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Cerca de 17 anos após ser implementado, o Plano Nacional de Leitura, desenhado para aumentar os índices de literacia da população, apresenta muitas incongruências, que não anulam o reconhecimento da sua importância por parte de especialistas. O catálogo de obras recomendadas reúne mais de oito milhares de livros, mas nunca foi alvo de revisão. A aprovação de títulos está delegada numa “comissão de especialistas” cujos processos de seleção levantam dúvidas. O impacto comercial do selo LER+ não está quantificado, embora haja casos de apropriação indevida, que não são considerados graves pela entidade responsável. Apesar de ser um programa abrangente, a sua visibilidade continua limitada às escolas, já que falta financiamento de outros ministérios.

 

O que é o Plano Nacional de Leitura?

O Plano Nacional de Leitura (PNL) é uma medida política que foi aprovada em Conselho de Ministros, em 2006. Surgiu após o relatório PISA (Programme for International Student Assessment) revelar, em 2001, uma fraca classificação ao nível da literacia de leitura: 52% dos estudantes portugueses apresentavam níveis de literacia iguais ou inferiores a 2 (numa escala de 0 a 5), percentagem superior à da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, a entidade responsável pelo PISA), que era de 40%. No relatório seguinte, lançado em 2003, não se verificou uma evolução positiva deste cenário.

Neste sentido, a ideia principal do PNL era promover ações para desenvolver competências de leitura e escrita, assim como fomentar o gosto pela leitura de uma forma mais abrangente. Estava previsto, no horizonte de uma década, o desenvolvimento de programas e atividades em meio escolar, a disponibilização online de orientações para a prática da leitura – como o catálogo de obras recomendadas -, a promoção de campanhas, o estabelecimento de parcerias com diferentes entidades, entre outras ações.

A primeira comissária nomeada para chefiar este programa foi a professora e escritora Maria Isabel Vilar, mais conhecida pelo nome de Isabel Alçada (que viria a ser ministra da Educação, em 2009). O mandato é de três anos, sendo renovável durante os dez anos de execução do plano. “O primeiro enfoque era a população escolar, mas sabendo que esta está inserida num contexto social mais vasto. [O PNL] tinha outras dimensões, para tentar que as famílias e as comunidades também fossem favoráveis a este esforço de fomentar a leitura e a escrita entre as crianças, de forma a que elas pudessem ir mais longe”, explica a co-autora da coleção de livros Uma Aventura.

Nos primeiros cinco anos de implementação – correspondentes à primeira fase -, o impacto do PNL foi considerado positivo, segundo um estudo divulgado em 2011 pelo Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE), que o avaliou. Apesar disso, era admitido que os objetivos não estavam a ser cumpridos em todas as áreas de ação.

Em 2017 – após findar a segunda fase de implementação do PNL – foi definida uma nova orientação estratégica, a desenvolver ao longo da década seguinte. Nesta altura, Teresa Calçada e Elsa Conde foram nomeadas comissária e subcomissária do PNL2027, respetivamente. Ambas pediram a demissão em 2022. A justificação apontada foi a conclusão da primeira fase e o cumprimento dos objetivos definidos para a mesma.

O Gerador tentou entrar em contacto com ambas as responsáveis para esclarecer os motivos da demissão. Teresa Calçada não quis pronunciar-se. Elsa Conde não deu resposta aos contactos estabelecidos. Após a dupla demissão, o PNL passou a ser liderado pela comissária Regina Duarte e pela subcomissária Andreia Brites.

No documento relativo ao PNL2027 são descritas diversas iniciativas – algumas delas já previamente existentes – como a promoção de concursos de leitura, a inclusão de períodos de leitura nos tempos letivos, a produção de estudos por centros de investigação para avaliar os resultados, o lançamento de candidaturas ligadas à Rede de Bibliotecas Escolares, a promoção de projetos de literacia em saúde, a articulação com entidades locais, municipais, só para dar alguns exemplos.

Todas estas atividades de promoção da leitura e alargamento dos públicos-alvo são periodicamente desenvolvidas em paralelo ao catálogo de obras recomendadas que, desde 2018, é atualizado semestralmente. Esta componente continua a ser uma das faces mais visíveis do PNL para o público em geral. “Quando se pergunta a alguém o que conhece do PNL, muita gente fala dos livros recomendados”, admite João Luís Lisboa, professor catedrático e diretor do CHAM – Centro de Humanidades da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, que coordenou o último estudo de avaliação do PNL2027.

Milhares de obras num catálogo que aguarda revisão

Desde que foi originalmente divulgado, em 2008, o catálogo do PNL tem vindo a crescer de ano para ano, já que as recomendações anteriores não foram revistas.

A ideia base da criação desta lista “nunca foi a de uma prescrição, nem de cânone, nem nada desse género””, segundo explica Isabel Alçada. Antes pretendia-se “dar [a orientação] aos professores, e aos pais eventualmente, de que aqueles livros eram adequados para aquela idade, que poderiam ser úteis”.

Numa fase inicial, foi analisada toda a oferta do mercado editorial português, sendo que a base das recomendações feitas nessa altura estava na “diversidade” de temas e géneros literários, conforme descrito pela responsável. “Os livros eram recomendados se estivessem corretos, se fossem escritos num português correto, se os especialistas achassem que eram adequados para leitura e para entusiasmar os jovens para a leitura”, explica. “Não havia a ideia de pôr de lado, era mais trazer tudo o que existia, mas por idades, por níveis educativos para que os professores pudessem fazer a orientação”, diz Isabel Alçada.

Significa isso que, no limite, todos os livros disponíveis no mercado podiam ser aprovados? “Podiam, todos. Desde que não tivessem erros de português – que alguns têm, apesar dos editores terem cuidado – e desde que a temática fosse considerada adequada para ser trabalhada em sala de aula”, responde.

Atualmente, quem fizer a consulta no site, verifica que os livros recomendados em 2017 estão agrupados numa única categoria. Tudo o que foi selecionado antes disso surge indicado como “antes 2017” [sic]. A partir de 2018, as recomendações são semestrais.

É também possível fazer pesquisa de livros com base na idade, nível de leitura, tema (literatura, vida prática, ciência e tecnologia, entre outros), formato (livro, livro com CD/DVD ou livro-albúm), língua e palavra-chave.

Fonte: Site oficial PNL2027 (A partir de 2018, as recomendações de livros são semestrais, o que implica a publicação duas vezes por ano. Apesar disso, optou-se por somar o número de livros em cada lista semestral, de forma a manter a coerência da escala de valores apresentados).

Neste momento, “o número total de livros no catálogo, incluindo os títulos que entraram no segundo semestre de 2022, é de 8108”, segundo a atual comissária do PNL, Regina Duarte. De frisar que este número não exclui livros repetidos, ou seja, obras que sejam recomendadas para mais do que uma faixa etária, mas essa informação não está disponível.

Para o investigador João Luís Lisboa, que coordenou o último estudo de avaliação ao PNL2027, a lista de títulos recomendados não é demasiado vasta até porque o objetivo não é o de obrigatoriedade de leitura, mas antes “abrir o máximo a rede de possibilidades”. “Pode parecer uma coisa pouco ambiciosa, porque há muita coisa que vale a pena ler, mas ao mesmo tempo cria um espaço enorme de possibilidades e tem efeitos, porque as pessoas sabem que isto existe e, muitas vezes, nas livrarias é o que procuram”, acredita o professor catedrático da Universidade Nova de Lisboa.

Apesar disso, Regina Duarte admite que, numa fase inicial, muitos livros foram incluídos numa lógica de “representatividade” temática, que não será tão válida atualmente. “Nalguns casos não fará [sentido algumas obras ainda serem recomendadas]. O mercado editorial era muito diferente quando este trabalho foi começado, em 2008”.

A responsável informa que a equipa do PNL está a iniciar um projeto de reestruturação, que pode envolver a exclusão de obras anteriormente recomendadas. “Agora, felizmente há muito mais títulos e maior diversidade”, diz Regina Duarte, por isso “talvez não faça sentido um título estar [na lista de recomendações] só por uma questão de representatividade, porque deixa de se aplicar.”

A par disso, há, também, casos de livros que, apesar de serem atualmente recomendados, já não estão disponíveis no mercado. São disso exemplo as obras Histórias para contar em 1 minuto e ½, de Isabel Stilwell e Carta a um filho, de Rudyard Kipling e Mauro Evangelista, com tradução da mesma autora. No primeiro caso, a editora Verso da Kapa, que lançou o livro, já nem sequer existe. Esta informação foi confirmada ao Gerador pela própria Isabel Stilwell, que também integra a comissão de especialistas responsáveis pela seleção de títulos.

Há ainda outras situações pontuais relativas às recomendações do PNL, que, no passado, levantaram celeuma e fizeram questionar o rigor do processo de seleção de obras.

Dois exemplos:

Em 2012, a escritora Alice Vieira mostrou-se indignada com o facto de o seu livro de poemas para adultos, O Que Dói às Aves, ter sido erroneamente recomendado a crianças de sete anos. A autora criticou os responsáveis pela classificação e acusou-os de “terem escolhido um livro sem o abrir”.

A situação foi justificada pelo então comissário do PNL, Fernando Pinto Amaral, com um erro informático. Regina Duarte corrobora esta versão. “Não temos como confirmar, mas não temos qualquer razão para duvidar desta afirmação, dado que o trabalho dos especialistas é de total idoneidade”, explica.

Também em 2017, foi noticiada a indignação de alguns encarregados de educação da Escola Secundária Pedro Nunes, em Lisboa, perante a recomendação do romance de Valter Hugo Mãe, O nosso Reino. O livro, que era abordado nas aulas de Português do 8º ano de escolaridade daquela escola, contém expressões sexualmente explícitas, o que levou alguns pais a fazer queixa. A escola justificou a escolha com o mérito literário do autor e com o facto de a obra estar recomendada no PNL para aquela faixa etária. O acontecimento levou a que os especialistas se reunissem para reavaliar a decisão e o livro passou a ser recomendado a jovens do ensino secundário. “Não está em causa a sua qualidade literária, o que houve foi um problema de inserção na lista. O livro entrou no 3.º ciclo por lapso, porque foi escolhido para o secundário”, alegou Fernando Pinto Amaral à comunicação social.

Como e por quem é feita a seleção de obras?

Afinal, como funciona o processo de seleção de livros recomendados? E que critérios são utilizados nessa análise? Quem a realiza?

Vamos por partes.

No início da cadeia estão as editoras. Através do formulário disponível no portal do PNL, os títulos podem ser submetidos a apreciação, sendo a candidatura necessariamente acompanhada do envio de dois exemplares em papel. No caso de auto-publicação, as obras podem ser submetidas a apreciação pelo próprio autor.

Na página oficial do PNL, é referido que os livros são avaliados “de acordo com o mérito literário, rigor científico, dimensão estética e qualidade da tradução e, caso sejam escolhidos, são publicitados no Catálogo PNL, passando a ostentar nas capas o selo com a marca Ler+”. Estes critérios são também citados pelas responsáveis do programa, que não acrescentam mais especificações. “Cada recomendação é nominal, isto é, por livro, não abrangendo outros livros da mesma coleção ou do mesmo autor”, lê-se ainda no site.

São excluídos livros que incitem à violência ou que sejam “ideologicamente marcados”, diz Regina Duarte, atual comissária do PNL, porque “uma coisa é nós admitirmos que a literatura tem liberdade para falar de tudo, outra coisa é o livro ser programático”, no caso de não-ficção. Além disso, há ainda critérios relativos à qualidade, como uma má tradução ou mau grafismo, que podem levar à exclusão de livros.

Mesmo em caso de rejeição, as editoras podem contestar a decisão e, segundo a responsável, chega a haver casos em que o livro pode ser reavaliado e até posteriormente incluído no catálogo.

Após a avaliação estar concluída, as listas de obras aprovadas são publicadas no portal PNL2027 e divulgadas nos canais desta entidade. É também habitual as editoras colocarem o selo “LER+” nas capas dos livros selecionados, embora nem todas o façam.

A análise das obras propostas pelas editoras é feita por uma “comissão de especialistas”, de forma individualizada, com base nos critérios anteriormente descritos,

A atual equipa é composta por 14 pessoas: Adriana Batista, Ana Bela Martins, Ana Daniela Soares , Ana Paula Dias, Gina Lemos, Inês Fonseca Santos, Isabel Stilwell, Joana Lobo Antunes, João Miguel Lameiras, Luís Trindade, Rita Taborda Duarte, Rui Veloso, Rui Bebiano e Sandy Gageiro. Segundo a comissária Regina Duarte, nenhum deles se candidatou para esta função. “Nós convidamos e vamos convidando em função das novidades que vão surgindo”, como por exemplo a submissão de novos géneros para apreciação. No site não está explícito o momento em que cada um dos especialistas entrou em funções e essa questão ficou por responder.

Havendo diferentes áreas temáticas, não é revelado publicamente quem avalia o quê, para evitar que existam “resultados personalizados”. “[Não queremos] que haja editores ou autores que fiquem zangados pessoalmente com determinado especialista”, sublinha a responsável. “O facto de estas pessoas terem um currículo que as defende também nos legitima a nós e ao trabalho que nós fazemos”, acrescenta Regina Duarte.

De acordo com declarações de um elemento desta comissão, que preferiu não ser identificado, os especialistas “não são parte integrante do PNL mas profissionais externos ao serviço, a quem se solicita pareceres sobre livros específicos, nas diversas áreas de especialidade”. Os elementos “não têm contacto entre si, as apreciações são feitas individualmente, com livros distribuídos pelos serviços, sem que os especialistas se encontrem, sequer”, garante. Além disso, cada especialista “não tem forma de saber o que estão os outros a analisar, nem sequer acesso às escolhas, recusas ou justificações de outrem e muitos nem se conhecerão nem às áreas a que se dedicam”.

Sete dos 14 especialistas atualmente em funções – nomeadamente, Ana Daniela Soares, Ana Paula Dias, Inês Fonseca Santos, Isabel Stilwell, João Miguel Lameiras, Rita Taborda Duarte e Rui Bebiano – têm o nome inscrito em livros recomendados no Catálogo PNL (em autoria, co-autoria, colaboração ou tradução).

Elisabete Soalheiro, responsável pela coordenação administrativa desta equipa, garante que não está em causa um conflito de interesses, porque “os autores – como [acontece] nas decisões colegiais – quando têm alguma relação com aquilo que está a ser apreciado, não participam nessa decisão”. Mas se não é revelado quem avalia o quê, como pode o público ter essa garantia? “O público entende uma questão de legitimidade e de ética. Simplesmente isso”, responde.

Isabel Stilwell, escritora e jornalista que integra a equipa de especialistas, explica também que “a comissão do PNL adotou um modelo de funcionamento semelhante ao da academia na apreciação dos trabalhos científicos, ou seja, os pares do autor/investigador avaliam os trabalhos submetidos, mas nunca aqueles onde tenham participado”.

A autora tem duas obras da sua autoria e uma tradução com o selo LER+ – sendo que dois desses livros já nem sequer estão no mercado, conforme referido anteriormente. No que respeita ao processo de seleção diz que “ficou bem claro desde o momento do convite que nunca apreciaria obras que possam potencialmente ser concorrentes com as de que sou autora ou coautora, ou quaisquer outras que tenham sido submetidas por editoras que editem ou comercializem os meus livros”, assegura.

Impacto comercial e o uso indevido do selo LER+

O apelo comercial do selo LER+ – colocado nas capas de livros aprovados como forma de mostrar que o mesmo está integrado no PNL – é assegurado pela atual responsável máxima do programa, Regina Duarte: “Os próprios livreiros usam-no para sugerir [livros] e sabemos que, em termos de números, [faz diferença]. Há um interesse comercial no selo e por isso é que nós pugnamos muito e queremos continuar a ser isentos, independentes”.

Apesar disso, a comissária admite não existirem dados concretos que possam quantificar esse impacto. “Para termos isso teria de haver aqui um sistema de partilha de informação com livreiros, com editores o que nem sempre é fácil porque nós, que somos Estado, temos a obrigação de transparência, [já] os outros parceiros, que são do mercado, são mais ciosos dos seus dados e dos seus segredos porque isso significa vendas”, explica.

“Dados imediatos não temos”, mas, conforme explica, têm diversos estudos publicados em parceria com universidades e unidades de investigação que avaliam o impacto das ações desenvolvidas de uma forma mais abrangente. “Tentamos que tudo isto seja investigado, para que se perceba o impacto não só da proposta de livros, mas dos outros projetos”, acrescenta a responsável.

Na livraria Snob, por exemplo, esse selo identificativo não é um elemento considerado relevante. “Não é um chamariz imediato”, explica Rosa Azevedo, co-proprietária desta livraria lisboeta. “Hoje em dia os editores apostam em selos de prémios [literários], por exemplo, e isso funciona um bocadinho melhor, porque eu acho que o selo do PNL se generalizou demais”. De tal forma que não é um fator que tenha em conta quando os clientes pedem recomendações. “É muito generalista. Já não é um critério muito fechado, muito afinado. É um critério aberto. Por um lado, democratiza um bocadinho o selo, mas, por outro lado, não nos dá a certeza relativamente à qualidade da obra. Vemos obras de grande qualidade, vemos obras de menos qualidade… não conseguimos entender muito bem”, lamenta.

Questionada pelo Gerador, a Porto Editora afirmou, através de e-mail, que “a inclusão no PNL não tem impacto na venda de livros”. Já a Leya dá uma resposta distinta: “naturalmente que a inclusão de um livro nas listas do PNL tem impacto, em termos da valorização e do prestígio das obras e dos autores, do aumento do interesse dos leitores pela leitura dessas obras e desses autores, por exemplo. No entanto, especificamente quanto a vendas não é fácil quantificar”.

Madalena Matoso, da Planeta Tangerina refere que o selo “por si só, “não garante [mais vendas], mas, em todo o caso, acho que pode, conciliado com outros fatores, contribuir para que um livro tenha uma vida mais longa”.

Apesar de não serem divulgados dados concretos relativamente ao impacto nas vendas, existem relatos de casos de apropriação indevida do selo LER+ por parte de editoras e livrarias, que não são combatidos nem considerados prejudiciais pela entidade responsável.

Luísa Ducla Soares, escritora de literatura infanto-juvenil com 185 livros publicados – e mais de uma centena deles recomendados no PNL – refere uma ocasião em que manifestou a sua discordância perante um caso de reedição de um livro. A obra estava para ser novamente lançada, por uma editora diferente da original, que faliu. Tendo sido anteriormente aprovada, a editora pretendia colocar o selo do PNL, sem que a nova edição fosse submetida a apreciação. “Eu disse-lhes que não o deviam fazer, até porque a ilustração era diferente”, conta a autora.

Também a própria comissária do PNL contou um caso em que uma editora enviou livros para avaliação já com o selo impresso na capa. “Acontece. Eu diria que não é mal intencionado”, sublinha. “Tivemos de lembrar que o selo não era para a coleção. Aquele livro ainda não tinha sido submetido e foi impresso já com o selo na capa”. Será então, um caso em que a aprovação é tida como garantida? “Eu acho que sim. Devem ter assumido que era a coleção toda e que seria só uma questão de nós incluirmos aquele livro no nosso catálogo. Quando explicámos à editora eles reconheceram, de facto, o erro e foi pacífico. Não precisamos de ter aqui situações de antagonismo se as coisas forem todas transparentes”, diz Regina Duarte.

Outra situação, adjetivada como “engraçada” pela responsável, foi a de uma conhecida grande superfície, que vende produtos de cultura e tecnologia, que imprimiu o selo LER+ e o colocou nas prateleiras. “Aquilo é uma apropriação um bocadinho abusiva porque os livros que estão naquela prateleira não estão todos [aprovados], mas, por um lado, eu acho interessante”, declara a comissária. “Esta apropriação significa que eles reconhecem que aquele selo é um selo de qualidade e que é uma coisa que querem ter”.

Importância reconhecida nas escolas…

Durante os primeiros anos de implementação, houve, de um modo geral, um elevado grau de execução da estratégia do PNL2027, sendo a operacionalização considerada eficaz. A conclusão é de uma equipa de especialistas da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa , que, entre 2017 e 2020, avaliou a implementação da nova versão do programa, num trabalho realizado em articulação com as respetivas comissárias.

No relatório é referido que o PNL serve ainda de “barreira” à tendência” de declínio dos hábitos de leitura dos jovens portugueses. “Sem esta política e estratégia, os resultados nacionais poderiam ser mais baixos”, lê-se no documento.

No âmbito deste estudo, apresentado em abril de 2022, foram realizadas 60 entrevistas a diferentes intervenientes, dentro e fora da equipa do PNL. As escolas foram um dos contextos em foco, tendo sido enviados inquéritos a 809 agrupamentos ou escolas referenciadas. Apenas 128 responderam.

No que respeita a elementos mais concretos, como por exemplo os progressos dos alunos na leitura, as respostas são menos conclusivas: a maioria das escolas classifica-os como “significativos” ou “moderados”. “Para o pré- escolar, 41% dos agrupamentos/escolas consideram que se verificam progressos significativos na leitura dos alunos (31% acham-nos moderados). Também para o 1.o ciclo, são mais os AEs/ENAs a avaliarem os progressos como mais significativos que moderados”. Já no que respeita aos 2º e 3º ciclos, os valores invertem-se, já que é maior a percentagem de agrupamentos que avalia os progressos como moderados (46% no caso do 2º ciclo e 51% quando olhamos para o 3º ciclo). Quando se atenta nos extremos, ou seja, na percentagem de escolas que considerou os progressos como “muito fracos” ou, pelo contrário, “muito fortes”, os números são pouco expressivos.

Fonte: PNL2027 – Sistema de Avaliação: Relatório Final, elaborado pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa
Importa aqui mencionar, para efeitos comparativos, os resultados do último relatório PISA, divulgado em 2018, já que o baixo desempenho dos jovens portugueses nesta avaliação foi uma das justificações iniciais que o Governo deu para o lançar o PNL, em 2006. A evolução tem sido positiva e até supera ligeiramente os valores da OCDE. “O resultado alcançado em 2018 ficou significativamente acima da média obtida em 2000 (mais 22 pontos) e dois pontos acima da média de 2009”, lê-se no documento.

Em relação à caracterização que as escolas fazem das informações e orientações veiculadas pelo PNL, o documento refere que “cumpre assinalar a opinião genericamente positiva”. É, no entanto, destacado que “15% da amostra é da opinião que as informações/orientações emanadas do PNL são pouco atempadas”. Independentemente disso, é afirmado que 85% das escolas que responderam ao inquérito acreditam que um programa como o PNL é muito importante.

Essa importância foi, de facto, sublinhada ao Gerador por algumas docentes do ensino básico e secundário que deram o seu contributo para esta reportagem. Apesar de tecerem críticas relativas à configuração do portal do PNL, à extensão do catálogo ou à estrutura do programa, as professoras reconhecem a relevância da política. Ao mesmo tempo que frisam o valor das iniciativas desenvolvidas em meio escolar, também assumem a frequente falta de tempo para os alunos participarem nelas.

Ana Josefa Cardoso, professora de português no Agrupamento de Escolas Baixa da Banheira, Vale da Amoreira e Moita (concelho da Moita), afirma, por exemplo, que o PNL é uma ferramenta “útil” e que tem sido eficaz na estimulação de interesse pela leitura, nomeadamente através da dinamização de iniciativas nas bibliotecas escolares.

Já Catarinha Coutinho, que leciona na Escola Secundária Padre Alberto Neto, em Queluz, ressalva que não existe uma ligação direta entre professores e o PNL, até porque não é esse o seu propósito. “O Plano é muito maior do que aquilo que existe para as professoras de português e para as aulas, no entanto nós utilizamo-lo de muitas formas”, explica.

“Eu acho que um professor de português faria tudo na mesma sem um PNL [mas], é muito bom que ele exista, porque eu sei depois as outras ramificações que ele tem”, nomeadamente nas iniciativas desenvolvidas noutras disciplinas. A docente refere, porém, que é difícil para os professores coordenar o tempo destinado à matéria com essas atividades. “Nós recebemos milhares de e-mails todos os dias com projetos – como tens o PNL, tens o das ciências, o disto e daquilo e do teatro, das artes… tudo coisas muito boas e muito interessantes”, afirma. “Às vezes o que acontece é que o professor está muito focado nas suas aulas, no seu dia-a-dia – o que é mau – e não trabalha tanto em comunidade e em união com toda a escola.”

Ana Paula Andrade, que leciona no mesmo agrupamento e é professora bibliotecária, explica que, na sua opinião, o PNL “não é tanto uma ferramenta, é mais uma plataforma”, que reúne recursos e comunica atividades. A questão que se coloca é a possibilidade de participar. “O que o PNL tem estimulado bastante são projetos. Muitos projetos. Neste momento já existem bastantes mas nem todos são acarinhados”, acrescenta.

A professora Maria João Ruivo, por sua vez, acredita que “tudo o que seja informação sobre livros, só por si, já é útil”. Apesar disso, a docente da Escola Secundária Antero de Quental, em Ponta Delgada (Açores), reconhece alguma dificuldade na procura de livros no portal, queixa que diz ter recebido também por parte de alunos. Além disso, tem dúvidas quanto à utilidade de um catálogo que recomenda milhares de obras. “Sinceramente, acho que acaba por ser um bocadinho excessivo. Isso é quase o mesmo que ir a uma biblioteca à procura de um livro, ou seja, [os alunos] vão ficar na mesma.”

E por falar em bibliotecas, a relevância do PNL também é assegurada por Manuela Silva, que lidera a Rede de Bibliotecas Escolares (RBE). “Este instrumento ajuda a orientar as escolas para as compras [de livros]. Ele não é absoluto, do ponto de vista daquilo que é o mercado, mas ajuda a entender que aquelas [obras] que já têm alguma chancela de qualidade, foram analisadas por um grupo de pessoas qualificadas e entendidas e serve para orientar as escolas”.

A responsável explica que não é o PNL que define a aquisição de obras nas bibliotecas escolares – pois não tem qualquer carácter vinculativo – “mas é um instrumento muito importante para ajudar” na lista de aquisições, que funcionam com base em candidaturas a financiamentos, atribuídos pela RBE.

…mas falta financiamento

Um dos principais desafios do PNL prende-se com a sua visibilidade para lá das ações desenvolvidas nas escolas. Quem o diz é João Luís Lisboa, professor catedrático da Universidade Nova de Lisboa e coordenador do estudo anteriormente referido, que avaliou a implementação do PNL2027. De acordo com o académico, “enquanto os livros recomendados e os concursos de leitura têm muita visibilidade, há muitas iniciativas que não têm. Isso significa que há zonas de grande potencial que não são bem aproveitadas”, como o ensino de adultos, por exemplo.

“Os objetivos do Plano podem ser um bocado confundidos com os objetivos escolares e  – embora grande parte se desenvolva em ambiente escolar – os objetivos do PNL não são escolares”, frisa João Luís Lisboa.

“O objetivo de um plano como este é levar a que as pessoas leiam mais, que valorizem o tempo que usam com a leitura e que através das leitura ganhem competências”, diz João Luís Lisboa. “Se o plano é reconhecido, reconhecem-se também os seus objetivos, coisa que não é evidente”, daí que afirme a necessidade de melhorar a comunicação e divulgação fora das escolas. “O facto de as pessoas poderem pensar que [o programa] tem a ver com os objetivos escolares, mostra que há confusão sobre para que é que serve o PNL”, acrescenta.

De facto, Regina Duarte, comissária do PNL, assume a dificuldade em contrariar esta ideia. “Acho que é uma imagem difícil de se contrariar, a de que se trabalhava só para as escolas, que [o plano] é escolar e, de facto não [é]. A nossa missão é para a comunidade em geral. É para melhorar os hábitos de leitura no país todo”, salienta a comissária.

Um dos fatores que ajuda a explicar este problema, é a falta de articulação interministerial que afeta também o financiamento.

Inicialmente, estava previsto que o PNL envolvesse três ministérios: Educação, Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, e Cultura, mas o financiamento apenas foi atribuído pelo primeiro. Para João Luís Lisboa, este é um dos grandes entraves ao desenvolvimento do programa. “Não é que, em absoluto, estas várias instituições não tenham agido ou cooperado. Houve vários programas e ações, mas o orçamento, neste momento, é apenas de um dos ministérios [Educação], e isso limita a ação dos outros”, assevera.

Por reconhecer que o PNL teve bons resultados – conforme está descrito no estudo que coordenou e que foi divulgado em abril do ano passado – o investigador defende que o programa deve receber mais financiamento e por parte mais ministérios. Isso permitiria o desenvolvimento de ações concretas na área cultural e no ensino superior, por exemplo. “Aqui a questão não é atirar mais dinheiro para um lago, a questão é que há resultados práticos, visíveis, coisas que funcionam bem e que se vê que falta [alguma coisa]”, diz.

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