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Esta é a questão que surge na mente de jornalistas, diretores de órgãos de comunicação, investigadores e entidades de proteção do jornalismo ao olharem para o último relatório publicado pela Repórteres Sem Fronteiras (RSF), que coloca Portugal no sétimo lugar do ranking mundial sobre liberdade de imprensa. São vários os profissionais da área que acreditam que os resultados podem estar inflacionados, devido à contínua dificuldade no acesso a documentos públicos ou às condições precárias para o exercício da profissão.

 

“A liberdade de imprensa, em Portugal, é robusta. Os jornalistas podem exercer a sua profissão sem restrições, ainda que enfrentem algumas ameaças de grupos extremistas”: é assim que a Repórteres Sem Fronteiras (RSF) resume as condições para o exercício do jornalismo no nosso país, depois de auscultar 180 países e territórios para o seu relatório anual sobre liberdade de imprensa. No que diz respeito a 2022, Portugal posiciona-se, de acordo com a organização, na sétima posição do ranking mundial, subindo dois degraus face ao ano anterior.

Contudo, são vários os diretores de meios de comunicação, académicos e entidades de proteção do jornalismo que se mostram divididos quanto ao resultado. Por um lado, concluem que, conhecendo as condições precárias em que se faz jornalismo em Portugal, este lugar parece não corresponder à realidade. Por outro, admitem algumas condições de privilégio relativamente a outros pontos do globo, onde profissionais da comunicação são mortos, perseguidos e presos simplesmente por investigarem e informarem o público, como a sua profissão dita que façam.

“Face às aspirações e dificuldades que sentimos, parece surpreendente. Face à realidade do resto do mundo, se calhar não é, porque, na verdade, somos uns privilegiados”, sintetiza Pedro Miguel Santos, diretor do projeto jornalístico Fumaça.

Também Carla Baptista, docente e investigadora na área do Jornalismo – com especial incidência em História dos Media, Comunicação Digital Política e Media e Cultura -, vê os resultados com alguma hesitação, pressupondo que “a situação real interna é pior do que aquela que um honroso sétimo lugar em 180 países pode levar a crer”. “Quando se olha para o ranking e vê países como a Suíça, por exemplo, ser colocada atrás de Portugal com o argumento de que um referendo recente rejeitou a aprovação de um pacote mais robusto de subsídios públicos para os media, ficamos na dúvida se os bons resultados portugueses não estão inflacionados”.

E adiciona: “Outros países, como o Canadá, desceram no ranking por causa da sua deficiente representação das minorias (no caso, os povos indígenas) nos media. Estes dois aspetos também são altamente problemáticos em Portugal e não os vemos discutidos na sinopse do país”.

A ideia é corroborada por António Granado, a mente por trás do Artigo 37, uma plataforma criada por vários jornalistas para deixar registados todos estes casos de violação do direito de informar. O também professor na Universidade Nova de Lisboa acredita que “o relatório nos coloca melhor do que aquilo que parece que efetivamente acontece”. “Temos que ter consciência de que Portugal está melhor do que a esmagadora maioria dos países do mundo”, começa por revelar, acrescentando: “Parece-me, no entanto, que algumas daquelas características que tornam as democracias melhores ainda não são completamente respeitadas em Portugal. Falo, por exemplo, do acesso aos documentos da administração”.

 

Acesso a documentos dificultado

De acordo com o artigo 5.º da lei n.º 26/2016, de 22 de agosto, “todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo”. Porém, como Granado sublinha, “as entidades públicas ainda resistem muito a tornar públicos os documentos”.

Prova disso, é a elevada quantidade de casos na Comissão de Acesso aos Documentos da Administração (CADA) em que se constatou que os jornalistas deveriam ter tido acesso aos documentos, anteriormente recusado pelos ministérios e organizações. “As instituições públicas, em Portugal, e, sobretudo, as administrações centrais, não querem, não colaboram e estão constantemente a boicotar o trabalho dos jornalistas no acesso a dados”, reforça Pedro Miguel Santos.

Esta situação ter-se-á agravado a partir do momento em que o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados entrou em vigor, em 2016, uma vez que é usado como “desculpa para tudo e mais alguma coisa”, acredita o jornalista do Fumaça.

 

 

Todavia, este não é o único entrave no acesso a dados e informações. Como o diretor do projeto de jornalismo independente recorda, os assessores de imprensa dificultam, recorrentemente, o exercício da profissão. “Os assessores de imprensa dizem aos jornalistas que não veem a relevância de determinadas perguntas, que não vão responder, ignoram perguntas, não enviam dados, não dizem porque é que não mandam,…”, salienta, concluindo que “esse é um dos principais problemas e das principais ameaças à liberdade de imprensa e ao trabalho dos jornalistas, neste país”.

 

Jornalistas sob vigilância

Assim como “a liberdade de acesso às fontes de informação, incluindo o direito de acesso a locais públicos e respetiva proteção” está consagrada no artigo 22.º, da lei 2/99, de 13 de janeiro, o sigilo profissional e a proteção das fontes são direitos constitucionais dos jornalistas. Por isso mesmo, António Granado declara o caso em que dois jornalistas, um da Sábado (atualmente, na Visão) e outro da TVI (na altura, no Correio da Manhã), foram vigiados pela PSP por ordem do Ministério Público, entre abril e junho de 2018, como “gravíssimo” e algo que “não acontece em democracias”. “Com um caso destes, Portugal não pode estar em sétimo lugar no ranking da liberdade de imprensa”, chega a sublinhar, adicionando que “o relatório nos coloca um bocadinho acima daquilo que merecemos”.

Henrique Machado e Carlos Rodrigues Lima, os profissionais acusados de violação do segredo de justiça, no âmbito dos processos E-Toupeira, e-mails do Benfica e Operação Lex, foram absolvidos em tribunal, no final de fevereiro deste ano.

Por essa razão e pela forma como o processo decorreu, o diretor de informação da TVI, Nuno Santos, admite que “foi um caso em que a justiça andou bem”. “Perante um ato que é inaceitável, que é o de vigiar dois jornalistas que estavam apenas no exercício da sua atividade, a justiça veio dizer – e bem -, que isso não podia ter sido feito, que não era aceitável, e, portanto, temos razões para acreditar que, não só o bom senso, mas a justiça, prevaleceu”, reitera.

 

Ataques físicos a profissionais de comunicação

É, deste modo, possível afirmar que “a interpretação dos tribunais tem sido no sentido de proteger os profissionais”, repara Carla Baptista, académica. Não só é exemplo o caso anterior, como o do ataque físico a um repórter de imagem da TVI, após o jogo Moreirense-FC Porto, em abril de 2021, cujo agressor foi condenado, em novembro do último ano, a dois anos de prisão com pena suspensa.

“A maioria desses tipos de atitudes e de ataques são absolutamente inaceitáveis, mas acho que temos mecanismos, em Portugal, [para atuar nessas situações]. Por exemplo, esse caso foi denunciado no momento em que aconteceu, foi levado à justiça, a justiça pronunciou-se e o clamor público que houve nessa circunstância é, ao mesmo tempo, um garante para que os jornalistas possam exercer a sua atividade com o suporte dos cidadãos, da opinião pública. Isto é, hoje não há ninguém que possa atingir o jornalismo sem saber que, ao fazê-lo, está a ser escrutinado pela opinião pública. Portanto, o facto de podermos e devermos denunciar esse tipo de atitudes é, ao mesmo tempo, uma salvaguarda para nós”, comenta Nuno Santos.

Também as entidades ligadas ao exercício do jornalismo – como o Sindicato, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) e, noutro âmbito, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) – procuram envolver-se nesses casos. O jornalista da estação de Queluz de Baixo destaca o seu papel, mencionando que se têm “mostrado bastante ativas e, na maioria dos casos – não em todos, mas na maioria dos casos – bastante firmes”.

 

Uma profissão muito exposta

Ainda assim, as ameaças continuam. “Se existissem mais casos destes [da condenação do agressor do operador de câmara da TVI], o panorama talvez mudasse”, acredita o fundador do Artigo 37.

Porém, como refere Carla Baptista, “a facilidade de acesso [à internet] e a sensação de proximidade [que traz], o design das redes que exponencia o desacordo, combinadas com a iliteracia dos utilizadores e a ausência de regulação (quem agride verbalmente tem uma sensação de impunidade) podem tornar-se num cocktail explosivo” e, por consequência, trazer uma série de comentários negativos e ataques a jornalistas, online.

Ricardo Cabral Fernandes, diretor do Setenta e Quatro, Pedro Coelho e António Granado desvalorizam essas ameaças. “Estamos sob escrutínio direto e constante. Parece-me que o insulto e as críticas fazem parte, vêm com a profissão”, nota o último. “Eu próprio já fui vítima desse tipo de ameaças, mas isso são demonstrações espúrias, que verdadeiramente não contam”, acrescenta o jornalista de investigação da SIC.

Mas admite: “Se me perguntar “ficou incomodado com isso?”, sim, nós não gostamos de receber ameaças, ninguém gosta de receber ameaças”. Contudo, diz nunca ter sentido que a sua “integridade física estivesse posta em causa, nem em perigo”.

Exatamente pelo mesmo motivo, Ricardo Cabral Fernandes nunca pensou muito sobre os ataques que lhe endereçaram. “Quando consideramos [as ameaças] sérias, [denunciamos]. Até agora não considerámos”, frisa, enquanto recorda que uma das grandes reportagens publicadas no projeto jornalístico que dirige, acerca da polícia, trouxe bastante ódio nas redes sociais: “mas não passou disso”, enfatiza.

Continuando a dar pouca importância às ameaças, lembra ainda que teve o seu rosto, assim como o do colega Filipe Teles, na capa do jornal interno do Chega, o Folha Nacional, após a mesma investigação.

 

A ameaça da extrema-direita

Todavia, este não é o único ataque do partido de extrema-direita a jornalistas ou ao jornalismo. Como é mencionado no relatório da Repórteres Sem Fronteiras, em janeiro de 2021, durante o jantar-comício do Chega, em Braga, foram proferidos vários insultos e ameaças de violência aos profissionais que lá se encontravam para cobrir o evento. Durante a própria intervenção de Rui Paulo Sousa, o atual deputado afirmou: “os nossos adversários estão lá fora, mas alguns estão cá dentro”, instando os membros presentes a continuarem a dirigir gestos ameaçadores à comunicação social.

Na análise da RSF não é referido, contudo, outro ataque a um jornalista perpetrado pelo mesmo partido, poucos meses depois. Ainda que tenha existido alguma hesitação em tornar o caso público, Hélder Gomes, do Expresso, revelou ter sido ameaçado por um delegado do Chega no congresso realizado em Coimbra, em maio. O profissional comunicou a situação a uma alta dirigente do partido e recebeu como resposta “vocês também se põem a jeito”, expõe o Setenta e Quatro.

A professora Carla Baptista procura explicar o porquê de situações como estas serem comuns: “A cultura política desses partidos é hostil ao jornalismo livre e uma parte da sua base social de apoio assenta na promoção de um ressentimento generalizado contra «os poderes instalados», entre os quais os media. Também resistem ao escrutínio que os jornalistas fazem da política”. Deste modo, confessa ver “essa tendência como uma ameaça à liberdade de imprensa e à própria democracia, porque são partidos que jogam o jogo da democracia de uma forma perversa, alimentando a ideia falsa de que alguns grupos sociais (como as minorias étnicas ou os imigrantes) são responsáveis pelos males estruturais do país (desigualdade social) ou conjunturais (crise económica global)”.

 

Cobertura em manifestações

Um pouco por todo o globo, multiplicaram-se, durante o período inicial da pandemia, manifestações contra, ora as medidas tomadas para minimizar a proliferação do vírus, ora a própria vacinação. Apesar de, em Portugal, estes protestos terem ganho pouca expressão, uma vez que o consenso em torno das deliberações do Governo e grande adesão às inoculações contra a covid-19 foram elevados, houve quem saísse à rua para mostrar o seu desagrado.

Num desses momentos, quando os manifestantes se insurgiam contra as restrições impostas à indústria da restauração, já em novembro de 2020, a equipa da Rádio Observador foi cercada por mais de uma dezena de pessoas, obrigando a PSP a intervir. Além disso, a equipa de reportagem da TVI foi atacada por um grupo de negacionistas que protestava contra o uso de máscara, uma vez que acreditava que a estação do grupo Media Capital havia publicado uma peça “enviesada” contra os promotores do grupo.

“Essas ameaças são absolutamente inaceitáveis. Numa sociedade livre e democrática todos têm direito à sua opinião, a manifestar os seus pontos de vista, a insurgirem-se contra o que eventualmente possam considerar estar errado, mas quando não se aceita que os jornalistas façam o seu trabalho, noticiando, escrutinando ações e/ou atuações, então é preciso estar atento. A CCPJ foi acompanhando a situação com preocupação”, realça Licínia Girão, presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista.

Francisco Rui Cádima, coordenador nacional do projeto “MPM 2023 – Media Pluralism Monitor – Monitoring Risks for Media Pluralism in EU Member States”, defende que o papel dos media é o de “insistir na abordagem destas questões de forma a neutralizar e desarticular discursos e narrativas baseados em crenças miríficas ou mesmo religiosas, desacreditando a ciência e o próprio jornalismo”. “Esta é uma área, por exemplo, em que não pode haver quaisquer tipo de tréguas por parte da comunicação social”, termina.

Contudo, como repara Carla Baptista, os ataques a profissionais neste contexto foram circunscritos a “uma manifestação particular” e “não tem relevância para configurar uma ameaça aos jornalistas”. Deste modo, parece irrelevante que o relatório integre esta agressão, especialmente quando este visa o ano de 2021 e não o anterior.

 

Um ciberataque à imprensa?

Tal como no caso anterior, é questionável a inclusão do ciberataque ao grupo Impresa, no início do ano de 2022, na análise da RSF. Numa entrevista para o programa As Três da Manhã, da Rádio Renascença, João Vieira Pereira, diretor adjunto do Expresso, afirmava ser “um ataque enorme à liberdade de imprensa”, ainda que, já na altura, “muita gente” dizia que era apenas “um ataque cibernético a uma empresa”. O jornalista justificava a sua posição, dizendo que, “quando se impede um jornalista de utilizar meios para realizar o seu trabalho, isso é um ataque à liberdade de imprensa”.

Porém, com algum distanciamento ao evento, Pedro Coelho compara o crime cometido contra o grupo de comunicação ao da CUF, Vodafone ou outras entidades também vítimas deste ataque informático. “Pode até ter havido uma voz oficial do grupo Impresa que tenha dito que isso aconteceu. Não creio, nesta altura, que essa voz oficial que o disse nesse momento ainda mantenha o mesmo discurso. Sinceramente, não tenho nenhum indício de que tenha sido um ataque à liberdade de imprensa. Acho que o que verdadeiramente aconteceu foi um ataque, como aconteceram outros, noutras entidades não jornalísticas. Agora, o propósito que teve relativamente ao grupo Impresa está, de facto, por descodificar, mas não creio que se possa dizer que foi um ataque à liberdade de imprensa”, opina.

De modo a corroborar esta perspetiva, procurámos uma declaração oficial – e atual – do grupo, mas, até ao momento da publicação, não houve qualquer resposta.

 

Conferências de imprensa sem perguntas

Segundo o artigo 1.º da lei n.º 2/99, “a liberdade de imprensa abrange o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações”. Por isso mesmo, em 2007, surgiu, do 4.º Congresso dos Jornalistas, a aprovação da proposta de boicote a conferências de imprensa nas quais os jornalistas não tenham direito a colocar questões.

Ainda assim, não é necessária uma pesquisa muito aprofundada para surgirem, de imediato, vários casos em que os profissionais são impedidos de fazer perguntas. São exemplos a demissão do ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, assim como do presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar Universitário São João, ou o anúncio da saída de Jorge Jesus do Benfica.

“Dizem-me «o político tem o direito de não responder a perguntas». Tem. Faz um comunicado e depois tratamos a informação como entendermos que deve ser tratada”, clarifica o presidente do Sindicato dos Jornalistas.

 

Ameaças menos visíveis

Apesar de todos estes ataques que serviram de base à atribuição da sétima posição a Portugal no ranking da RSF, grande parte dos entrevistados concorda que não são as ameaças mais visíveis que colocam verdadeiramente em causa a liberdade de imprensa e o próprio jornalismo, no país. “Não é por questões episódicas. É por uma questão bastante mais estruturante que põe em causa todo o edifício”, infere Pedro Coelho.

“Para mim, a principal ameaça à liberdade de imprensa não advém, no caso de Portugal, de intromissões políticas, de manietar os jornalistas em termos políticos. Vem, sim, com a concentração de capital, com as condições de trabalho dos jornalistas ou com a degradação [do jornalismo]”, destaca Ricardo Cabral Fernandes, diretor do Setenta e Quatro, ainda que não negue a relevância dos “vários casos de intimidação e mesmo de violência a jornalistas em Portugal nos últimos dois anos”.

Esta ideia é corroborada por Luís Simões, presidente do Sindicato de Jornalistas: “A liberdade de imprensa está de alguma forma ameaçada pela precariedade que vai aumentando de uma forma incrível no jornalismo, pela prática de baixos salários no setor, pelas crises sucessivas que tornam as redações mais curtas”. “Esse é um fator de preocupação, porque esta liberdade, se não cuidarmos dela – e é tempo de pensarmos nisso -, podemos perdê-la. Acho que vivemos num momento de alguma urgência, porque o jornalismo está sob ataque da desinformação e, ao mesmo tempo, está a sofrer com a precariedade, com os baixos salários, que são ameaças sérias à liberdade de imprensa”, completa.

O diretor do Fumaça, Pedro Miguel Santos, acrescenta que também deveriam ter sido tidas em conta, no relatório, questões como “as relações laborais dentro das redações; como é que estão os níveis de precariedade; se os jornalistas têm contratos ou não; se há falsos recibos verdes, demasiados contratos a termos ou estágios remunerados; ou como está o nível de diversidade das redações”.

 

Será possível subir no ranking?

Todas estas ameaças ao jornalismo, que são estruturais, traduzem-se em ameaças à liberdade de imprensa. “É muito bom ver ali Portugal em sétimo lugar, mas temo que se continuarmos a permitir que a crise generalizada do jornalismo aumente, esse sétimo lugar venha por aí abaixo”, declara, receoso, Luís Simões.

Muitos veem, assim, a possibilidade de subirmos posições no ranking com pessimismo. Carla Baptista arrisca-se a dizer que não lhe “parece que isso seja possível”, sendo mais expectável que o medo de Luís Simões se concretize: “O risco maior é o de descermos na tabela”.

Também Manuel Carvalho, diretor do Público, acredita ser “quase um milagre” surgirmos na sétima posição no ranking. “As redações são cada vez mais depauperadas, os jornalistas ganham cada vez pior, os bons jornalistas que têm possibilidades de ir trabalhar para as assessorias da comunicação, compreensivelmente deixam os jornais e isto, evidentemente, enfraquece os media. A partir do momento em que os jornais ficam mais fracos, as condições para exercer verdadeiramente a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão ficam cerceadas”, repara, concluindo: “Isto é um mal que terá custos a prazo e por isso é que acho que estarmos no sítio onde estamos já é uma grande notícia”.

 

Possíveis soluções

Há, porém, quem se atreva a lançar possíveis soluções para melhorar o estado do jornalismo e, por consequência, a saúde da liberdade de imprensa.

“O melhor caminho [a tomar] é a valorização do jornalismo profissional em Portugal que tem que ser feita em várias frentes: laboral, social e legislativa. É preciso que a profissão de jornalista seja mais bem remunerada, valorizada socialmente”, aponta Licínia Girão, presidente da CCJP, explicando que, para isso, “é preciso rever as leis para reforçar, por exemplo, a classificação e diferenciação dos órgãos de informação verdadeiramente jornalísticos”.

Luís Simões acredita que a solução passa por um maior apoio do Estado: “Sendo um pilar da democracia, acredito que o poder político tem de perder o medo de considerar o apoio ao jornalismo como uma tentativa de ingerência e de condicionamento à liberdade de imprensa”.

Contudo, esta ideia não é bem vista por todos, receosos de menor independência e liberdade para exercer a atividade jornalística. “Eu sou completamente contra o apoio direto do Estado aos órgãos de comunicação social. Acho que a comunicação social ou existe por vontade, deliberação e interesse dos cidadãos ou, se é apoiada pelo Estado, torna-se completamente refém. Isso não é a minha ideia de imprensa livre num país democrático e livre”, determina Manuel Carvalho.

Ainda assim, admite existirem “muitos mecanismos de apoio à imprensa que o Estado pode decidir [criar], por via fiscal, sem ter qualquer tipo de ingerência”, colocando “a escolha na mão dos cidadãos”. “Se for o Estado a decidir que dá 100 ao Gerador, 150 ao Público e 200 ao Expresso, acho que isso é o princípio do fim da imprensa livre e sou completamente contra esse tipo de situação”, frisa.

Na mesma linha de ideias, Ricardo Cabral Fernandes – que confessa ter “muito medo da publicidade do Estado”, uma vez que foi, dessa forma que, por exemplo, “numa primeira fase, Víktor Orbán, na Hungria, começou a silenciar os jornais que faziam oposição ou que eram críticos” – sugere: “A mim, parece-me [fazer] mais [sentido] a questão das assinaturas, em que o Estado dá para cada cidadão e o cidadão é que escolhe”.

 

Um relatório mais exato

Esta 20ª edição do Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa, estabelecida pela Repórteres Sem Fronteiras, foi desenvolvida por sete especialistas do setor dos media , nenhum deles português. Talvez por isso, ainda que tenham utilizado os mesmos indicadores – enquadramento jurídico, segurança e contextos político, económico e sociocultural – para todos os países analisados, se fique com a sensação que, ouvindo vários jornalistas nacionais, “a análise do relatório da RSF poderia, certamente, ir mais além”, como propõe Francisco Rui Cádima.

Porém, isto só será possível, no futuro, se existirem mais denúncias da (falta de) saúde do jornalismo, como alerta António Granado: “O que me parece é que há alguns casos que, provavelmente, por culpa dos próprios jornalistas, não são tão falados como deveriam ser e, portanto, a associação que faz o relatório chega à conclusão de que, sim, não há assim muitas queixas”. “Se ninguém se queixa, não há queixas”, conclui.

Deste modo, respeitando um dos deveres dos jornalistas, presente no artigo 14.º do Estatuto do Jornalista, é necessário “repudiar a censura ou outras formas ilegítimas de limitação da liberdade de expressão e do direito de informar, bem como divulgar as condutas atentatórias do exercício destes direitos”. Só assim teremos um retrato fidedigno do que acontece em Portugal e, por consequência, uma verdadeira perceção de como o país se compara com outros.

Nas primeiras dez posições do ranking, surgem a Noruega, Dinamarca, Suécia, Estónia, Finlândia, Irlanda, Portugal, Costa Rica, Lituânia e, por fim, o Liechtenstein. Já os últimos lugares da lista incluem países como a Coreia do Norte – referido como o local com as piores condições de exercício do jornalismo no mundo -, Eritreia, Irão, Turquemenistão, Myanmar, China, Vietname, Cuba, Iraque e Síria.

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