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No início do ano, o Papa Francisco, convidando à oração, pediu que as paróquias abrissem as suas portas a todos, especialmente aos excluídos. As portas estão abertas, sim, mas será que todos são aceites quando entram? «A Igreja são as pessoas», ouvimos muito esta frase. São, de facto, as pessoas que abrem ou fecham estas portas, mas sem regra aparente. De norte a sul do país, a experiência muda: depende dos dias, dos padres e das pessoas que se cruzam na entrada.

O «Relatório Pride 2023» registou que, em Portugal, a comunidade promotora do discurso LGBTQIA+ nas redes sociais caiu 12,05 %, enquanto a detratora aumentou 184,85 % entre 2019 e 2022. Segundo o documento, elaborado pela empresa de consultoria LLYC e que analisou quase 34 mil mensagens em Portugal, uma das principais narrativas promovidas no país está ligada à luta contra a homofobia internalizada na Igreja Católica.

Para esta reportagem, foram entrevistadas nove pessoas de várias faixas etárias e de diversas regiões de Portugal. Cada uma delas traz uma experiência diferente no que toca ao acolhimento de pessoas LGBTQIA+ na Igreja Católica portuguesa, a principal religião no país em número de fiéis – 80,2 % da população, de acordo com os Censos de 2021.

 

 

«Nunca achei que estivesse a prevaricar ou a fazer mal a ninguém»

 

Aníbal Neves cresceu numa família católica tradicional, em Vila Real. Aos sábados, ia-se à catequese de manhã e à missa ao meio-dia, sem falhar. O tio era sacerdote e o irmão mais novo andava pelo jardim a fazer procissões, enquanto dizia que queria ser bispo.

Atualmente, aos 62 anos, Aníbal mora na cidade do Porto, onde nos encontrámos pessoalmente em maio último, depois de muitos telefonemas. «Há dez anos, esta entrevista teria sido anónima», ressalva. Ele explica que, no passado, aceitou dar uma entrevista sobre o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, mas falou de costas para a câmara. Há cerca de uma década, Aníbal deixou de sentir o peso do pecado nele impingido desde criança e, aos 50 anos, encerrou o longo período em que se sentia errado por ser homossexual.

Foi por volta dos 13 anos que começou a perceber a sua homossexualidade. Mas até 1982, quando Aníbal já tinha 21 anos, ser homossexual era crime em Portugal, com penas até seis anos de internamento em manicómio criminal ou em colónia penal ou de trabalho.

«Quando era mais novo, lembro-me de ter uma ideia muito má sobre a homossexualidade, que era pecado. Aliás, lembro-me até de que, depois do 25 de Abril, o meu pai comprou uma daquelas enciclopédias Verbo. Quando a recebi, lembro-me de que uma das primeiras coisas que procurei foi “homossexualidade”. O que li era muito negativo. Qualquer coisa como: “depravação completa de gente doente”, mas eu não me sentia nada disso.» Nisto, Aníbal continuou a frequentar a igreja enquanto mantinha a sua orientação sexual fechada numa caixa, que só muito mais tarde voltou a abrir.

© Ana Narciso

 

Zé Diogo David é da mesma geração de Aníbal. Tem 58 anos, vive no Porto desde sempre e, por lá, foi também vendo tudo a acontecer. Tinha 18 anos em 1982, mas diz que a despenalização da homossexualidade em nada influenciou a forma como vivia por ser uma pessoa bastante discreta. «Eu nunca disse a ninguém diretamente quais eram as minhas opções sexuais. Isso só me diz respeito da minha porta para dentro. Tento ser coerente sem chocar ninguém.»

Sempre ligado à Igreja, Zé Diogo preferiu manter o silêncio – não misturar a religião com a sua vida privada. Afirma que não sentiu necessidade de se afastar: «Fiz a minha autoavaliação e mantive o silêncio. Nunca achei que estivesse a prevaricar ou a fazer mal a ninguém.»1

Do outro lado, é recorrente ouvir que «a homossexualidade é um pecado» e, por isso, «homossexuais não podem ser aceites na Igreja». Contudo, não é bem isso que o Catecismo da Igreja Católica1, documento de referência para o ensino da doutrina, expressa. «[As pessoas homossexuais] devem ser acolhidos com respeito, compaixão e delicadeza. Evitar-se-á, em relação a eles, qualquer sinal de discriminação injusta», consta no número 2358 do Catecismo da Igreja Católica.

© Ana Narciso

 

O mesmo documento, no entanto, afirma que: «Apoiando-se na Sagrada Escritura, que os apresenta como depravações graves, a Tradição sempre declarou que «os atos de homossexualidade são intrinsecamente desordenados». São contrários à lei natural, fecham o ato sexual ao dom da vida, não procedem duma verdadeira complementaridade afetiva sexual, não podem, em caso algum, ser aprovados» (número 2357 do Catecismo da Igreja Católica).

Lê-se ainda, no Catecismo, que «as pessoas homossexuais são chamadas à castidade». Percebe-se então que, segundo a Igreja Católica, o pecado não está propriamente na homossexualidade em si, mas sim nos atos. Desde que mantenham a castidade, todos podem ser aceites e devem ser respeitados. Agora, até que ponto isto é aceitável para estes católicos?

«De forma geral, não me considero pecador. Nada do que faço é pecado mortal ou para prejudicar alguém. Mas não é pelo facto de ser como sou que sou pecador», defende Zé Diogo. Ele acrescenta que isto será tudo uma questão de tempo e que é preciso haver paciência e compreensão pelo outro, mesmo se intolerantes. «Há que saber acolhê-los [as pessoas homofóbicas na Igreja], apesar de tudo, e desculpar aquilo que às vezes dizem. Se eu sei acolher uns, também tenho de saber acolher os outros.»

Zé Diogo nunca se sentiu melindrado por nenhum comentário, nem foi atacado diretamente na Igreja. Reconhece que não é o caso de todos os fiéis e que, talvez, apenas tenha esta posição mais compreensiva por isso mesmo.

Já o Aníbal, apesar de também tentar compreender o outro lado, teve algumas experiências más no que toca à confissão.

Nos mais de 50 anos em que escondeu a sua orientação sexual, confessava-se longe da sua paróquia para não correr o risco de ser reconhecido. Escolhia a cidade de Fátima, onde ia todos os anos em maio, na altura das peregrinações. No rol dos pecados, costumava incluir ser homossexual e recebia sempre a absolvição. Certa vez, um sacerdote recusou a indulgência quando Aníbal revelou ser homossexual. «Saí de lá completamente destroçado. Ele perguntou-me se eu me arrependia [de ser homossexual] e eu disse que não. E, por isso, recusou absolver-me.»

É verdade que, para haver uma absolvição segundo a doutrina Católica, tem de haver arrependimento. Mas Aníbal mostra que há outras formas de receber as pessoas: «Passado uns tempos, voltei lá, à Capela da Reconciliação. Desta vez, calhou-me um padre brasileiro e contei-lhe tudo. Ele ouviu e falou com muita empatia. Acabámos os dois de mãos dadas a chorar. Tudo o que ouvi foi reconfortante.»

 

«O pecado sexual tanto é aplicado a pessoas homossexuais como a pessoas heterossexuais. Se Deus é amor e se eu amo uma pessoa, onde está o pecado?

Aníbal Neves

 

Mas esta forma de pensar e de se ver a si próprio apenas surgiu em 2013, quando começou a frequentar um grupo de reflexão composto por católicos homossexuais na cidade do Porto. Foi só aí que deixou de abordar o assunto da homossexualidade quando se ia confessar. Até esse momento, achava que vivia em pecado. Com a ajuda de outros membros do grupo, incluindo um rapaz licenciado em teologia, percebeu que não havia na Bíblia qualquer referência à homossexualidade, mas a situações de depravação.

Hoje, existem várias associações e movimentos de católicos LGBTQIA+ espalhados pelo país, entre eles: a Rumos Novos, maioritariamente em Lisboa; a Caminhar na Diversidade (CaDiv), no Porto; e o movimento Sopro sem sede e com membros espalhados por diversos concelhos em Portugal. Aníbal tornou-se num exemplo para a comunidade católica LGBTQIA+. É hoje o presidente da CaDiv enquanto integra também o movimento Sopro. Zé Diogo também pertence a ambos: «Sinto que tenho ali uma comunidade que partilha e usufrui da mesma posição que eu. Temos realidades similares e sinto-me à vontade por isso. Eu nunca senti a minha relação com a Igreja posta em questão por causa da minha realidade, mas é bom saber que posso ajudar os outros com a minha história. [A CaDiv] é boa para quem se sente desprotegido. Tem aqui uma fonte de apoio. Mas o objetivo é um dia deixarem de ser necessárias estas associações.»

 


1

O Catecismo da Igreja Católica é o documento que sintetiza todos os elementos essenciais e fundamentais da fé da Igreja. Foi promulgado em 1992, pelo Papa João Paulo II.

 

Catarina ficou para «evoluir por dentro»

 

«Eu já marchava pela comunidade [LGBTQIA+] antes de perceber que fazia parte dela.» Esta será a frase que melhor apresenta a Catarina Barbosa, que nasceu em Braga há 27 anos.
Recebeu-nos em casa, no Porto, numa sala onde as paredes estavam revestidas de quadros com mensagens de luta por igualdade e liberdade.

Começou por ser catequista aos 15 anos e foi aí que começou a fazer o seu trabalho de «evoluir por dentro». «A forma como se dava a catequese era antiquada e não estava direcionada para crianças. Eu e os meus colegas começámos a abrir mais a conversa.» Naquelas sessões falava-se sobre tudo, incluindo sobre sexualidade e identidade de género, e as crianças tinham sempre muitas perguntas. A mensagem principal a transmitir era que Deus é amor, independentemente de tudo.

«Eu cresci numa família onde sempre fomos aceites por aquilo que somos. Fomos educados a respeitar as outras pessoas, sempre com grande abertura. A nossa educação na Igreja foi baseada no amor, por isso, amar o outro e amar a Deus nunca foi incompatível para nós.»

© Ana Narciso

 

Catarina é pansexual e demisexual embora ressalte que não se limita por rótulos. Também nunca fez um coming out, o momento em que assume publicamente a sua opção sexual ou identidade de género: «Não achei necessário para mim. Se fosse heterossexual, não teria de sentar a minha família para dizer que gostava de homens. Percebo que faça sentido para algumas pessoas ou famílias. Mas para mim não.»

A ex-catequista diz nunca ter ouvido nada negativo relacionado com a sua sexualidade dentro da Igreja, mas também nunca falou da sua sexualidade no momento de confissão: «Não me considero pecadora. Para mim, qualquer tipo de amor é um símbolo de Deus na terra. Se Deus nos criou a todos, criou-nos assim. Se pertencer à comunidade LGBTQIA+ não for “natural”, então Deus não é perfeito, simples.»

 

Bênçãos a casamentos homossexuais? Sim, não, nunca, talvez, hum, depende…

 

Existem sete sacramentos na Igreja Católica: batismo, confirmação (crisma), penitência (confissão), eucaristia, ordenação, matrimónio e unção dos enfermos (extrema-unção). Estes sacramentos são ritos que simbolizam momentos de comunhão e confirmação da fé em Deus e estão na base do exercício religioso católico.

Mas, atualmente, todos os católicos LGBTQIA+ têm acesso aos sacramentos? Depende.

Em geral, o batismo está acessível a todos, tal como a penitência, desde que se arrependam dos seus pecados. A Eucaristia também (isto se um grupo de católicos ultraconservadores não invadir a missa como aconteceu nas Jornadas Mundiais da Juventude, mas já lá iremos). Um homem homossexual pode ser padre (ordenação) se omitir a informação, mas não pode casar com outro homem pela Igreja. Há casos de pessoas trans que escondem o seu processo de transição e, por não ser comum haver uma inspeção, conseguem celebrar o matrimónio, desde que seja com alguém do sexo oposto.

© Ana Narciso

 

Hoje, a luta da comunidade LGBTQIA+ não se foca no sacramento do matrimónio, mas somente na possibilidade de ter uma bênção. Ou seja, uma pequena missa que não é considerada um sacramento. «Uma bênção, antes de mais, é dar graças a Deus por algo positivo. Uma bênção LGBT significa reconhecer que este amor é uma bênção de Deus. Nada tem que ver com o sacramento do matrimónio. Isso a Igreja nunca irá aceitar, evidentemente», explica José Pacheco, que é padre no Porto.

O sacerdote tem 79 anos e tem vindo a dedicar o seu tempo ao estudo das questões homossexuais na Igreja. É reconhecido como um padre que está ao lado da comunidade, seja através de grupos como a CaDiv e o Sopro, ou oferecendo a possibilidade de celebrar estas bênçãos. José Pacheco explica que «a única coisa que se pede nestas bênçãos é que um casal, casado pelo civil, possa ter um momento de oração para dar graças a Deus por este amor que une duas pessoas. Assumir que este amor não é negativo.»

Mas negativo foi o Vaticano, num documento divulgado em fevereiro de 2021, em resposta à pergunta: «A Igreja dispõe do poder de abençoar as uniões de pessoas do mesmo sexo?»

A questão das bênçãos não é nova. José Pacheco diz ouvir esta discussão há mais de 20 anos, quando revistas católicas começaram também a abordar o tema.

A questão é levantada novamente pelo facto de a Igreja alemã ter aprovado neste ano a bênção para casais homossexuais, mesmo depois da resposta negativa do Papa Francisco. Segundo José Pacheco, a Igreja alemã não poderá aprovar algo tão estrutural sozinha, pois acarreta o perigo de uma cisão na Igreja universal. Ao ser questionado se existe uma opinião oficial da Igreja institucional católica portuguesa sobre o tema, o padre diz que não, mas se existisse era claramente negativa. Para ele, nada faz prever que, a curto prazo, os bispos tomem uma posição em relação a estas bênçãos. É possível que mais depressa se possa ordenar homens casados ou permitir que as mulheres sejam diaconisas.

Tiago Costa, de 27 anos, casou pelo registo civil com Bruno e, depois, pediram uma destas bênçãos católicas. «Foi apenas uma missa de ação de graças, inserida na cerimónia do nosso casamento. Celebrar o nosso amor seria também celebrar o nosso amor com Deus.»

«A Igreja é feita de homens, que erram, que têm opiniões e visões diferentes. Existe uma história muito longa para trás. Claro que nem sempre tive esta clareza. Claro que não foi fácil, mas acho que, de alguma forma, fui tentando serenar sabendo que sempre me senti muito amado por Deus. Não me acho pecador porque amar não é pecado.»

 

«[…] Não é lícito conceder uma bênção a relações, ou mesmo a parcerias estáveis, que implicam uma prática sexual fora do matrimônio (ou seja, fora da união indissolúvel de um homem e uma mulher, aberta por si à transmissão da vida), como é o caso das uniões entre pessoas do mesmo sexo. […]
Além disso, já que as bênçãos sobre as pessoas possuem uma relação com os sacramentos, a bênção das uniões homossexuais não pode ser considerada lícita, enquanto constituiria de certo modo uma imitação ou uma referência de analogia à bênção nupcial, invocada sobre o homem e a mulher que se unem no sacramento do Matrimônio, dado que «não existe fundamento algum para assimilar ou estabelecer analogias, nem sequer remotas, entre as uniões homossexuais e o desígnio de Deus sobre o matrimônio e a família».

em Responsum da Congregação para a Doutrina da Fé a um dubium sobre a bênção de uniões de pessoas do mesmo sexo, a 22 de fevereiro de 2021

 

© Ana Narciso

 

Ana Carvalho, de 50 anos, também teve uma bênção quando casou com uma mulher: «Mesmo não sendo um sacramento, a bênção fazia sentido para mim como o momento em que me entrego a outra pessoa e peço a ajuda do Espírito Santo neste caminho. Esta bênção surgiu ao final de 17 anos juntas, por isso, não foi pela festa», ri-se.

No Sacramento do Batismo, uma limitação é expressa no papel, mais concretamente na certidão de batismo. Aqui, qualquer criança pode ser batizada, mesmo sendo filha de um casal homossexual. Contudo, o documento tem um espaço reservado para a assinatura da mãe e outro para a do pai. Assim, com duas mães ou dois pais a regra define que apenas um assine. Neste caso, as regras da Igreja sobrepõem-se à lei do Estado, e este não é o único exemplo.

 

Há quem nunca vá morrer, segundo a Igreja

 

Com cinco anos, Rodrigo (nome fictício) disse à mãe que era um rapaz. Teresa (nome fictício), que é católica, aceitou-o imediatamente e, desde esse dia, o seu nome passou a ser Rodrigo.

«Nessa altura estava um pouco afastada da Igreja, por questões pessoais. E nunca, durante este processo todo, me questionei em relação a Deus, porque, para mim, Deus aceita toda a gente, seja quem for.»

O início do processo de Rodrigo coincidiu com os primeiros contactos com a religião católica. Ele quis entrar nos escuteiros e, para tal, tinha de ir à missa e à catequese. Com o contacto mais próximo do filho, Teresa acabou por se aproximar mais da sua fé também, indo à igreja e à missa.

Até aqui não houve qualquer problema entre a Igreja e o Rodrigo: «Ele sempre foi tratado pelo nome que quis desde o início. Nunca houve questão nenhuma, nem na escola, nem na catequese, nem na Igreja. Era o nome pelo qual ele pediu para ser tratado, e foi assim que nós fizemos o percurso todo», relata Teresa.

Rodrigo foi batizado na mesma altura, já com os seus seis anos. O batizado foi registado com o nome da nascença, tudo certo, segundo Teresa, visto que o nome não podia ainda ser alterado nos registos civis.

No dia do batizado, Rodrigo vestiu a sua melhor fatiota, mas nos bancos da igreja ouvia-se murmurinhos entre as pessoas que assistiam: «Como é possível uma menina ir ao altar vestida de menino?»

Teresa diz não ter percebido aqueles comentários, pois, não há muito tempo, tanto as meninas como os meninos eram batizados de vestidos compridos. Rodrigo nunca vestia roupas «femininas», por isso, não fazia sentido vesti-las apenas porque ia ser batizado. Nem tão-pouco o padre apresentou objeções.

Tudo correu bem dos seis aos dezasseis anos, Rodrigo ia à missa, à catequese e aos escuteiros sem que houvesse qualquer problema por parte do padre ou dos membros dos escuteiros. Mas, quando fez os dezasseis anos, Rodrigo mudou legalmente de nome no Instituto dos Registos e Notariado.
«Ele quis fazer a alteração do nome nos registos da Igreja, visto que, legalmente, já não tinha o nome de nascença. Foi aí que iniciou o processo de querer falar com o padre para fazer esse pedido. Da parte dos escuteiros, houve ali uma fase um bocadinho de “vamos ou não continuar cá com ele?”. Após várias reuniões, veio a resposta do Corpo Nacional de Escutas (CNE) para que ele continuasse. Tanto que fez a última promessa, a de caminheiro, já com o nome alterado. «Deixaram-no ficar para fazer o percurso normal, mas nunca poderia iniciar o percurso como chefe, porque esta questão da transexualidade não segue as regras da Igreja. E quem não segue as regras da Igreja, não pode dar ensinamentos a outros jovens», relembra a mãe.

Quando se dirigiu à paróquia para fazer o pedido de mudança de nome nos registos, pareceu que o padre só teve conhecimento da sua transsexualidade naquela altura. Tanto é que disse a Rodrigo que, se soubesse há mais tempo, o tinha levado para um retiro. «Não sei qual era a intenção dele de o levar para um retiro, talvez fosse a de tentar perceber a situação do meu filho, não quero pensar que fosse para fazê-lo mudar de ideias», analisa Teresa.

Quanto à comunhão, o padre disse que Rodrigo poderia continuar a comungar, desde que se confessasse e assumisse como pecador. «O meu filho não se sente como pecador, portanto não tem de se assumir como tal. Na altura, tomou a decisão de continuar a ir à missa sem comungar. E, como mãe, isso doeu-me muito. Tanto que, para mim, a partir dessa altura, entrar dentro de uma igreja tornou-se numa mágoa muito grande. Sentir que o meu filho foi rejeitado como um pecador, faz-me sentir também pecadora, porque sempre acompanhei o meu filho neste processo, sempre o apoiei. Se ele é pecador, então eu sou mais ainda.»

Depois de ver o pedido de atualização de nome recusado pelo padre, Rodrigo enviou um requerimento ao patriarcado e recebeu uma nova recusa. Lê-se na carta enviada como resposta que «um registo paroquial de batismo […] é considerado uma ata, isto é, um documento histórico que faz fé de um acontecimento real do passado. […] Por esta razão, os registos de batismo não podem ser apagados nem alterados. […] A possibilidade de alterar o nome no registo civil, prevista no ordenamento jurídico português, não é por isso comparável à alteração do registo de batismo. […] Pelo contrário, o registo de batismo tem como principal objetivo servir de ata de um acontecimento histórico […]. Nesta Carta [da Consegração da Doutrina da Fé enviada aos presidentes das Conferências Episcopais a 28/09/2002], o então cardeal prefeito explicitava que, tendo em conta que a mudança de identidade civil por parte de um fiel “não modifica a sua condição canónica masculina ou feminina, definida no momento do seu nascimento, não é possível fazer qualquer mudança no Registo de Batismo no que diz respeito à sua identidade sexual depois de ter realizado a intervenção médica de mudança de sexo».

Na resposta, acrescentam ainda que o Rodrigo deveria enviar uma nota da sua transexualidade e mudança de nome para ser anotado e guardado junto ao registo de batismo, mas sem alterar o tal «documento histórico».

Na legislação portuguesa, as entidades privadas têm de cumprir a lei da não-discriminação contra pessoas LGBTQIA+, bem como que as entidades públicas devem garantir que esta é cumprida. É o que diz a Lei n.º 38/2018 de 7 de agosto, que trata do Direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e à proteção das características sexuais de cada pessoa, no seu Artigo 2º. Assim, se no Instituto de Registos e Notariado se apagam quaisquer registos do nome de nascença quando se procede à alteração do nome, a Igreja revela-se como uma exceção.

«A questão que faço à Igreja é: o que é que acontece aos registos destas pessoas, os nomes antigos, essas pessoas nunca vão ter o sacramento do óbito? São pessoas que vão existir sempre, nunca vão morrer, portanto, vão virar santas? Porque quando há um óbito, quando há um registo, aquela pessoa faleceu e acabou. Agora, estes jovens que fizeram batismo, e fizeram essas coisas todas, vão viver eternamente? Não é só o meu filho, outros jovens com quem falo, se quiserem casar pela Igreja, vão mentir. Dizem que não são batizados e vão fazer o batismo e as coisas todas novamente. Não sei se será a ideia dele daqui a uns anos, mas é o que ele e outros jovens me dizem.»

Teresa conta ainda que sabe de casos de pessoas transexuais que casaram pela Igreja e conseguiram ter estes registos alterados, por isso mesmo ainda não desistiu. «Isto vai da mentalidade de cada pessoa, vai do padre, do bispo, de quem estiver ali naquele local naquele dia. A decisão é feita conforme cada um. Não me parece justo.»

Com tudo isto, Teresa está neste momento afastada da Igreja, tal como o filho: «Sou católica, acredito em Deus, mas não acredito nas pessoas que constituem a Igreja. Deus disse para aceitarmos todos, e as pessoas que estão dentro da Igreja não o fazem.»

Como protesto a todo este processo, Rodrigo quis renunciar à fé cristã. Mas, até para isso, teria de assinar com o seu nome de nascença.

Como a comunidade católica recebe as pessoas LGBTQIA+?

Mas também…

 

 

 

Um Jesus Cristo queer e igualitário

 

Rafaela Jacinto estudou História e Cultura das Religiões com as vertentes de História do Cristianismo Antigo e Medieval, Moderno e Contemporâneo. As conclusões que foi tirando ao longo dos seus estudos são suficientes para chocar um católico mais conservador. «Fui estudar e percebi que, no Cristianismo Antigo, o das catacumbas, havia diaconisas, que as mulheres davam a missa. Havia uma ideia de comunidade e de proteção muito grande, e era tudo vivido em uníssono em prol da figura que é Cristo.»

É também formada em teologia feminista e queer, «um termo inaugurado nas teologias da libertação e resgatado por Teresa Forcades, uma monja benedita que está num Mosteiro em Barcelona», esclarece. Teresa Forcades propõe uma releitura da Bíblia à procura do lugar da mulher. E defende que este lugar é, na verdade, equivalente ao do homem.

«É importante relembrar que a Bíblia foi escrita por homens num contexto muito específico. Inspiração divina? Sim. Mas os homens também têm falhas, erros, falta de empatia. É um contexto muito específico. Nós não podemos trazer a Bíblia para 2023 e seguir o que lá está, letra a letra. Cristo não escreveu a Bíblia, ele disse coisas que alguém apanhou e escreveu. Uma coisa que ela [Teresa Forcades] diz muito tem a ver também com as traduções da Bíblia — a tradução do grego já não te diz no Levítico que a homossexualidade é errada. Aborda antes a questão da pedofilia.»

© Ana Narciso

 

Rafaela especializou-se em Joana D’Arc, que foi canonizada 500 anos depois da sua morte pela mesma Igreja que antes a tinha condenado à fogueira. «Ela começou a usar calças, cortou o cabelo e dizia: “Agora sou chefe de um exército, não quero vestidos, ponto final.” Uma pessoa ultracrente e cheia de fé. Todos os santos, para se tornarem santos, tiveram de fazer alguma coisa disruptiva, anti norma, radical, rebelde. E, portanto, se fizermos uma releitura disto também percebemos que pode haver aqui algum sinal queer. A própria comunidade de Jesus e dos discípulos era uma comunidade queer, porque Jesus lhes pedia para recusar a mãe e o pai porque aquela era a família escolhida deles. Há uma ligação por cuidado, por amor, por compreensão. Que é o que eu acho que uma comunidade queer é ou que, pelo menos, devia ser. Muitas pessoas são expulsas de casa pelos pais por causa da sua orientação sexual e aqui temos a fé. E isso vira uma família, em que se tratam por irmãos e cuidam uns dos outros. No tempo de Cristo, saiam pela fé que tinham numa boa nova, na ideia do amor que era proclamado. Eu acho que tem os contornos de uma comunidade queer. Toda esta vivência de Cristo teve esses contornos, que é estenderes o braço a uma pessoa que está em necessidade e que foi expulsa de casa e precisa de apoio. É rebuscada a minha ligação, mas acho que faz sentido.»

Queer é um termo de atitude. Não se baseia apenas na orientação sexual, engloba também a expressão e identidade de género e, segundo Rafaela, uma vivência radical. Também acrescenta que o necessário é perceber que nem toda a gente encaixa em tudo o que se proclama no dogma. Há certos versículos que são para umas pessoas e certos versículos que são para outras.

Sobre o pecado, Rafaela diz nunca o ter associado à questão da homossexualidade, mas sim à necessidade de reprodução: «O prazer foi criado por Deus, portanto tem de ter alguma validade. Até a violência, seguindo esse raciocínio, tem de ter um lugar onde se encaixar, porque existe. Agora, o pensamento lógico é este: a Igreja precisa de fiéis, precisa de controlar as pessoas, então a procriação faz sentido e, logo, a heterosexualidade torna-se norma. Não nos podemos esquecer de que a Igreja é uma espécie de organismo que é estanque, que é superpolítico e capitalista – muito contrário ao que era Jesus Cristo. É uma instituição que funciona à base de dinheiro, que tem até uma ideia de caridade muito falsa, que não faz sentido. A Igreja, para subsistir, precisa de poder. O Cristianismo, não.»
«Depois, eu vou para um sítio e penso: “Eu sou uma pessoa de género fluido, será que dá para caber aqui? Não.” Havia santos que se calhar não tinham o género definido, e isto está mesmo escrito. “OK, estão a recusar-me este lugar ou vêm com aquela coisa: ‘Ai e tal, nós aceitamos as tuas falhas…’ Não são falhas, estão antes a pegar naquilo que é uma característica tua e torná-la numa falha, porque não entra no padrão, não encaixa. Um professor meu costumava dizer que «o problema da Igreja é que se quer meter na cama com as pessoas. A Igreja é que é promíscua, não são as pessoas.»

 

Mulher, lésbica e divorciada – Maria ainda tenta encontrar o seu lugar na Igreja

 

© Cortesia de Maria Serrano

 

Maria Serrano tem 33 anos e é médica. Cresceu sem muita pressão em pertencer à Igreja, apesar de os pais serem católicos. Não era especialmente ativa na Igreja: ia à missa com os pais, participava nos campos de férias e pouco mais. Contudo, quando foi estudar para o estrangeiro contactou pela primeira vez com a Opus Dei: «Quando estava lá fora perdi-me um bocado em festas. Os meus pais ameaçaram-me de que ou ia para uma residência católica ou voltava para casa. Acabei por ir, muito contrariada. Mas foi aí que acabei por conhecer uma realidade que me fazia sentido, através de algumas pessoas que lá estavam. Aprendi aí que podia santificar a vida mundana do dia-a-dia. Procurar ser melhor todos os dias.»

Acabou a pertencer à Opus Dei durante 12 anos como supernumerária – sem celibato e com família. «Acabei a descobrir que a minha avó materna também tinha pertencido à Opus Dei. Nunca ninguém me tinha dito. Não é que haja secretismo, mas há uma descrição.»

Casou aos 23 anos, teve dois filhos e só aí começou a perceber a sua bissexualidade.
«Quando era mais nova, e muito semelhante às pessoas que cresceram na década de 90 e 2000, não tinha o acesso à informação que há hoje. Havia quase uma ideia absoluta de que toda a gente era heterosexual. Não se questionava nada de sentimentos que aparecessem na adolescência. Só retrospetivamente, já depois de casar, é que comecei a perceber que havia certas coisas que podiam ser expressões da minha homossexualidade.»

O seu processo de aceitação foi muito complicado. Surgiu até uma certa homofobia da sua parte, que veio das dúvidas.

«Tinha 27 anos, fui percebendo perto de pessoas que me eram mais próximas. Da mesma forma que os adolescentes hoje vão percebendo, talvez. Tal como me sentia atraída por homens, fui percebendo que havia essa atração por mulheres. Numa fase inicial rejeitei-a muito, mas, devagar, fui aceitando», rememora.

Ouvia várias vezes em homilias ou conferências católicas coisas como «a homossexualidade é um atendado à família». Fazia um esforço para filtrar, mas a certa altura começou a afetá-la: «Comecei a ver que as próprias pessoas que são católicas discriminam o diferente. Sejam eles LGBT, recasados, divorciados, etc. Ao contrário do ensinamento de Jesus, que estava sempre nas margens com o diferente. Porque é que as pessoas na Igreja não podem fazer o mesmo?»

Maria faz referência a um excerto da carta de São Paulo aos Gálatas, no Novo Testamento, para mostrar que na obra ninguém é expulso:

 

«Descendentes de Abraão e filhos de Deus

De facto, todos sois filhos de Deus, por meio da fé em Cristo Jesus, pois todos vós, que em Cristo fostes batizados, de Cristo vos revestistes. Não há judeu nem grego, não há servo nem homem livre, não há macho e fêmea, pois todos vós sois um só em Cristo Jesus. Ora, se vós sois de Cristo, então sois da descendência de Abraão, herdeiros segundo a promessa.»

 

«[Ser bisexual] não é uma escolha. É a pessoa que eu sou. Se Deus me aceita, porque é que eu não me posso aceitar? Eu não acredito, olhando para aquilo que é a pessoa de Jesus, que tantas vezes ensinou o amor nas suas várias vertentes, possa criticar a minha relação com a minha namorada. A pessoa de Jesus que me foi apresentada e faz de mim católica não condenaria o meu amor.»

Por tudo isto, Maria sentiu a necessidade de dar um tempo na sua relação com a Igreja. «Ainda estou à procura do meu lugar na Igreja, como mulher divorciada e mulher homossexual.»

Quando falámos com a Maria, em março, tinha entrado há cerca de um mês para o Sopro.

«O facto de termos um ponto em comum, cada um com a nossa história, pode ser muito importante para começar o diálogo e mostrar que estamos aqui. Podemos relembrar as pessoas da máxima de amar o próximo como a si mesmo.»

 

«Vocês não podem estar aqui» – As agressões na Jornada Mundial da Juventude

 

Na Jornada Mundial da Juventude (JMJ) deste ano, em Lisboa, perdeu-se a conta de quantos casos de LGBTfobia foram partilhados nas redes sociais durante a semana de 1 a 6 de agosto. Raquel Luís pertence à Rede Global de Católicos Arco-Íris – uma rede internacional, mais conhecida pela sigla em Inglês GNRC (Global Network of Rainbow Catholics). Durante a Jornada, o grupo organizou várias atividades, incluindo uma missa, para incluir grupos LGBTQIA+ de todo o mundo e mais quem se quisesse juntar.

Inicialmente, a missa foi pensada para ocorrer no convento de São Domingos de Benfica. Contudo, surgiram ameaças de invasão por parte de um grupo de católicos ultraconservadores, que se estavam a organizar nas redes sociais. Para evitar problemas, acabaram por transferir a missa para a paróquia da Ameixoeira.

No dia da celebração, já todos estavam avisados da possibilidade de transtornos, incluindo as forças policiais acionadas. Quando os fiéis chegaram, estavam à porta cerca de 12 pessoas desconhecidas do grupo. Entraram na igreja, sem dizer uma única palavra e sentaram-se nos bancos corridos. Após tocar o primeiro acorde da música que dá início à Eucaristia, o grupo levanta-se com os crucifixos ao ar. Gritam de pulmões abertos algo em latim. Veio-se depois perceber que estavam a rezar o que eles chamavam de uma “oração de reparação». «Parecia que estavam a tentar fazer uma competição de ruído com o início da missa», conta Raquel que presenciou esta situação na primeira pessoa. Nisto a polícia apareceu e, apesar de alguma resistência, conseguiram tirar estas pessoas do interior da igreja que, lá fora, se ajoelharam à porta e continuaram a mesma reza.

© Cortesia de Raquel Luís

 

Dois dias depois, no final da vigília de sábado no Parque Tejo, Raquel voltou a presenciar discriminação, desta vez por causa de uma bandeira. Estava com mais quatro pessoas e dirigiam-se ao setor onde iriam pernoitar. Seguiam calmamente, com uma bandeira arco-íris levantada num cabo e uma bandeira da GNRC noutro. Nesse momento, são abordados por um rapaz que imediatamente lhes disse, em inglês, «Vocês não podem estar aqui!», enquanto tentava apanhar a bandeira. Juntou-se mais um rapaz, este encapuçado. Raquel e os companheiros foram empurrados, agredidos e ofendidos. Gritaram por ajuda, no meio de tanta gente, ninguém foi em auxílio. Raquel diz que se foram protegendo uns aos outros da maneira que podiam. Viu dois voluntários, chamou-os, mas, como estes não sabiam lidar com a situação, foram chamar mais voluntários, que quiseram chamar a polícia, mas, segundo a Raquel, eles recusaram-se a ir até aquele local. Do nada começaram a voar pedras na direção dos cinco, com duas pessoas atingidas. Supõem-se que os agressores finalmente pensaram que «o trabalho já estava feito» e abandonaram o local. A polícia acabou por aparecer passado mais de uma hora, depois de uma chamada telefónica direta à subcomissária da polícia. Um dos rapazes fugiu e o outro acabou escoltado para fora do recinto. «Confesso que no final de tudo o meu desejo era só ir para casa. Para mim tornou-se tudo num inferno. Nunca tinha sentido tanto ódio. Permaneci porque havia membros que não queriam abandonar e, num sentido coletivo, pernoitei lá. Claro que nenhum de nós dormiu nada. Claramente, este foi o momento mais grave de todos, mas é importante dizer que cada vez que, durante esta semana saímos do centro ou marcávamos presença nalgum evento, agressões verbais aconteciam. Furtaram-nos bandeiras mais do que uma vez», relata Raquel.

 

O futuro da Igreja Católica

 

A pergunta foi comum a todas as pessoas com quem falámos: «O que pode a Igreja fazer?»

Zé Diogo disse que a Igreja institucional não irá mudar enquanto as pessoas comuns que a integram não mudarem. Contudo, pensa que as coisas estão a ir no bom caminho “vai demorar tempo, mas eu acredito que as coisas vão ficar mais fluídas». Ana Carvalho diz que quem terá de dar o primeiro passo nesta reconciliação terá de ser a Igreja, contudo, as pessoas também têm de ver que, pouco a pouco, os passos estão a ser dados.

Rafaela Jacinto relembra que a Igreja ainda tem um longo pedido de desculpas por entregar. «[O Papa Francisco] não pode fazer tudo, eu entendo ao mesmo tempo que não entendo. Ele devia ir com tudo, na verdade, porque era assim que Cristo também fazia. Sempre foi muito radical. Não é com comodismo e a dar um passinho de cada vez… é mesmo chegar ao mercado e virar as mesas.»

Catarina Barbosa disse que «a Igreja como um todo [institucional do Vaticano] devia primeiro atualizar-se no tempo, que ficou parada uns séculos atrás. Depois, tornar a Igreja naquilo que é suposto ser: um espaço de acolhimento. Acabar também com o celibato e com as terapias de conversão no mundo – apesar de algumas pessoas pensarem que iria destruir a Igreja, eu só acho que ia concretizar a mensagem de Deus. Eu não acredito que haja duas crenças iguais. Eu conheço muita gente que acha esta aceitação [da comunidade LGBTQIA+ na Igreja] urgente. Se estamos a lutar contra uma parede? Provável, mas há uma música dos Anaquim que diz — «há lutas que se perdem, mas precisam que alguém lute».

 

*Pedimos esclarecimentos sobre os casos apresentados nesta reportagem a vários membros da hierarquia da Igreja Institucional Portuguesa. A diocese do Porto não respondeu a nenhum dos pedidos de entrevista, enquanto a arquidiocese de Braga informou não querer participar da reportagem. O Patriarcado de Lisboa encaminhou-nos para a Conferência Episcopal Portuguesa, cujas respostas estivemos à espera até ao último dia antes do fecho desta edição. O espaço editorial para essas respostas mantém-se disponível.

 

 

 

Glossário

 

 

Assexual – Pessoa que não sente atração sexual por outras pessoas. Não obstante, as pessoas assexuais podem ter relações de intimidade com outras pessoas.
Bissexual – Pessoa que se sente atraída, sexual, romântica e afetivamente, por pessoas de dois ou mais géneros.
Catecismo da Igreja Católica – o documento que sintetiza todos os elementos essenciais e fundamentais da fé da Igreja. Foi promulgado em 1992, pelo Papa João Paulo II.
Coming Out – Processo de afirmação da identidade LGBTI+ que deve ser feito pela própria pessoa, quando e como entender fazê-lo e para quem o quiser fazer. Na prática isso pode significar que nem todas as pessoas sabem ou que apenas está out nalguns contextos. Também se pode dizer sair do armário.
Deadnaming – Expressão para identificar situações em que é usado o nome atribuído à nascença de uma pessoa trans ao invés do nome pelo qual se identifica – e que pode apenas ser reconhecido socialmente ou já ser legalmente reconhecido. Esta é uma forma de violência contra pessoas trans e não binárias.
Demissexual – Pessoa que apenas sente atração sexual por outra pessoa se houver uma forte ligação emocional entre ambas.
Gay – Homem que se sente atraído, sexual, romântica e afetivamente, por pessoas do mesmo género. É sinónimo de homossexual.
Homofobia – Discriminação, desprezo, preconceito, aversão a pessoas gays e/ou lésbicas, portanto em função da sua real ou percecionada orientação sexual.
Identidade de Género – Experiência individual e íntima de género, pela qual todas as pessoas passam e que está relacionada com quem somos. A nossa identidade pode ou não corresponder ao género atribuído à nascença, à expressão de género adotada e à forma como sentimos o nosso corpo.
Lésbica – Mulher que se sente atraída, sexual, romântica e afetivamente, por pessoas do mesmo género.
Pansexual – Pessoa que se sente atraída, sexual, romântica e afetivamente, por outras pessoas, independentemente da orientação sexual, identidade ou expressão de género.
Queer – Termo identitário que pode ser utilizado como sinónimo da sigla LGBTI+ ou como uma reivindicação de identidade que não tem, ainda, nomenclatura específica. Em muitos contextos, tem como base algum ativismo político, inspirado na Teoria Queer e no pensamento de Judith Butler.
Trans – Pessoa cuja identidade e/ou expressão de género não corresponde ao género que lhe foi atribuído à nascença. Os termos transexual ou transgénero, embora válidos, caíram em desuso. É também frequente usar-se trans para abarcar outras identidades de género diverso.
Transfobia – Discriminação, desprezo, preconceito, aversão a pessoas trans, portanto, em função da sua real ou percecionada identidade e/ou expressão de género.

 

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