Projectado no final dos anos 40 e inaugurado a 2 de Outubro de 1954, o Cine-Teatro Avenida viu a sua actividade interrompida de forma dramática no Verão de 1986, fruto de um incêndio de dimensões elevadas, o que levou a um hiato forçado de 15 anos, até à sua reabertura em 2001.
No processo de reabilitação do edifício, manteve-se a fachada original, mas apostou-se na requalificação do espaço interior, de forma a permitir uma maior flexibilidade na sua oferta cultural. Ao longo dos anos, o Cine-Teatro foi gradualmente consolidando o seu papel na vida cultural de Castelo Branco, sendo exemplificativo de uma aposta forte na cultura por parte da autarquia. Assumindo a vontade em oferecer ao público um espectro alargado de propostas de diferentes áreas artísticas, o Cine-Teatro deu também prioridade a manter uma forte constância e regularidade de oferta ao longo do ano.
É precisamente Carlos Semedo, actual programador e assessor cultural do Cine-Teatro, que nos explica estas directrizes. Natural de Portalegre, Carlos tem uma ligação a Castelo Branco que vem desde há mais de 30 anos: chegou para estudar música no conservatório onde acabaria por ser também professor durante 17 anos, e esteve nas últimas décadas ligado a diversas iniciativas de ordem cultural na respectiva cidade. Desde a direcção artística do festival Primavera Musical, do qual muitos concertos eram realizados no Cine-Teatro; à colaboração de 5 anos com o Belgais Center for Arts da pianista Maria João Pires, que esteve durante o ano de 2004 responsável por toda a programação do concelho; várias foram as ocasiões em que colaborou com o Cine-Teatro de forma pontual, nos primeiros anos desde o seu renascimento.
Em 2009, recebe o convite do presidente da câmara para assumir a coordenação da agenda cultural, com forte ênfase a ser dada ao Cine-Teatro, funções que exerce até aos dias de hoje. “Na altura havia já uma oferta significativa por parte do Cine-Teatro, ligada em grande parte a bolsas de espectáculos por parte de entidades estatais como o Secretariado da Cultura, o Instituto Português das Artes do Espectáculo, e também por entidades privadas como o Conservatório e a Escola Superior de Artes Aplicadas. No entanto, era possível encontrar ainda alguns períodos alargados em que a oferta era significativamente mais baixa”, contextualiza, defendendo que essas flutuações de intensidade de oferta dificultavam a tarefa de cativar o público, num concelho com cerca de 50 mil habitantes.
Nesse sentido, procurou-se não limitar a oferta cultural aos fins-de-semana, apostando-se em momentos a decorrer ao longo da semana, da mesma forma que se apostou num equilíbrio entre diferentes eixos de programação. Em complemento, foi também criada a agenda Cultura Vibra, que celebra no próximo mês de Outubro o seu décimo aniversário. “Acreditávamos que uma agenda em formato tanto físico como digital, com um design cuidado, articulada com uma forte divulgação nas redes sociais, era essencial para tornar mais acessível ao público a informação relativa aos nossos eventos”, explica o director.
Público esse que, em potencial, não se poderia cingir aos habitantes do concelho, defende: “Se temos um espaço com 700 lugares, temos de pensar num espectro mais alargado para o nosso público-alvo, e pensar também nos habitantes dos concelhos próximos de Castelo Branco.” Nesse sentido, nos primeiros dois anos desde que Carlos assumiu a programação do Cine-Teatro, foi realizado um inquérito de forma a tentar perceber os gostos e interesses das pessoas, o que foi importante para estabelecer uma base de trabalho no início. “Outra parte do conhecimento,” assume o programador, “vem da experiência, da necessidade de testar o público com diferentes propostas, e de ver qual é a resposta por parte deste.” Desta forma, o crescimento do público foi significativo numa primeira fase, e atingiu ao fim de cerca de 6 anos uma estabilidade e regularidade importantes. “Hoje em dia já existe um hábito cultural no concelho. As pessoas já têm expectativa de que alguma coisa vai sempre acontecer aqui, e isso já é uma grande conquista para nós.”
No entanto, o próprio é o primeiro a alertar para os perigos de trabalhar apenas em função do público: “É extremamente importante que não deixemos de apresentar desafios às pessoas, de as fazer reflectir”, defende, explicando desta forma a necessidade de trazer projectos que interpelem as pessoas e que as surpreendam, de forma sistemática. Nesse sentido, a oferta, no que à música diz respeito, abrange artistas consagrados a nível nacional e internacional; concertos ligados à música de carácter mais erudito; artistas internacionais cuja música diverge daquilo que é a tradição europeia; jazz (cuja aposta, no que aos músicos nacionais diz respeito, esteve ligada à sua evolução expressiva no nosso país nos últimos anos, refere o programador); música clássica contemporânea, entre outros. “É importante estarmos atentos a novas tendências, e darmos espaço na nossa programação a projectos e artistas que não estejam em destaque nos mass media”, explica o programador, defendendo que essa é uma responsabilidade que projectos como o Cine-Teatro Avenida têm de assumir “não só porque esses projectos menos conhecidos precisam desse apoio, mas também porque é importante para o público alargar os seus horizontes. E que melhor maneira para isso acontecer do que pôr o público em contacto com projectos que sejam diferentes e desafiantes?”
Margarida Guerra, cantora formada em Jazz pela Universidade de Évora, também ela natural de Castelo Branco, é actualmente professora de voz no Curso Profissional de Instrumentista Jazz da Bemposta, em Portimão, estando prestes a iniciar o mestrado na Escola Superior de Música de Lisboa. Tendo estudado no Conservatório de Castelo Branco, Margarida acabou por actuar mais do que uma vez no Cine-Teatro, entre apresentações do coro ou da classe de canto, dos quais fazia parte. Dos concertos a que assistiu, tem na memória a actuação da cantora Maria Viana, num concerto cujo repertório estava necessariamente ligado aos standards, e que assumidamente a marcou, no início da sua ligação ao jazz. Destacando Castelo Branco enquanto cidade com uma aposta forte na cultura, a cantora põe ainda em destaque o Cine-Teatro como parte significativa da oferta cultural da cidade.
O contexto actual da actividade do Cine-Teatro, com um certo nível de regularidade e estabilidade alcançados, leva a que a porta possa estar aberta num futuro próximo a outro tipo de formatos, assume o programador. “Nunca apostámos assumidamente na realização de um festival, por exemplo, porque o nosso objectivo passava precisamente por ter uma oferta regular no Cine-Teatro”, revela, pelo que não deixa de considerar as vantagens que esse tipo de eventos isolados pode trazer: “É uma possibilidade que não descartamos, pois muitas das vezes estes acontecimentos possibilitam dar a conhecer, a quem os frequenta, a oferta regular que fazemos ao longo do ano.”
Nessa mesma oferta regular, as propostas que surgem na programação (desde Pedro Abrunhosa e Salvador Sobral, a artistas internacionais como Julian Lage e Pat Metheny) são por si só merecedoras de destaque e factor de atracção de público que, por vezes, vem de todos os pontos do país, não se podendo também ignorar que a fronteira com Espanha não está assim tão distante. “Temos pessoas a vir de Caminha, Viseu, Porto, Lisboa, Badajoz e Salamanca, entre muitos outros sítios”, refere. Para o programador, esse fenómeno não é no entanto exclusivo de Castelo Branco, e prende-se com a pequena dimensão do país. “Quando se diz que Castelo Branco está muito longe de uma capital como Lisboa está-se apenas a pensar na escala do nosso país, que é muito pequena, e isso na minha opinião é um erro,” explica, percebendo contudo os custos que essas viagens implicam, e a interferência que pode ter na agenda profissional de um trabalhador normal.
Ainda assim, e tendo em conta a regularidade e variedade da oferta cultural que o Cine-Teatro Avenida propõe, não faltam por certo razões para se prestar especial atenção à sua agenda cultural, e, caso se justifique, dar um salto à cidade de Castelo Branco para o visitar.
*Texto escrito ao abrigo do Antigo Acordo ortográfico.