Do prefácio do livro “Humor” de Terry Eagleton, disponível no jornal Público, lê-se:
Teorizar sobre um determinado conceito e não procurar estudar os limites desse conceito, é não determinar nada, quando não se determina nada, é difícil defender alguma coisa.
É com o intuito de criar uma dessas teorias, possivelmente cheias de discrepâncias, que me arrisco a escrever este texto, com o medo e consciência de simplificar um conceito complicado, apresento como premissa que: os limites do humor são iguais aos limites da liberdade de expressão, porém, existem.
Comecemos pelo caso português, o mais simples, e mais especificamente o programa televisivo “Tabu” da SIC. O programa tem como objectivo desmistificar a ideia de que o humor negro é ofensivo e até mesmo violento, questionando:
A resposta é clara, não!, e elogio a audácia do autor do programa, na mensagem que ele quer transmitir, porque realmente tem sucesso. Apesar de tudo, parece-me que a questão interessante e aquela que deve ser colocada, verdadeiramente difícil ou impossível de responder, é: “Em que circunstâncias ou contextos a minha liberdade de expressão pode ultrapassar os limites?”.
É fácil, em Tabu, dizer que existem pessoas vulneráveis capazes de se rir das suas próprias fraquezas, mas é difícil aceitar que, por vezes, desconhecemos o nosso público e podemos gerar mais sofrimento do que alegria. O segredo, neste caso e em muitos passa pela empatia entre dois verbos antónimos, "conhecer" e "desconhecer".
Não é por acaso que Bruno Nogueira fica efectivamente uma semana com este grupo de pessoas numa casa, convive e partilha espaços pessoais com estes, é exatamente para esse efeito, para conhecer esses limites, e é esta a parte que é escondida do público. Não há mal nenhum nisso, contudo parece-me importante esta desconstrução do que se passa realmente.
Significa por isto, que para existir humor negro ou serem ultrapassados os limites do humor, é necessário um contacto próximo com o público alvo? Também não me parece a resposta correcta. Basta pegarmos no exemplo mais radical de Rui Sinel de Cordes… não vejo razões para limitar a sua capacidade humorística, pelo menos, e considero este senão bastante importante, se estivermos a falar dos seus espectáculos a solo, uma vez que os espectadores, conscientes da tipologia da comédia, decidem de livre vontade ir à mesma.
Então é a diferença entre um espectáculo a solo e um que não o é, que pode permitir transgredir estes limites? eu diria que é uma hipótese e vou dar o exemplo de um caso americano, na ignorância de não conhecer outros que facilitem a explicação do meu ponto. Serve de referência o recente caso dos Óscares, em que o actor Will Smith dá um estalo no apresentador do festival de cinema americano, Chris Rock, após o humorista fazer uma piada relacionada com a doença da mulher do actor, Jada Smith, que sofre de alopecia reata.
Analisemos esta piada, não aleatoriamente, em três critérios: intenção, probabilidade e iminência.
No que toca à intenção, perguntamo-nos, seria o objectivo da piada ofender? nunca o saberemos com cem por cento de certeza, embora seja altamente duvidoso por não existir, à partida, qualquer tipo de historial de piadas semelhantes com reações negativas da parte de Chris Rock, e tentando meter o nome excêntrico do festival de lado, acho que podemos concluir que, se algo semelhante já tivesse acontecido, o saberíamos. Cobrindo também o critério de probabilidade no parágrafo anterior resta-nos o da iminência, que apenas faria sentido se existisse algum tipo de precedente entre os dois actores, tal parece-me igualmente pouco credível.
Não obstante, é crucial fazermos a avaliação de que, a reação de Will Smith é desproporcional à anedota contada por Chris Rock, nada justifica a violência, mas mais uma vez, insistentemente, temos que questionar:
Onde está o limite afinal? Qual a diferença entre os espectáculos a solo, programas cómicos semelhantes ao Tabu, e o festival dos Óscares?
Pondo as cartas na mesa, a conclusão parece um pouco mais simples do que anunciada no prólogo. A diferença está que o festival de Óscares pura e simplesmente não é um espectáculo de comédia, não é uma paródia, embora contenha momentos de humor ocasionais, eles não são a razão principal nem do evento nem da presença dos espectadores. Por isso, os limites do humor estão, nesta pequena retrospectiva, apenas restringidos pelo o espaço e o contexto em que são apresentados: Know your audience.