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Da esquerda para a direita: Raye, Sara, Violet Hart e Ayumi Ajax © Fotografia por Cristiana Morais

 

Produzem todo o tipo de conteúdos, desde a nudez à masturbação e cenas de sexo explícito. A maioria interage com os fãs e alimenta os seus desejos sexuais. Cobram por fotos, vídeos e serviços personalizados, numa tendência que tem ganhado expressão também em Portugal. Há cada vez mais jovens a criar conteúdo adulto, em redes por subscrição online. Procuram monetizar, mas também manifestar-se artisticamente e contribuir para a desconstrução de preconceitos relacionados com o corpo e sexualidade.

Não são plataformas destinadas exclusivamente a conteúdo adulto, mas quem o produz encontrou aqui um espaço sem censura para publicar, e rapidamente vídeos e fotos de teor sexual se tornaram a maioria. São redes sociais globais, que funcionam em regime fechado. Os utilizadores pagam para subscrever perfis e os criadores de conteúdos são remunerados pelas plataformas, que ficam com uma percentagem do total dos ganhos. É um negócio com competição à escala global – e um trabalho que, como todos os outros, não está isento de dificuldades.

Violet Hart (nome artístico) produz conteúdos sexualmente explícitos para o OnlyFans, desde o final de 2019. A plataforma começava a ganhar força em Portugal, e a jovem de 24 anos, do Cacém, encontrava nesse espaço uma oportunidade de seguir um interesse antigo. «Esta indústria já está na minha cabeça há muito tempo. Desde muito nova que já era fã da Riley Reid e dessas pornstars todas», conta. «Já as via a viverem uma vida que era uma vida boa, uma vida onde elas estavam satisfeitas com o seu trabalho e continuavam a ter a vida normal.» Decidiu então começar a fazer conteúdos, motivada também pela vontade que tinha de sair da casa dos pais. «Nunca olhei para aquilo como uma coisa errada ou algo a que se torce o nariz. Para mim, sempre foi algo muito natural.»

O número de pessoas que pagam, pelos seus vídeos e fotografias sexualmente explícitos, nunca é fixo. Atualmente, Violet contabiliza entre 50 a 100 subscritores, contudo, ter um número menor de fãs não significa obrigatoriamente estar a alcançar uma menor receita, sendo que os conteúdos sexuais representam a sua principal fonte de rendimento – a jovem está também presente em alguns sites de camming [serviço de streaming, muitas vezes, com teor sexual].

 

DO ERÓTICO AO SEXUALMENTE EXPLÍCITO

 

O Privacy, o Unlock ou o Fansly são outras plataformas que permitem publicar e monetizar com conteúdo de adulto, mas nenhuma alcançou ainda os números recorde do OnlyFans.

De acordo com os números enviados pela plataforma ao Gerador, a rede contava, no ano passado, com mais de 220 milhões de utilizadores em todo o mundo. O site foi criado em 2016, em Londres, para que os influenciadores pudessem ganhar dinheiro através de conteúdos exclusivos. Mas a plataforma acabou por ganhar verdadeira popularidade no segmento do entretenimento adulto. Como não tinha limitações de conteúdo, esses produtores digitais encontraram ali uma forma de vender fotos, vídeos e outros conteúdos, que noutras redes, como Instagram, Facebook ou TikTok, são proibidos.

«Eu crio conteúdo exclusivo, conteúdo que o Instagram não me permite publicar, por causa das regras», partilha Jully Rose, nome que utiliza nas plataformas digitais. «Sempre adorei fotografia, o corpo feminino e arte no geral», conta a produtora de 26 anos, natural de Fátima. Formada em Artes e Design, já tinha sido várias vezes convidada para ser modelo em sessões fotográficas, quando criou uma conta no OnlyFans e no Patreon, no final de 2019, com o objetivo de monetizar o trabalho que já vinha a desenvolver fora dos olhares públicos.

Jully publica conteúdo erótico e em nudez parcial. «Quando contei à minha família, foi um limite que traçámos em conjunto. Também não é da minha essência fazer isso [conteúdos sexualmente explícitos], porque não gosto», clarifica. «Estou em Fátima. Isto aqui já foi tão mau, e só tirava fotos em biquíni e em lingerie, nem imagino alguma coisa mais. Foi um limite traçado que por dinheiro nenhum vou quebrar», explica a jovem, que recusa também todos os pedidos personalizados: «Não faço um conteúdo só para uma pessoa.» Estes são os limites que traçou, e o suficiente, diz, para obter «um valor que, hoje em dia, neste país é acima da média, é bom».

O valor varia consoante os assinantes no momento. «Os [subscritores] de Portugal pagam um mês ou dois e param. Os outros ficam mais tempo», revela. Fixos são cerca de 250, conta a jovem, que subsiste deste trabalho de produção online, apesar de realizar também alguns projetos na área do design, para pequenos negócios.

«Estou em Fátima. Isto aqui já foi tão mau, e só tirava fotos em biquíni e em lingerie, nem imagino alguma coisa mais.»

Jully Rose

Jully Rose © Fotografias por Guilherme Costa

 

Começar a vender conteúdos no OnlyFans é relativamente fácil, num acesso que, supostamente, só é permitido a maiores de 18 anos. É necessário enviar um documento de identificação e uma foto para verificar o perfil. Em seguida, quem optar por ser cria- dor de conteúdo – e não utilizador simples – tem de associar uma conta bancária e determinar um preço de assinatura.

Nesta plataforma, os valores de assinatura variam entre 4,99 e 49,99 $/mês – cobrados e pagos em dólares e sobre os quais podem ainda ser aplicados descontos. São os autores que definem o valor, tanto do que publicam no feed para todos os assinantes, como do que partilham em privado, cobrando valores extra, para satisfazer os pedidos personalizados dos fãs. Oitenta por cento dos ganhos totais são enviados diretamente para a conta do criador de conteúdo, enquanto 20 % são retidos pelo site.

O rendimento que retiram do OnlyFans permitiu a Jorge Tietzen, de 21 anos, e Daniel Almeida, de 22, alugar uma casa em Sesimbra para morarem. São um casal, à frente e fora das câmaras. Começaram a fazer fotos e vídeos juntos há cerca de um ano. Daniel já publicava conteúdos desde 2019, mas, em conjunto com o namorado, a audiência é maior. «Até hoje tenho a minha conta individual, mas com o Jorge atrai muito mais gente, não se compara.» Para Jorge, para além do conteúdo explícito, os subscritores interessam-se também pela «relação amorosa». «As pessoas sentem-se mais envolvidas no relacionamento, porque seguem as redes sociais e depois vão para dentro da nossa plataforma e têm acesso a qualquer tipo de conteúdo não censurado», perceciona. «Se calhar sentem-se mais à vontade vendo um casal do que uma pessoa singular com várias outras pessoas.»

Testemunho Capa – Filipa Combo

Filipa Combo

25 anos
Coimbra

Formada em Design Gráfico, a jovem cria, desde 2021, animações e avatares 3D, que descreve como “sensuais” ou “eróticos”, e que são solicitados pelos seus seguidores através da sua conta no Instagram. Uma das motivações para a criação deste tipo de conteúdo é a “falta de representação da mulher queer como ser sexual no mundo artístico português”, refere. A criadora digital defende que a comunidade é uma minoria com pouca e má representação. “Quando existe uma sexualização do corpo feminino, é muito aos olhos do homem hétero e, portanto, nunca é algo feito por nós, para nós [mulheres queer]”, explica, “quando existe, é sempre algo feito para o outro, para que [nos] veja com outro tipo de olhos”.

A designer gráfica trabalha para a empresa britânica Institute of Digital Fashion e realiza os trabalhos solicitados em regime freelance. Apesar de ter seguidores estrangeiros e solicitações de empresas internacionais, a maior parte dos pedidos que recebe são de membros da comunidade LGBTQI+ portuguesa. “Pedem tudo, mais ou menos, no mesmo registo: algo não muito gráfico, uma vibe mais sexual ou algo mais sensual.”

A criadora digital menciona também que o preço dos seus trabalhos é difícil de definir. Para além das horas e volume de trabalho, a jovem tem também em conta quem faz os pedidos. “Depende muito se é estrangeiro ou de Portugal, porque tenho a perfeita noção de que são orçamentos diferentes que as pessoas têm”, conta. “Para empresas estrangeiras, quando são maiores, com mais budget, e quando noto que as pessoas já têm um following [número de seguidores] maior, já levei 5 mil e 8 mil euros.”

Segundo o casal, decidiram produzir conteúdos como «uma maneira de apimentar as coisas», «um plus» na relação que tinham há cerca de cinco meses. «Nunca pensei que fosse algo que iríamos estar a fazer todos os dias como se fosse um trabalho», garante Jorge. A verdade é que monetizar, com fotos e vídeos onde têm relações sexuais, também permitiu a independência financeira de ambos.

Quando começaram, Daniel vivia a primeira experiência laboral a tempo inteiro. «Era desgastante estar a trabalhar oito horas.» Com a hora de almoço e deslocações, acabava por despender cerca de 11h por dia. Tinha duas folgas semanais separadas, e «o ordenado não era nada de especial», diz. «Estava a perder o meu tempo.» A ida para a faculdade, que na altura era um plano, ficou então em suspenso.

É para os subscritores espalhados por todo o globo, que oscilam entre os 500 e os 800, que o casal tenta publicar diariamente. «As pessoas são muito exigentes. Podem não renovar por não publicarmos todos os dias», explica Daniel. Com o OnlyFans como única fonte de rendimento, garantem ter mais tempo livre e mais liberdade, por não estarem «agarrados a um sítio físico.» Para eles, é uma forma de obter «rendimentos acima da média», já que, no futuro, pensam em abrir um negócio, investindo o dinheiro que estão agora a juntar. «É algo que gostaria mais», assume Jorge.

OnlyFans em 2022

+ de 220 milhões de utilizadores
+ de 3 milhões de criadores de conteúdo
+ de 10 mil milhões de dólares pagos aos criadores desde 2016
Fonte: OnlyFans

 

ACESSIBILIDADE E FINANCIAMENTO: OS FATORES DE MUDANÇA

Durante a pandemia, o OnlyFans assistiu ao mais vertiginoso período de crescimento: de 10 milhões de assinantes, em 2019, passou para cerca de 100 milhões, em 2021, em todo o mundo. Segundo dados oficias, em 2022, contabilizava mais de três milhões de criadores. Entre estes, há quem publique sobre música, fitness e culinária, mas a produção para adultos domina.

Os números não são oficiais, mas dados apontam que as mulheres representam perto de 70 % de todos os criadores de conteúdo, e que ganham em média mais que os homens, que constituem, por sua vez, a maioria dos «utilizadores simples».

Nesta plataforma, encontramos os mais variados perfis: desempregados, pessoas com diferentes profissões à procura de uma renda extra, estudantes que ali encontram uma forma de financiarem os cursos, atores, apresentadores, cantores (como a brasileira Anitta ou o norteamericano Chris Brown), atletas e influencers. Para o sexólogo clínico Rui Carvalho, a acessibilidade a este tipo de carreiras é um fator-chave: «O mais notório é mesmo do ponto de vista de quem agora pode expor e de quem agora pode colocar à disposição e utilizar como forma de financiamento, estas formas de trabalho.»

Um dos desafios que a pornografia atravessou – tal como várias outras indústrias, desde o jornalismo ao mundo cinematográfico e musical – foi perceber como é que podia tornar os conteúdos rentáveis online, explica, por sua vez, Nelson Zagalo, professor da Universidade de Aveiro. «O OnlyFans foi mais uma novidade que apareceu no sentido de tentar de alguma forma permitir às pessoas apresentar os seus conteúdos, e esses conteúdos não serem facilmente lapidáveis», considera. «Não é fácil chegar ali e extrair aquilo tudo e pôr noutro sítio. Esse é um processo mais complicado, o que não quer dizer que não se faça, porque não há nada que seja não-violável na web», sublinha o também investigador na área dos media interativos. Criar um site, afirma, implica desenvolver toda uma estrutura de proteção muito cara e difícil de sustentar, e o OnlyFans vingou como uma forma de garantir que os produtores digitais têm esse retorno – o que não quer dizer que os conteúdos não vão parar, pelas mãos de terceiros, a outros sites.

Esse é o problema da Internet, vaticina, é que qualquer conteúdo lá colocado é «automaticamente copiável e transacionável». «Posso continuar a ser autor e até podem pôr lá o meu nome, mas, se a pessoa precisa de pagar para aceder a ele lo conteúdol. não me vai pagar a mim.»

«A forma que temos (de rentabilizar no online) é criar sistemas onde as pessoas possam pagar um valor mais ou menos comportável, aceitável, para o meio em que está envolvido, para que as pessoas sintam que vale mais pagar aquele X por mês do que ter de andar à procura em sites de segunda e terceira categoria», comenta ainda Nelson Zagalo, acrescentando que há outras estruturas que podem ajudar a financiar a proteção e a garantir o retorno monetário, como a publicidade. Mas a pornografia tem um problema: «A publicidade, de uma forma genérica, não se quer associar à pornografia. Ao não querer associar-se, tem mais dificuldade em garantir retorno. Por isso, a forma de garantir é ter o produto não acessível e fazer com que as pessoas paguem para poder aceder.»

 Em 2021, o OnlyFans anunciou a proibição de conteúdo sexualmente explícito na plataforma, alegando problemas com os parceiros bancários. Mas, após a repercussão negativa da comunidade, a empresa voltou atrás e não aplicou essas restrições.

 

 

OS GATEKEPEERS E AS AGÊNCIAS EMERGENTES

 

Sobre a ideia de democratização da produção e monetização deste tipo de conteúdos, Nelson Zagalo tem algumas reservas. «Quando a Internet apareceu e, mesmo ao fim de uma década, havia essa ideia da democratização, o fim dos gatekeepers [entidades ou pessoas que controlam o acesso e funcionamento de um mercado ou indústria] e todas essas questões, mas isso é apenas meia verdade. Em parte, sim, as redes sociais mudaram drasticamente a forma como os conteúdos circulam e viralizam, mas, na verdade, continuamos a ter muitos gatekeepers, que são as próprias instituições.» Veja-se também, no caso dos sites de conteúdo adulto, a dependência de outras plataformas, como o Twitter, TikTok ou Instagram, para fazer a promoção de vídeos e fotos, mesmo que a publicação de conteúdo explicito aconteça apenas nas redes de acesso fechado.

Mas existem também novos agentes a surgir neste mercado, nomeadamente, managers e várias agências que prestam serviços de marketing e branding. Uma pesquisa rápida na Internet permite-nos chegar a dezenas de empresas, entre elas várias fraudes, que procuram angariar clientes, quase sempre mulheres. prometendo mais resultados para as criadoras digitais. Em troca, cobram uma percentagem dos seus ganhos.

Violet recebe frequentemente propostas de agenciamento. «Há muitas agências que não são reais e há muitos homens a criar agências para tirar vantagem de raparigas», alerta. «Faz parte do teu trabalho também teres o cuidado de ir fazer alguma pesquisa para ver se a agência é real ou não, ver reviews [avaliações], falar com outras pessoas que supostamente também estão agenciadas. Ter aquele cuidado extra para saber que não estamos a entrar numa situação má», sublinha. «Mas normalmente são os criadores que vão contactar as agências.»

Testemunho Capa – Nádia

Nádia/Dirty Diana

22 anos
Coimbra

Nádia trabalha num café, mas, desde 2019, tem vindo a publicar conteúdos no OnlyFans porque não podia postar as sessões fotográficas que fazia no Instagram. Apesar de considerar o contacto direto com o público na plataforma e a possibilidade de criar um portefólio pessoal como vantagens da produção de conteúdos sexuais, a criadora digital descreve uma situação que a deixou desconfortável. “Um rapaz viu-me na rua, reconheceu-me do OnlyFans e tirou-me fotos desprevenida”, conta, “eventualmente, enviou-me as fotos dizendo que gostaria muito de ter tido coragem para falar comigo. Foi só creepy [assustador/esquisito] ele ter tirado fotos.”

A jovem tenta promover a sua segurança, não expondo dados pessoais na Internet e trabalhando com fotógrafos de confiança. Além disso, escolhe usar um nome fictício no OnlyFans. “[Não utilizo o meu nome verdadeiro na plataforma], porque aquela conta não é da Nádia, é da minha persona, do meu alter ego: Dirty Diana.”


 

A POLITIZAÇÃO DO CONTEÚDO ADULTO

Isa Luv, de 36 anos, considera que está a combater os estereótipos hetero e mononormativos da sociedade, através deste trabalho.

Em 2020, por diversão e para «descompressão sexual», começou a publicar fotos na plataforma Reddit, de forma anónima. A boa receção e os muitos seguidores que foram pedindo cada vez mais conteúdos levaram- -na a criar um OnlyFans, nesse mesmo ano.

Na página gratuita que criou, tem cerca de 1 900 fãs. Na página paga, onde monetiza com conteúdos que vão do erótico e nu a alguns atos explícitos, já chegou a ter 500 subscritores, dos mais variados países, como dos Estados Unidos da América, Inglaterra, Austrália, Alemanha, Portugal ao Japão e Costa Rica. Tal como os fãs pagantes, o rendimento é «bastante flutuante». «O ano passado passei recibos verdes no total de 15 mil euros, mas tive meses em que fiz quinhentos, e outros meses em que fiz dois mil.»

Isa Luv, que trabalha também como assistente veterinária, tenta utilizar as várias redes sociais onde está presente também num sentido educativo. «Tento aproveitar a parca exposição e alcance que tenho para iniciar debates e desconstruir preconceitos», diz. Disparidade salarial, objetificação dos corpos, masculinidade tóxica ou poliamor estão entre os temas que já abordou em lives ou posts, a solo, mas também em parcerias com outras entidades e profissionais digitais.

 

«O ano passado passei recibos verdes no total de 15 mil euros, mas tive meses em que fiz quinhentos, e outros meses em que fiz dois mil»

Isa Luv

Isa Luv © Fotografias por Guilherme Costa

 

«Sou artista, sou performer, trabalho com teatro e dança já há bastante tempo, e isso me colocou uma questão que é exibir o meu corpo, que é o corpo gordo»

Andrei Bessa

 

A inclusão e diversidade, no universo da pornografia, foi um dos tópicos num projeto onde reunia performers, fotógrafos e videografos, em lives no Instagram. «Ainda existe algum preconceito», considera a jovem de Lisboa. «Às vezes, quando tento abordar alguns fotógrafos que trabalham na área, basta fazer um scroll nas páginas deles e percebemos que o tipo de corpo é muito semelhante. Não sei se por falta de oferta ou por falta de procura, mas sinto que ainda há um pouco de preconceito em fotografar corpos não tão normativos, não tão dentro dos cânones de beleza que existem hoje na sociedade», menciona. Mas há também mudanças a acontecer: «Agora, as curvas são mais exaltadas, temos artistas conhecidos, como a Lizzo, que vêm trazer uma maior aceitação destes corpos», continua.

Andrei Bessa, de 35 anos, não ganha dinheiro com o conteúdo sexual explícito que publica no Twitter. Natural de Fortaleza, reside em Lisboa há cerca de dois anos. Começou a fazer esse tipo de conteúdo – desde fotos eróticas a vídeos a masturbar-se – durante a pandemia, quando ainda estava no Brasil. Confinado em casa, queria vivenciar experiências sexuais de maneira diferente da que era então permitida. «Sou artista, sou performer, trabalho com teatro e dança já há bastante tempo, e isso me colocou uma questão que é exibir o meu corpo, que é o corpo gordo», partilha. Para ele, ocupar as redes é também um lugar político. «Não é um corpo que vejo frequentemente em estado de prazer, partilhando o seu prazer publicamente», afirma.

Para além disso, considera que «politicamente» as pessoas gays, como ele, tiveram de «abrir mão» da sua sexualidade, para se tentarem enquadrar numa perspetiva normativa: «Nos últimos anos, percebi que havia um moralismo muito grande em torno do que é viver a sexualidade de maneira explícita», argumenta. «Falar sobre sexualidade, já tem muitos anos de incómodo social.»

Andrei Bessa © Fotografias por Guilherme Costa

 

O @doceveludo, como Andrei se apresenta no Twitter, explora esta plataforma como um «espaço de autoprazer». «Gosto muito de explorar alguns elementos de luzes, vídeo, reflexo, espelhos, porque também estou estudando o meu corpo e como ele é visto.» Essa experimentação faz hoje parte da pesquisa cénica que está a desenvolver. «Essa pesquisa não é exatamente pornográfica, mas estou semi-nu num espetáculo [ao vivo].»

Mas a experiência de se apresentar nu em público começou em ambiente artístico. «Desde 2015 que comecei a fazer trabalhos em que fico pelado [nu] em cena e percebo que o meu corpo gordo reage diferente dos corpos de outros performers que trabalhavam comigo, por diversos motivos. Às vezes por muita curiosidade, muito desejo, outras vezes por repulsa», relata. «Percebi que isso era um material que me interessava trabalhar de alguma maneira, mas ainda não trabalhava isso tão conscientemente, quando, em 2020, resolvo fazer materiais sexuais explícitos.»

As dúvidas sobre publicar ou não publicar surgiram várias vezes, todavia, este trabalho permitiu também a Andrei entender que «o que era considerado feio para a sociedade» era uma característica sua: «Comecei a ver beleza nesse corpo, que não é tão normativo.» Isso aumentou a sua autoestima «profundamente».

 

OS JOVENS ESTÃO A MUDAR A MANEIRA COMO SE RELACIONAM COM O CORPO?

 

Aos 18 anos, Isa Luv já queria ser artista pornográfica, mas achava que em Portugal isso não era algo possível. «Sempre me senti exibicionista e isso sempre esteve aqui latente. Até que senti que tinha maturidade e estabilidade emocional e psicológica suficientes para o fazer, e que vinha de um bom lugar e não de um lugar de extrema necessidade ou de pressão», diz, acreditando que esta realidade pode ser diferente para muitas pessoas. «Muitas pessoas começam por causa de dinheiro, acho que a maioria, mas quem fica e os maiores nomes que se vão conhecendo depois são pessoas que fazem isso mesmo por gosto».

Já para o sociólogo Vítor Ferreira – que está interessado em investigar academicamente este tema – existem alguns fatores que podem ajudar a analisar a relação da juventude com a exposição do corpo em público.

O investigador da Universidade de Lisboa realça, primeiro, a valorização social do corpo jovem, na sociedade contemporânea, um fenómeno a que assiste desde os anos 70; depois, e algo mais visível nos dias de hoje, a valorização, por parte dos jovens, do corpo, «enquanto recurso da expressão de si, de uma individualidade e de uma identidade». O corpo, explica, é o primeiro recurso que os jovens têm enquanto propriedade privada, «sobre o qual sentem que têm poder de decisão, mesmo no próprio processo de autonomização relativamente a relações de poder», como com os pais e os professores.

Testemunho Capa – julia

Júlia

19 anos
Lisboa

É estudante e cria conteúdos sexualmente explícitos para o OnlyFans, desde 2021. A criadora digital refere que foi motivada, sobretudo, por questões financeiras. Neste momento, contabiliza cerca de 327 subscritores e um rendimento mensal de cerca de 2300 euros. Júlia conta que tem o apoio do namorado, a única pessoa do seu círculo próximo que sabe que produz conteúdos sexuais. “Tenho vergonha e medo de ser julgada”, diz.

A criadora menciona que recebe pedidos personalizados de “masturbação, anal e joi [jerk off instructions]”, mas recusa pedidos de encontros presenciais por se sentir insegura. Para se certificar de que mantém a sua segurança e privacidade, a jovem subscreve um serviço de proteção de direitos de autor e nunca mostra a cara na totalidade.

Testemunho Capa – Filipe

Filipe (nome artístico)

33 anos

Natural de Torres Novas, Filipe criou conta no OnlyFans há pouco mais de um ano. “Gosto de fazer sexo e gosto de gravar, então juntei o útil ao agradável e assumi a responsabilidade de seguir um sonho que tinha, que era fazer vídeo”, explica.

O falecimento de um amigo próximo, no último ano, fê-lo perceber que “a vida são dois dias” e deu-lhe a confiança de que necessitava para avançar. “Temos de pensar em nós próprios e não no próximo, que é a família, o marido, ou a mulher”, diz. “Não sei o dia de amanhã. Não tenho de pensar no que eles querem ou gostam. Tenho de pensar no que gosto de fazer ou como me sinto bem.”

O jovem, que tem um manager e paga também pela edição dos seus vídeos, garante que “não se ganha fortunas, como toda a gente pensa”, a fazer vídeos sexualmente explícitos. “Já cheguei a ganhar 200, já cheguei a ganhar mil”, clarifica. “Toda a gente pensa que somos ricos, mas ninguém é rico aqui”, garante.

Filipe, que chegou a estudar e trabalhar na área da hotelaria e restauração, está presente na plataforma OnlyFans, mas também noutro tipo de sites pornográficos e ainda aplicações de escorting [trabalho sexual], atividade a que dedica a maior parte do seu tempo.

Atualmente, não tem residência fixa em Portugal e passa várias temporadas fora do país. A mãe não concorda com o que faz, mas aceita. Já o pai “não sabe da missa a metade”. Mas o jovem sublinha: “Não estou a roubar, não estou a matar, não estou a traficar. A única coisa que estou a fazer é com o meu corpo, mas no meu corpo quem manda sou eu. No dia em que for fazer mal a alguém, aí podem levantar-me o dedo.”

 

Sobre a exposição nas redes sociais, Vítor Ferreira considera que, «para além de um acesso muito mais alargado àquilo que são imagens corporais», a novidade está sobretudo nos corpos em causa: «Os corpos que estão expostos não são os corpos das celebridades, da pessoa inatingível que está ali como referência, mas os corpos das amigas, das colegas de escola, são corpos com os quais nós, todos e todas, nos identificamos muito mais facilmente, no sentido de podermos aceder aquele modelo de capital corporal.»

A confluência destes vários processos ajudam-no a interpretar a atividade de produção de conteúdos sexualmente explícitos da atualidade. «Estamos a falar de atividades que colocam o corpo em exposição, nomeadamente, determinado tipo de corpos que tenham um capital de atração relativamente ao mercado. O mercado do consumo de imagens do corpo», sublinha o académico com especialidade em sociologia da cultura, comunicação e educação. «Não estamos a falar de corpos reais, estamos a falar de imagens do corpo, corpos virtuais, e é isso que é consumido nesse tipo de atividade, na qual, ao mesmo tempo, o capital corporal pode ser rentabilizado do ponto de vista do trabalho.»

Por fim, analisa, se, por um lado, nas últimas décadas temos assistido a um «desnudamento progressivo do corpo em praça pública», tanto no espaço físico como online, ao mesmo tempo, assiste-se a «um processo de privatização» do próprio corpo. «Este desnudamento não quer dizer e, pelo contrário, uma maior democracia ao toque do outro», reforça. «Há esta ideia do corpo como propriedade privada em que eu defino as regras do meu próprio corpo, inclusive as regras de quem toca ou não toca e o que quero fazer com ele.» Neste tipo de produção de conteúdo adulto online, acredita, encontramos também estes dois movimentos.

Sara Malcato

sexóloga

«Em termos sociais, existem algumas construções sociais de moralidade, que sempre existiram, mas que vão também mudando com o tempo e com o lugar onde estamos inseridos. Aquilo que era aceitável no século xix, não é o mesmo que é [aceitável] hoje em dia. Temos aqui uma diferenciação daquilo que é moral. Em última análise, somos nós que definimos o que, para nós, é aceitável ou não, partilhar ou não partilhar. Para mim, só é aceitável mostrar, por exemplo, o meu corpo, mas não estar a fazer nada sexual propriamente dito; ou estar a masturbar-me em frente a uma câmara não tem problema nenhum, mas, se calhar, ter relações com outra pessoa já é problemático. Portanto, também são os limites de cada pessoa individualmente.»

 

Marta Crawford

sexóloga

«A primeira coisa que temos de pensar é se isto é feito com a plena consciência do impacto que aqueles conteúdos vão ter para a sua vida e depois a disseminação, que [é algo que] não se consegue controlar. Uma pessoa pode vender, mas depois não sabe onde é que aquilo vai parar. Relativamente aos conteúdos, a partir do momento em que as pessoas tomam a decisão de fazer conteúdos sexuais, não há conteúdos melhores e piores, não há uns mais toleráveis e menos toleráveis. Cada um vai ter de, dentro do tal quadro de consentimento de conteúdo, fazer aquilo que acha que está ao seu alcance, ou que é aceitável para si.»

 

 

FALAMOS DE PORNOGRAFIA?

DE TRABALHO SEXUAL?

 

Para Rui Carvalho, não existe uma resposta linear. De acordo com o especialista, o contraste ou comparação com o trabalho sexual é necessariamente uma definição que tem de ter em conta não só o género, mas também o sexo biológico e as características sexuais secundárias, «porque tudo isso imprime um valor diferente na mentalidade coletiva, na sociedade, na forma como determinados conteúdos são julgados ou avaliados por esta lente comum». Como tal, elucida, dificilmente se estabelecerão linhas claras entre o que são conteúdos sexualizados e conteúdo pornográfico.

Esta é uma fronteira que tem sido esbatida e «se calhar não necessariamente de uma forma negativa», reflete Rui Carvalho. «No limite, há muito marketing, muita divulgação de conteúdos que poderiam encaixar em definições abrangentes de trabalho sexual, se assim fosse. E, portanto, também fica dependente da discussão do próprio conceito de trabalho sexual, da própria desmistificação do que é que significa trabalho sexual. E também abre a porta para a discussão mais ampla da despenalização, da descriminalização do trabalho sexual de uma forma abrangente, para tentar perceber o que é que, do ponto de vista legislativo, está incluído em cada coisa.»

 

Para Vítor Ferreira, «trabalho sexual e trabalho sexualizado são diferentes». Trabalho sexualizado, entende, é um tipo de trabalho ao qual é investido uma conotação erótica, sexual, mas não é um trabalho sexual no sentido em que existem atos sexuais. «Pode nem sequer passar por masturbação, pode ser só trabalho de coreografia», nota. «O que se oferece ao cliente também é uma escolha, e paga-se mais ou menos também pelo tipo de intimidade que se possa oferecer», considera, estabelecendo também essa diferença relativamente à pornografia: «Num filme pornográfico, o produtor do filme e o realizador é que dizem as posições e o próprio tempo, o setting, os atores podem conhecer-se ou não, podem sentir algum tipo de atração ou não, mas é o trabalho de atriz ou ator.» Nas plataformas digitais, entende, isso «é gerível», e acrescenta: «Tenho a certeza de que muitas pessoas não se pensam enquanto atrizes ou atores pornográficos.» A verdade é que, para a maioria dos criadores, o trabalho que desenvolvem não se trata sequer de uma competição às grandes indústrias pornográficas.

«Vejo muitos artistas se apropriando desse espaço da pornografia para produzir seus materiais e, ao mesmo tempo, não querem se contaminar e ficam se afastando», refere Andrei Bessa, que fala num certo julgamento moral. Por outro lado, argumenta: «Percebo algumas pessoas, porque o mercado pornográfico tradicionalmente mainstream, das atrizes, dos atores que têm carreira, das produtoras, muitas vezes, respalda ou mostra uma certa prática de objetificação do corpo, que é problemática.» A subjugação das mulheres ou a objetificação dos corpos racializados são imagens amplamente difundidas neste meio. Na tentativa de se afastarem desse mercado, que «usa corpos de maneiras indevidas ou violentando», explica, há artistas que usam, por exemplo, o termo «pós-porno».

«O que se oferece ao cliente também é uma escolha, e paga-se mais ou menos também pelo tipo de intimidade que se possa oferecer»

Vitor Ferreira

COMO É VISTO O TRABALHO DESTES CRIADORES?

As opiniões quanto à normalização de conteúdos sexuais divergem e surgem condicionadas por diferentes fatores, entre eles, o crescimento de plataformas como o OnlyFans.

Corvus (nome artístico) é de Odivelas, tem 25 anos e é formado em design gráfico. O jovem, que abriu uma conta no OnlyFans em finais de 2018, sente que, antes do surgimento da plataforma, a criação deste tipo de conteúdos se afigurava algo raro e as pessoas que o faziam pareciam não ter um trabalho «normal» ou «comum». Com a proliferação de conteúdos e o crescimento do número de criadores, o seu olhar sobre a criação mudou. «Com o aparecimento do OnlyFans, muita gente começou a fazer [conteúdos sexuais], pessoas que no seu dia a dia têm outros trabalhos e que nunca dirias que viriam a fazer conteúdo», explica, «começaram a surgir bastantes criadores de todas as idades, formas, tamanhos e cores, acho que a normalização vem daí».

«Começaram a surgir bastantes criadores de todas as idades, formas, tamanhos e cores, acho que a normalização vem daí»

Corvus

Corvus © Fotografias por Guilherme Costa

 

A maior exposição do corpo decorrente do uso das redes sociais também pode contribuir para uma maior aceitação. Marta Crawford sustenta que, há alguns anos, a maior parte das pessoas avaliaria a exposição e a criação de conteúdos como algo negativo, mas atualmente demonstram-se mais «permissivas e habituadas» à exposição do corpo. Também Vítor Ferreira acredita que os jovens tendem a possuir uma maior familiaridade com a criação destes conteúdos e a ser menos sancionadores do que as gerações mais velhas.

No entanto, o sociólogo afirma que a exposição continua a ser mais penalizadora para os corpos femininos do que para os corpos masculinos. «Existem razões históricas que têm que ver com a própria valorização do corpo masculino, da sexualidade masculina e da própria ideia de sexualidade na construção da masculinidade, que acaba por permitir que [a exposição e as práticas sexuais sem afetos] sejam legítimas e muito valorizadas e, sobretudo, não serem tão sancionadas como são no corpo feminino», reitera.

Ayumi Ajax (nome artístico), 30 anos, sente que a aceitação social da criação de conteúdos sexuais não se alterou de forma significativa nos últimos dez anos, mesmo com o aparecimento de plataformas como o OnlyFans. Para a criadora de Carcavelos, a maior visibilidade destes conteúdos e plataformas incitam mais a crítica social. «Por haver mais, cria-se também oposição, ou seja, aparecem mais criadores de conteúdos, mas também aparecem mais pessoas que se opõem a isso».

No mesmo sentido, Rui Carvalho julga que se pode estar a verificar uma maior crítica social aos criadores. «Existem grupos em que haverá uma maior sensibilidade, maior aceitação e menor discriminação», diz, «como também me parece que, de uma forma polarizada, também se intensificam os grupos em que os discursos são mais de censura, mais proibitivos, mais de restrição de acesso e de produção».

Testemunho Capa – Patricia

Patrícia

30 anos
Porto

Patrícia abriu uma conta de OnlyFans, no ano passado. Como diz, gosta de criar e partilhar conteúdos considerados sexualmente explícitos. Mas recusa todos os pedidos de vídeos de atos sexuais, em público, ou que mostrem a vulva.

Não nos revelou quantos subscritores tem, mas partilhou que o rendimento, apesar de variar, pode situar-se perto dos 400 euros – um valor que tem vindo a aumentar desde que entrou na plataforma.

A jovem trabalha também como sales assistant e, tanto os colegas de trabalho, como as pessoas do seu círculo próximo sabem que produz conteúdos para adulto na Internet. “Tenho amigos que sempre aprovaram e incentivaram, como tenho outros que desaprovam, mas continuamos amigos na mesma”, refere.

Na plataforma, não usa o nome real, “mas [este] não é um segredo”, explica. “Os meus subscritores sabem o meu nome, porque muitos deles chegaram à minha página pela minha página pessoal de Instagram”. Mas não deixa por isso de promover a sua segurança: “Não aceito marcar qualquer tipo de encontros e nunca revelo a minha morada. Quando me enviam presentes, escolho sempre centros comerciais grandes.”

«Se houver um leak do conteúdo [fuga de conteúdo sem consentimento], odiava que a minha mãe, os meus irmãos ou futuros patrões vissem aquilo. Seria uma sensação horrível.»

Ayumi Ajax

Ayumi é designer gráfica e começou a criar conteúdos em 2021. Mas já publicava fotografias no Instagram. Quando os amigos a encorajaram a publicá-las no OnlyFans, dizia: «Ninguém vai pagar para ver umas mamas, há não sei quantos sites de pornografia gratuita». Quando experimentou, percebeu que os amigos tinham razão.

«Evito que a minha vagina esteja exposta na Internet e o meu ânus também não é exposto», refere. Um dos motivos pelos quais definiu que não iria mostrar os seus genitais no conteúdo que publica, está relacionado com a preocupação que tem com a reação da família e de futuros empregadores. «Se houver um leak do conteúdo [fuga de conteúdo sem consentimento], odiava que a minha mãe, os meus irmãos ou futuros patrões vissem aquilo. Seria uma sensação horrível.»

Os irmãos de Ayumi sabem que produz conteúdos eróticos, como os define, mas nunca contou à mãe. «A minha mãe não compreenderia», explica, «é uma pessoa superaberta, mas tem um limite, até porque haverá alguma estranheza de ser a filha dela.» Quando contou à irmã, confessa que esta foi mais encorajadora e compreensiva do que estava à espera. Já com o irmão, sentiu um certo desconforto. «O minichoque do meu irmão foi não estar à espera, mas, depois, o que pensou, guardou para ele», conta.

Os amigos de Andrei Bessa também sabem que produz conteúdos sexuais, mas a família não tem conhecimento. «Nunca conversei sobre isso com minhas irmãs e não tenho mais mãe, acho também que isso me dá uma liberdade de produzir esse material», explica, «não sei o que as minhas irmãs achariam, nunca pensei muito sobre isso, mas todos somos adultos e tenho plena consciência do que estou fazendo para o meu trabalho e sei o quanto isso me enriquece como pessoa».

 

SUBSCRITORES E PERSONALIZAÇÃO DE CONTEÚDOS

 

Plataformas de criação de conteúdo como o OnlyFans permitem interações como o envio de mensagens diretas, deixar comentários em publicações e a realização de lives e questionários. Estas características permitem um contacto direto e não mediado entre criadores e subscritores, e os primeiros realçam a importância desta interação para ter a opinião dos fãs e manter abertos os canais de comunicação.

Os subscritores de Jorge e Daniel gostam de responder aos inquéritos que os criadores realizam para perceber os seus interesses. «[As pessoas] gostam muito de falar sobre fetiches, sobre o que gostam e não gostam», explica Jorge. É também frequente os subscritores fazerem sugestões para futuros conteúdos ou trocarem mensagens com o casal. «Há pessoas que adoram ficar a falar pela plataforma e pedem-nos para os seguirmos no Instagram», conta, «em termos de mensagens, [as pessoas gostam de] falar normalmente como se nos conhecêssemos».

«[As pessoas] gostam muito de falar sobre fetiches, sobre o que gostam e não gostam»

Jorge

Jorge e Daniel © Fotografias por Guilherme Costa

 

«Já tive conversas muito íntimas, do campo emocional, com subscritores que nada tinham que ver com sexo»

Ayumi Ajax

Ayumi considera importante interagir com os subscritores, visto que estes estão a pagar pelos conteúdos produzidos. «Se pagasse uma subscrição para ter acesso a um conteúdo e a um contacto direto com esse criador, ia querer ter retorno desse criador, por pouco que fosse», sustenta, «acho importante haver essa responsabilidade».

Quando a designer gráfica começou a criar conteúdos eróticos, uma amiga pediu- -lhe para ver que tipo de interações ocorriam na plataforma. Ela começou a ler os comentários e a ver algumas mensagens e disse: «Ah, as pessoas não são assim tão ordinárias nem tão vulgares como estava à espera.» A criadora explica que é comum pensar-se que todas as interações com os subscritores têm um teor sexual, mas confessa que também fala com algumas pessoas como se fossem amigos digitais. «Já tive conversas muito íntimas, do campo emocional, com subscritores que nada tinham que ver com sexo», explica, «mas é quando também já começa a haver uma partilha pessoal do meu lado.».

Como a maior parte da sua audiência é portuguesa, Ayumi acredita que o contacto direto estabelecido na plataforma contribui para a percepção de que criadores e subscritores estão próximos. «Quando uma pessoa subscreve um OnlyFans, à partida é porque tem uma tara ou um fetiche com uma pessoa específica que pode vir a conhecer», menciona, «há aquela coisa de: “Eu posso um dia vir a conhecer esta miúda, esta miúda é real, é do meu país, é da minha cidade, está próxima.” E cria-se esse fetiche.» Marta Crawford reitera que a proximidade faz com que seja possível a identificação dos subscritores com os criadores. «Haver uma resposta e uma proximidade leva-nos, para já, a sentir que temos atenção», começa por explicar, «por outro lado, sentimo-nos próximos também das possibilidades de sermos como as outras pessoas. Não há um endeusamento daquelas figuras, portanto, é uma coisa mais real».

A maior interação entre criadores e subscritores nestas plataformas também possibilita a solicitação de conteúdos personalizados. Desde pedidos de fotografias ou vídeos específicos a videochamadas e sexting, as possibilidades são infindáveis. Jorge e Daniel, por exemplo, já receberam pedidos dos EUA e dos Países Baixos para enviarem a sua roupa interior: «experimentámos, mas por causa dos correios a encomenda nunca chegou a ir para lado nenhum e então desistimos da ideia», contam.

Também é frequente para Violet Hart receber pedidos de conteúdo personalizado, mas neste momento não é comum aceitá-los. «Já tive essa experiência e, neste momento, priorizo muito mais a minha liberdade artística e mesmo profissional de poder fazer aquilo que decido e que vem de mim, e que não seja só estar a satisfazer uma fantasia de alguém, exatamente da maneira que ela pediu.» Já fez fotografias, sexting [troca de mensagens com teor sexual], vídeos e também serviços como girlfriend experience, uma experiência de namorada virtual: «Quando te pagam um valor durante um determinado tempo, tens uma troca mais frequente de mensagens com essa pessoa, como se fosse um parceiro», elucida, «mandas foto do que estás a comer, fazem uma videochamada num dia, coisas assim.»

Quando começou a produzir conteúdos tinha 21 anos. «Não sabia muito bem o que estava a fazer, porque não há um manual que ensine sex work, especialmente online», refere. Os pedidos eram muitos e levaram-na a testar os seus limites: «[Tentei] ver até que ponto me sentia confortável. E foi até um ponto em que liguei a câmera para gravar um vídeo e não conseguia, porque não me sentia confortável a fazer aquilo que me pediram. Era uma cena de dominância, e estava a sentir-me mal em utilizar as palavras específicas que a pessoa me pediu. A partir daí comecei a pensar em filtrar um bocado mais.»

Dentro dos seus limites, Ayumi acede a pedidos personalizados: «Tenho a limitação de não mostrar os genitais, que é o que mais pedem». Por outro lado, explica que há pedidos que são «inocentes» ou simplesmente está disposta a fazê-los. «Já me pediram, por exemplo, para chupar uma banana», exemplifica.

Em 2021, período em que esteve mais ativo no OnlyFans, Corvus recebia muitos pedidos desafiantes. Um subscritor pediu-lhe que fizesse um vídeo de role play [interpretação de papéis] com o seu namorado. «Queria que fosse uma luta de boxe em que depois os rapazes se envolvessem, que houvesse dinâmica romântica, quase amor/hate, mas foi bastante complicado, porque não é nada a que estivesse habituado a fazer, não percebo nada de acting [representação de um papel], não sou bom a fingir.»

Apesar da vasta panóplia de conteúdos que são permitidos no OnlyFans, o site também impõe algumas restrições. Incesto, bestialidade, urina, violência, hardcore bondage, tortura e mutilação genital são alguns dos limites estabelecidos. Isa Luv recebe pedidos de conteúdo personalizado, mas vê-se obrigada a recusá-los por não serem permitidos na plataforma: «golden showers, hidden cameras, ou qualquer tipo de inconsciência – dormir, estar bêbada, etc. –, mesmo sendo a representação desses estados, estando a pessoa na verdade plenamente consciente, não são permitidos pela plataforma, podendo o criador perder a sua conta e qualquer dinheiro que ainda tivesse a retirar».

 

A PROTEÇÃO DA SEGURANÇA E A PRIVACIDADE DOS CRIADORES

Muitos criadores escolhem utilizar nomes fictícios, nunca conhecer presencialmente os fãs ou não mostrar a cara ou alguma parte do corpo que permita a sua identificação. Verónica (nome fictício) tem 43 anos e começou a criar conteúdos sexualmente explícitos, em 2020, para ter mais uma fonte de rendimento para além do seu trabalho: «Como sou rececionista, acabo por ter um emprego em que lido muito com o público e achei que também não devia pôr isso em causa, por isso achei melhor ter um nome fictício.» Para além disso, tenta não gravar a cara para ter «um pouco mais de privacidade» e «não arranjar chatices» decorrentes da sua identificação.

Alguns conteúdos que Corvus produziu, com um amigo, acabaram por ser retirados da plataforma sem o seu consentimento, por alguém que criou um perfil falso de ambos no Porn Hub. «Ficámos os dois com receio e até foi ele que tratou da situação e mandou mensagem à plataforma», partilha o jovem de Odivelas. «Demorou alguns dias, tivemos de comprovar com identificação pessoal que éramos os próprios e que aquele perfil era falso, e tudo o que lá estava nos pertencia». Ambos tentaram «rir-se da situação» e, cerca de uma semana depois, conseguiram que o conteúdo fosse removido.

«Na altura éramos muito jovens. Devia ter 19 anos, e então tinha preocupações que se calhar não tenho hoje, porque já vi que muitas coisas também não são assim tão preocupantes», reflete o jovem, que reconhece que estas situações são um dos riscos associados à produção de conteúdos sexuais. «Não temos controlo, as pessoas podem colocar e dizer o que quiserem sobre nós.» O criador conta que é comum surgirem preocupações relacionadas com a empregabilidade após este tipo de situações, contudo, garante que sempre conseguiu «separar perfeitamente as coisas» e que nunca teve «situações chatas relativamente às pessoas encontrarem qualquer conteúdo na Internet».

Testemunho Capa – Bbyblue Ana

Bbyblue Ana (nome artístico)

23 anos
Lisboa

“Trabalhar na minha autoestima” e “fazer dinheiro”. Foram estes os motivos que levaram Bbyblue Ana a começar a criar conteúdos sexualmente explícitos. Com 65 assinantes, no OnlyFans e Fansly, a jovem retira em média 400 dólares destas plataformas.

A também tatuadora e bartender recusa fazer vídeos a dizer o nome dos subscritores, “por não querer fazer algo tão pessoal e com maior perigo em caso de leak”. E por uma questão de privacidade, usa nestes sites apenas o seu primeiro nome, nunca partilhando a sua localização, nem fotos em espaços públicos identificáveis ou das janelas de casa.

Sobre a aceitação deste tipo de trabalho, afirma: “Toda a gente vê. No entanto, muitos não respeitam sex workers e criadoras de conteúdo.” No seu círculo próximo, isso não acontece. Tem quem aceite e respeite, e até quem a incentive e ajude a continuar. Fá-lo por “dinheiro” e “diversão”, mas também para “diminuir o estigma do sex work e da pornografia ética”.

«A partir do momento em que alguém se sente no direito de copiar e publicar trabalho meu, que tem um custo associado, e sem consentimento, é um roubo»

Isa Luv

«Quando algo é feito sem o nosso consentimento, por norma, incomoda-nos», diz Isa Luv, nome artístico que a criadora escolheu por questões de segurança, branding e marketing. Já viu conteúdo seu retirado do OnlyFans e das suas redes sociais, situação que a incomodou bastante. «O meu trabalho, fruto de horas de planeamento, criação, edição, tem e deve ser remunerado de acordo com os valores por mim estipulados», explica, «a partir do momento em que alguém se sente no direito de copiar e publicar trabalho meu, que tem um custo associado, e sem consentimento, é um roubo».

Jorge e Daniel também já encontraram os seus conteúdos publicados no Twitter, onde o casal coloca material censurado para fazer publicidade à conta no OnlyFans. «Se nos expomos censuradamente nas redes sociais, ninguém tem direito a publicar seja qual for o conteúdo», afirma. «Pagar pelo conteúdo não dá direito a fazer isso.»

Para Violet Hart, a criação de uma persona foi importante para poder delimitar as fronteiras entre a produção de conteúdos e a sua vida pessoal. «[A Violet] é a rapariga que vai dizer que ‘tá horny [excitada] o dia todo e que vai falar sobre anal.» Apesar de sentir que o conteúdo explícito é «muito natural», amplifica traços da sua personalidade para ser mais atrativa. «Quando estou nas redes sociais não sou tão eu, mesmo para me preservar, porque quem falar mal, está a falar mal da Violet, por isso posso deitar-me e dormir bem, que não vai afetar tanto como afetava antigamente, quando ainda mostrava muito de mim.»

Violet Hart © Fotografias por Guilherme Costa

 

A criadora de 24 anos escolheu um nome artístico também por questões familiares. Tem uma irmã mais nova e acredita que um nome fictício pode salvaguardá-la de possíveis associações. «A Internet é grande, apesar de Portugal ser pequeno, e chegar ao Violet Hart é um bocadinho mais difícil do que chegar ao meu real name, até porque tenho um real name que é assim superfácil de identificar, porque é superúnico.»

«No último ano, pegou uma moda de novos subscritores mandarem mensagem a dizer: “Eu conheço-te, conheço-te bem, conheço-te pessoalmente”. Inclusive dizem o meu nome verdadeiro, mas nunca dizendo quem são», conta Ayumi que, apesar do tom «ameaçador» dessas palavras, nunca temeu pela sua segurança física. «À partida, se está a falar comigo por esta via, é porque não tem contacto comigo por uma via normal, ou seja, não tem o meu número, não sabe onde moro», conta. «Estão longe de mim ao ponto de me poder sentir segura fisicamente.»

UM TRABALHO SEM ILUSÕES

É frequente a criação de conteúdo adulto ser percepcionada como uma atividade que não requer grande esforço e com a qual se consegue lucrar facilmente. Os criadores pintam um cenário diferente, num mercado em que a competição é global.

Regra geral, os produtores de conteúdo do OnlyFans necessitam de se publicitar noutras redes sociais para atrair mais fãs. Se os criadores possuírem um número reduzido de seguidores nas redes sociais abertas é difícil conseguir novos subscritores. Porém, devido às restrições dessas outras plataformas, como Facebook e Instagram, é frequente verem as suas contas eliminadas, pela publicação de conteúdos considerados impróprios. «Daí utilizar muito o Twitter, porque é uma plataforma que deixa publicitar certo tipo de conteúdo», menciona Jully Rose.

Por outro lado, Isa Luv destaca também a consistência necessária para que se tenha melhores resultados. A criadora diz sentir uma «necessidade constante de inovação» para não parecer que está a «repetir fórmulas». E frisa ainda que, apesar da criação de conteúdos ser uma área na qual é fácil entrar, é difícil continuar e manter o ritmo. «Estima-se que a maior parte das criadoras de conteúdo fique na área seis meses.» As razões para o abandono são múltiplas e a saúde mental é uma delas, «seja porque é desgastante a nível emocional, seja porque alguém descobriu», clarifica.

Andrei Bessa conhece vários criadores que abandonaram a atividade e apagaram os seus conteúdos porque membros da família descobriram, ou porque começaram um relacionamento. O criador digital começou a publicar conteúdos quando tinha já 32 anos e demonstra-se preocupado com a possibilidade de criadores mais jovens se virem a arrepender dos conteúdos que publicam. «Às vezes, isso me assusta. Vejo pessoas jovens, de 20 anos, expondo seus materiais na Internet com tanta tranquilidade. Eu fiz isso depois de uma certa maturidade», conta, «então tenho mais consciência de como isso pode ser prejudicial na minha carreira e na minha vida».

«A gente vai começar a discutir daqui a pouco a memória desses materiais, porque as fotos e os vídeos, ainda que se apaguem, vão ficar por aí [na Internet]. Sei que mesmo que apague esses materiais, não estou mais no controlo. Mas é uma discussão que acho que a gente ainda não consegue ter, porque vai ser sobre longo prazo», defende Andrei Bessa.

 

CRIAÇÃO DE CONTEÚDOS: UM TRABALHO A LONGO PRAZO?

Vários produtores digitais veem a criação de conteúdo adulto apenas como um trabalho temporário, uma forma de conseguir rendimentos extra ou apenas como um hobby.

Isa Luv acredita que é possível produzir conteúdos a tempo inteiro. «[É possível] se formos assíduos na publicação, se cumprirmos horários, se conseguirmos fazer e estruturar isto como outro trabalho qualquer, sendo necessário um certo fator de diferenciação e tentando expandir um pouco o mercado, para além das fronteiras de Portugal», explica, reforçando ainda a importância de fazer descontos: «Se quero ter uma reforma, vou ter de descontar para a Segurança Social».

Para o futuro, Violet Hart desenha diferentes cenários: imagina-se a produzir conteúdos até ter 40 anos, até ao momento em que decida ter um filho, ou até decidir investir noutras áreas. «A partir do momento em que tiver outros negócios, com os quais possa ter rendimentos, aí sim, vou pensar outra vez se quero continuar a fazer isto, se ainda me satisfaz», define. «Posso acordar amanhã, e isto já não fazer sentido para mim.» Até lá, a jovem não tenciona parar.

Já Corvus dá prioridade à ilustração, a sua área de expressão artística principal, mas também não tem planos de deixar de produzir conteúdo. «Sinto que neste momento me faz sentido ainda, até porque sou jovem. Tenho de aproveitar o máximo do que posso», refere. «Tenho noção de que vai haver um ponto em que vou dizer que já não me apetece ou que já estou cansado disto, que não tenho idade ou energia.» O jovem de 25 anos quer também continuar a contribuir para a normalização deste trabalho. «Quero aproveitar o meu corpo e a minha juventude para mostrar aos outros que as coisas são okay e que não há problema nenhum em ser criador de conteúdos ou fazer sex work, e de mostrar o corpo, desde que se tenha sempre noção dos riscos que isso pode acarretar para a vida.»

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