Cresci e vivi, até há bem pouco tempo, numa freguesia dos subúrbios de Lisboa. E sempre o assumi com normalidade. A dada altura, apercebi-me de que não era suposto estar tudo bem com isso. Cacém, Barreiro, Mem-Martins, Odivelas, não são sítios onde se queira viver. Não é expetável que as pessoas que aí moram não ambicionem residir em Alvalade, Campo de Ourique ou nas Amoreiras. É suposto sentirmos algum embaraço, ao nos anunciarmos daqueles lugares, ou, no mínimo, evidenciarmos uma vontade de sair.
Confesso que, para mim, nunca me fez sentido ser mais feliz num sítio que não fosse aquele onde estavam os meus amigos, a minha família e, até ali, todas as minhas memórias. Mas isso não podia ser. Tinha de querer morar no centro, “perto de tudo” – o que quer que isso seja. A verdade é que o sítio onde morava e o local de que, muitas vezes, as pessoas falavam também pareciam ser duas realidades diferentes.
Da periferia ao centro, do centro à periferia, juntei-me aos milhares de pessoas que faziam estas viagens todos os dias – primeiro, quando andava na faculdade, depois, para trabalhar. E há, efetivamente, uma distância física que afasta estes dois mundos, mas não só. Até porque o espaço que separa Benfica da Damaia resume-se a pouco mais do que uma democrática estação dos comboios suburbanos – quando os há –, ou de poucos metros de carro, para quem o tem.
De difícil definição para os geógrafos, o centro e a periferia parecem ser realidades muito claras, quando a elas nos referimos. Mas será que estas geografias mentais têm correspondência na realidade? Porquê e como se reproduzem? Que lugar de privilégio representa o centro? E o que é ser-se periférico? Estas foram algumas das questões para as quais procurei resposta num trabalho assinado por mim e pela Andreia Monteiro, na última edição da revista Gerador.
Procurámos desconstruir estes conceitos e perceber o que representam. Afinal, o que a disposição geográfica das pessoas, ou a sua proximidade ou afastamento ao “centro”, revela sobre as relações de poder, os preconceitos e as desigualdades sociais existentes na sociedade? Descubram aqui.
-Sobre Flávia Brito-
Portuguesa, afrodescendente, mulher e jornalista. Licenciou-se em Jornalismo na Escola Superior de Comunicação Social (ESCS). Encontrou no Gerador um lugar onde reabraçou o jornalismo, e por aqui anda empenhada em dar o seu contributo para uma sociedade mais esclarecida, justa e tolerante.