos nuns violinos e já volta para abrir o museu.” Numa das freguesias mais afastadas do centro de Braga, existe um museu particular com quase 25 anos – O Museu de Cordofones. Vários cordofones, de diferentes séculos e partes do mundo, figuram em estantes para os amantes da música. Na oficina, constroem-se e reparam-se outros modelos.

Numa das paredes, seguram-se as diferentes ferramentas e em todas as outras são as guitarras que ocupam o espaço. A maior parte delas estão cobertas por pó ou parcialmente danificadas. No balcão de trabalho, Alfredo Machado continua preso a um cavaquinho. “O tempo de fabrico é diferente porque depende do tipo de instrumento e outras pequenas coisas”, diz, enquanto cola a madeira. O artesanato não é uma ciência exata.

A oficina localiza-se atrás do museu. Domingos Machado não demora a aparecer com as chaves na mão. Abrir o museu passou a ser rotina e, olhando para trás, não se vê a fazer outra coisa. Mas nem sempre foi assim. “Comecei a trabalhar aos 11 anos na oficina do meu pai, mas, passados dois anos, senti-me um pouco revoltado. O meu pai vendia na feira e, no verão, trabalhávamos todo o dia. Os meus amigos também trabalhavam, mas era na construção civil, então eu via-os a jogar à bola à tardinha e também queria.”

Pouco tempo depois, abandonou o ofício dos cordofones. Passou pela eletricidade e pela litografia, mas a falta de dinheiro e alguns desentendimentos no trabalho fizeram o artesão voltar para as violas. Desde então, não abandonou essa arte. “Depois, cumpri o serviço militar, casei-me e estabeleci-me.” Já lá vão 72 anos.

Pelo museu, Domingos Machado fala na história das guitarras que exibe. São instrumentos “de famílias e países diferentes”. Uma estante está reservada às ofertas que viajaram desde a Rússia, África e Polinésia. São dezenas de cordofones que se diferenciam pelo número de cordas, perfurações, tipos de madeira ou modo de afinação. Ainda assim, o Sr. Domingos conhece-los a todos. Com décadas de experiência, já não é difícil avaliar e reconhecer um instrumento de cordas. Muitas dessas aprendizagens foram ensinamentos do seu pai. “Noutro dia, apareceu uma guitarra de 1812, sabia o ano pelo rótulo”, conta. Quando não há etiqueta que identifique, é preciso conhecer a história: “A música, há cerca de 200 anos, sofreu uma grande evolução e teve-se de emendar as escalas”, continua.

Domingos Machado conhece a história de todas as guitarras do museu

Ao longo dos anos, Domingos Machado foi guardando livros, revistas e jornais. No armário, possui todas as notícias e reportagens em que foi protagonista. Em cima da mesa central, descansam papéis e livros sobre arte, música e cultura. Muitos deles contam a história de Domingos Machado, sejam portugueses, brasileiros ou de outra nacionalidade qualquer. Nos tempos livres, gosta de folhear os livros de Amália Rodrigues, todos autografados, porque a fadista nutria grande estima pela sua arte e pelo próprio artista. Entre discos, recorda fotografias com grandes nomes da música portuguesa e internacional: crê que um dos seus cavaquinhos está na posse de Paul McCartney, ex-membro dos Beatles.

Depois de quase 25 anos a receber pessoas, o balanço é positivo. No livro de visitas, as dedicatórias são já em sete línguas diferentes, inclusive japonês. “Vêm cá muitos alemães e fazem muitas perguntas sobre os instrumentos.” Domingos Machado já tem o discurso da visita guiada decorado há anos. Além dos vários instrumentos, figuram também as 13 diferentes fases da construção do cavaquinho português.

Os cordofones da família Machado percorrem o mundo. “Recentemente recebi um telefonema de França, de um senhor que tem uma casa de instrumentos. Disse que tinha lá dez instrumentos e que os ia mandar para restaurar. Cinco já estão.” As encomendas chegam principalmente da Europa, já o reconhecimento pelo seu trabalho chega de todo o mundo. Apesar do êxito, o negócio não é a única motivação: “Eu restauro muitos instrumentos pelo valor estimativo. O instrumento tem sempre muita história por trás.”

Neste momento, a arte está garantida com o filho, mas nada é certo. A árvore genealógica de Domingos Machado vai aumentando, mas ainda nenhum neto seguiu o mesmo caminho. Para ele, é “difícil trazer jovens para esta arte”, mas orgulha-se dos métodos mais manuais do seu artesanato. Na oficina, usa apenas duas máquinas: uma de lixar e outra de furar, mas acredita que isso “faz um produto com mais qualidade e mais cuidado”.

Em relação ao futuro, sonha tornar o museu maior. A coleção de cordofones tem crescido e houve anos que o espaço cultural “recebeu por volta de cinco mil pessoas”. Nunca pensou em cobrar a entrada, principalmente porque são as escolas que mais o visitam. Ainda assim, o maior problema que aponta ao artesanato atual é a falta de apoios, nomeadamente no início da atividade, quando os investimentos são maiores do que os lucros.

Antes de fechar o museu ao final do dia, Domingos Machado diz que ambiciona acabar a coleção, mas também “só falta um ou outro instrumento”. Depois de 72 anos de trabalho, a receita para viver feliz continua a mesma. “Se não fosse artesão, já tinha morrido. O que me faz estar vivo é ter este convívio social que tenho no museu. Assim, eu sinto-me feliz”. Apaga as luzes e fecha a porta. Amanhã, o museu abrirá de novo. É assim há quase 25 anos.

Texto e fotografias de Gabriel Ribeiro

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