O Festival de Cinema IndieLisboa, em conjunto com a Cinemateca Portuguesa, está a exibir uma mostra quase integral do corpo da obra de Sarah Maldoror, realizadora francesa, pioneira do cinema africano e militante anticolonialista. O ciclo decorre até à próxima quarta-feira, 8 de setembro, na sala M. Félix Ribeiro e na Esplanada da Cinemateca.
Conhecida sobretudo por um cinema de carácter militante de luta contra o colonialismo, Sarah Maldoror, que morreu em 2020, aos 89 anos de idade, foi autora de uma obra cinematográfica multifacetada, marcada por um discurso anticolonialista, pan-africano e feminista e "determinante para a afirmação de uma cultura negra, que, permanecendo em grande parte invisível, assume particular relevância no contexto português pela sua ligação ao nosso passado colonial", pode ler-se sobre o ciclo no website da Cinemateca."
"A Poesa da Imagem Resistente" dá nome à primeira retrospetiva sobre a cineasta em Portugal, que leva até ao grande ecrã o trabalho da realizadora compilado em 43 filmes (3 longas-metragens e 39 curtas-metragens) – alguns dados como perdidos – e um complemento de 5 filmes que contextualizam a obra da cineasta. A programação pode ser consultada aqui.
Filha de pai guadalupense e de mãe francesa, Sarah Ducados nasceu no Sul de França e adoptou o pseudónimo Maldoror em homenagem a Lautréamont, autor de Os Cantos de Maldoror. Antes de se dedicar ao cinema, cofundou, em 1956, Les Griots, a primeira companhia teatral parisiense composta unicamente por atores negros, e foi no círculo da revista Présence Africaine que conheceu Mário Pinto de Andrade, poeta angolano e fundador do MPLA, com quem casaria, e o escritor Aimé Césaire, que seria determinante na sua obra.
Incentivada por Chris Marker, com quem viria a colaborar mais tarde, estudou cinema em Moscovo e daí partiu para Argel onde foi assistente de realização de títulos fundamentais de um cinema anti-colonial, como Festival Panafrican d’Alger (1969), de William Klein.
Segundo Joana Ascensão, programadora da Cinemateca e responsável pela retrospetiva, Sarah Maldoror realizou na altura as suas primeiras e mais conhecidas ficções. "Denunciando abertamente a violência do sistema colonial português com uma sensibilidade invulgar, Monangambée (1969) e Sambizanga (1973) inscrevem-se nesta linhagem. Des Fusils pour Banta (1970), longa-metragem dada como perdida, e os documentários que realiza em Cabo Verde e na Guiné-Bissau depois das respectivas independências completam um ciclo."
A voz, escrita e figura de Aimé Césaire atravessam toda a obra de Maldoror, a par de outros poetas e políticos "determinantes para a afirmação da negritude, o movimento cultural, político e social que promovia uma cultura negra associada ao anti-colonialismo, ao marxismo e ao pan-africanismo, a que o cinema de Maldoror dá expressão". A artista colombiana Ana Mercedes Hoyos remata a extensa galeria de artistas das mais variadas áreas que a realizadora retratou ao longo de várias décadas, como René Depestre, Wifredo Lam, Miró ou Louis Aragon.
"Dos primeiros filmes, aos muitos retratos de artistas, ou às reportagens e ficções que realizou para a televisão, deparamos com uma grande coerência de temas e de formas, uma poética política que desfaz configurações culturais cristalizadas em prol de uma liberdade de inspiração surrealista, em que critica o racismo e interroga a história da escravatura e do colonialismo, o papel das mulheres, ou as possibilidades da arte. Um cinema praticado como meio de investigação poética, que se materializa numa obra de vocação transnacional e num contínuo trabalho de resistência cultural", pode ler-se.