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Palhetas Perdidas: Titanic Sur Mer

No ano de 2011, a actividade cultural levada a cabo no Maxime em Lisboa teve…

Texto de Redação

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No ano de 2011, a actividade cultural levada a cabo no Maxime em Lisboa teve um fim abrupto, sendo que o espaço na Praça da Alegria fechou portas, foi requalificado, e é hoje em dia um hotel de 4 estrelas. O Titanic Sur Mer, por sua vez, abriu as portas ao público em 2015, e tem dado uma nova vida à oferta cultural de Lisboa, levando na sua carga, além de um leque variado de concertos, a pesada herança do antigo cabaret, sendo que encontra agora uma nova configuração e um novo conjunto de desafios e obstáculos.

Quem nos explica é nada mais nada menos do que Manuel João Vieira, artista, eterno candidato à presidência da República, e também programador, função que já exercia no antigo Maxime, e à qual deu seguimento no Titanic. “Por razões legais não foi possível manter o primeiro nome para o novo espaço que era Maxime Sur Mer”, explica, evocando a questão ambiental das alterações climáticas para chegar ao nome actual: “Tendo em conta a subida do nível do mar que se vai verificar nos próximos anos, e tendo em conta a proximidade do espaço ao rio Tejo, achámos que Titanic Sur Mer seria um nome adequado, visto que daqui a uns 20 anos toda essa zona vai estar de baixo de água.” A não ser, claro, que sejam levadas a cabo as “obras faraónicas”, que “apenas o candidato Vieira poderá fazer”.

 

Mas os desafios deste novo espaço, naturalmente, não se esgotaram na escolha do nome: “Se antes os concertos aconteciam num antigo cabaret (mais ou menos chique), agora acontecem num armazém, que era um antigo mercado de peixe, de muito maiores dimensões.” Essa maior dimensão requer, segundo Manuel, outro tipo de atenção: “Um espaço maior implica mais pessoas a trabalhar no bar, mais seguranças e, portanto, mais custos”, explica. A programação, cujo objectivo passaria sempre por manter a regularidade diária que já existia no Maxime (esse foi, aliás, o compromisso estabelecido com a Câmara Municipal de Lisboa), foi portanto evoluindo de forma cautelosa, por essas mesmas razões, e pela necessidade do Titanic levar a cabo a sua actividade cultural de forma sustentável do ponto de vista financeiro.

 

Exemplo dessa mesma evolução, será para quem por lá passa, a Titanic Jazz Jam, organizada pelo guitarrista Nuno Ferreira. “Quando começámos, em 2016, utilizávamos apenas metade do bar e o registo era bastante informal”, explica Nuno. O guitarrista, que já tinha desempenhado esta função várias vezes ao longo da sua carreira, assume que os primeiros meses após o início da jam foram difíceis, mas refere que o crescimento até aos dias de hoje foi significativo, potenciado não só pela boa divulgação que esta teve na agenda cultural de Lisboa, mas também pela frequência assídua de vários músicos conhecidos da praça, que contribuíram para sua dinamização.

 

Hoje em dia, o próprio Manuel João Vieira destaca o fenómeno interessante e importante das jams de segunda-feira, no meio de uma programação semanal praticamente preenchida. Nuno, por sua vez, refere ainda a dinâmica de simbiose criada entre esta e a jam session do Bom, Mau e o Vilão (neste momento suspensa devido ao incêndio que assolou o espaço na rua do Alecrim), ambas realizadas à segunda-feira, embora com horários mais ou menos complementares. “De certa forma, estas duas jams dinamizaram uma noite onde não há assim tanto a acontecer”, explica.

 

Fruto do sucesso alcançado às segundas-feiras, e fruto também da confiança que Manuel João Vieira, com quem tem uma relação profissional e pessoal de mais de 20 anos, depositou em si, o guitarrista acabou por ganhar alguma margem para propor outro tipo de oferta de música para os outros dias da semana. Depois de um ciclo de concertos de jazz às terças-feiras que não teve o sucesso desejado, surgiu, há cerca de um ano, a Freetanic Jam, que vai actualmente para a sua 55.ª edição. “O formato foi, de certa forma, roubado a dois acontecimentos que eu aprecio bastante: um era o dos concertos que os They're Heading West faziam mensalmente na Casa Independente, nos quais convidavam artistas de quem gostavam para actuar com eles; e o outro a Jam Session do Anjos70, que acontece das 18 horas à meia-noite, às quartas-feiras, e na qual a liberdade de estilos é total.”

 

Dessa mistura surgiu a Freetanic Jam, às quintas-feiras, que inclui um set de abertura da banda residente com convidados (por lá, nestas noites, foi já possível ouvir Lena D’Água, JP Simões, Manuel João Vieira, o rapper Synik, entre muitos outros), e uma jam session quase antagónica ao formato da de segunda-feira. “A jam de jazz acaba por ser mais elitista. Há um maior sentimento de culpa por parte dos músicos quando falham uma nota, ou quando vão muito para fora da sua zona de conforto”, explica. “Na jam de quinta, é o extremo oposto. Chegamos a ter situações onde temos músicos de topo a tocar com pessoas que aprenderam a tocar o instrumento há pouquíssimo tempo e ainda estão noutra fase.” Neste contexto, o guitarrista aceita mesmo que uma mesma atitude (subida ao palco) possa ser vista ao mesmo tempo tanto como um descaramento ou como uma atitude inocente. “Por outro lado, muitos dos músicos de jazz vêm cá à quinta-feira precisamente por esse carácter mais descontraído, para de certa forma satisfazerem uma necessidade de exorcizar alguma coisa”, brinca.

 

No que toca ao resto da programação, ao longo da semana, actualmente apenas a terça-feira é de folga, numa agenda que tem como principais objectivos a qualidade e a heterogeneidade. “Não queremos ser associados a apenas um estilo de música”, refere Manuel João Vieira. Nesse sentido, a programação do Titanic inclui, além das duas jam sessions, uma roda de samba aos domingos, promovida pelo projecto Viva o Samba, concerto e aula de forró às quartas, e concertos de bandas nacionais ou internacionais em circulação às sextas e sábados. Essa mesma heterogeneidade permite, segundo o programador, alcançar um leque diversificado de públicos, indispensável para tornar sustentável um bar das dimensões do Titanic. “Se fôssemos um bar mais pequeno era possível fazer uma programação para um nicho específico”, explica, “mas neste espaço, com esta configuração, e a programar aos dias de semana, a dificuldade é maior.” Ao mesmo tempo, assume o reverso da medalha que é competir, enquanto casa que quer fazer “de tudo um pouco”, com outros espaços que se especializam em estilos específicos isoladamente. “Quando se faz só uma coisa, é-se melhor nessa mesma coisa”, defende.

 

Para já, defende o programador, o Titanic está longe de estar em velocidade de cruzeiro: “Há muita coisa para fazer, por um lado, a um nível mais básico de recursos logísticos como mesas e cadeiras, e de renovação do espaço, mas, por outro, a nível de divulgação e de apoios que podemos procurar para conseguir pagar cachets às bandas, e não ter de funcionar à base de bilheteira”, exemplifica. Manuel assume, nesse sentido, a vontade de atrair bandas do panorama nacional que estejam mais avançadas na sua vivência enquanto banda, e que precisem de cachet. “Anteriormente, nos tempos do Maxime era mais fácil conseguirmos que um certo tipo de bandas com mais nome viesse em regime de bilheteira. Hoje em dia, isso é mais difícil, e o processo passa precisamente por tentarmos descobrir bandas que achemos interessantes numa fase em que ainda as consigamos ter cá com as condições que conseguimos oferecer”, explica. “Precisamos de tornar o nosso projecto mais claro para as pessoas”, conclui, embora defenda que tal não é fácil, precisamente pelo carácter heterogéneo da sua programação, já anteriormente referido.

 

Nesse sentido, e da mesma forma que exige mais de si e do resto da equipa que colabora no Titanic, Manuel João Vieira defende que o trabalho feito até agora é bastante aceitável. Para quem escreve, assumindo desde já a forte ligação emocional ao espaço, o que já foi feito é bastante mais do que aceitável, sendo também opinião pessoal que, para se conseguir abranger toda a actividade que por lá acontece, as 3 páginas deste artigo estão longe de ser suficientes, valendo portanto a pena a visita ao espaço em qualquer um dos dias em que a casa esteja aberta à música e ao público.

 

* Texto escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico

Texto de João Espadinha
Fotografias da cortesia de Titanic Sur Mer

Se queres ler mais crónicas do Palhetas Perdidas, clica aqui.

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