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Reportagem e texto de Inês Loureiro Pinto
Reportagem de imagem de Vítor Martinho
Edição de Tiago Sigorelho
Design de Frederico Pompeu
Digital por Inês Roque
01.12.2025
Pedro Neves identifica-se como guarda-rios e a camisola que usa em serviço assim o diz. O cargo no contrato de trabalho é outro, de assistente técnico da autarquia de Torres Novas. O engenheiro Pedro Teiga, seu formador tornado amigo, partilha que “o Neves carrega o espírito dos antigos guarda-rios” que conheceu. Para quem cresceu no rio Almonda, na Ribeira Ruiva, e garante conhecê-lo por fora e por dentro (como entusiasta da espeleologia), esta profissão parece apenas uma continuação orgânica da missão de vida de Pedro Neves, que faz questão de passar ao filho André. Quando chegámos à Zona de Lazer Fluvial da Ribeira Ruiva, num final de tarde ameno, já os dois estavam de pés mergulhados no Almonda, acompanhados pelas investidas enérgicas do cão Jack.
Nos últimos quatro anos, como guarda-rios do município de Torres Novas, Pedro dedica-se a tempo inteiro à reabilitação do rio Almonda e ribeiras adjacentes, permanentes e temporárias. Ganha cerca de 900 euros ilíquidos – próximo do rendimento médio dos antigos guarda-rios, nos últimos anos de existência da carreira -, e, como assistente técnico, não tem direito ao subsídio de insalubridade obrigatório pelos riscos do manuseio de ferramentas, como tem o assistente operacional que Pedro está a orientar, contratado pelo município no ano passado.
Durante a jornada de trabalho, podem retirar entulho, detetar e reportar focos de poluição, fazer o controlo de vegetação ribeirinha ou instalar soluções de engenharia natural para estabilização das margens. “Tenho uma visão para o Almonda e acho que o município terá de ter, não dois, mas talvez quatro para podermos fazer trabalho de qualidade”, aponta Pedro Neves. Os guarda-rios já terminaram a reabilitação de quatro quilómetros do troço do Almonda e a autarquia tem um novo projeto na calha para recuperar mais oito.

Em janeiro de 2019, a APA lançou um concurso para admissão de cinco estagiários com vista ao ingresso na carreira de vigilantes da natureza, atribuídos à bacia hidrográfica do Tejo, com funções de vigilância, fiscalização e monitorização das linhas de água. Esta medida, anunciada por João Pedro Matos Fernandes em 2018, então ministro do Ambiente, foi tida como o regresso dos guarda-rios e um reforço para a reabilitação do Tejo, no contexto de um grave episódio de poluição que cobriu o rio de espuma, no troço de Abrantes, no início desse ano. No verão seguinte, é aprovada uma resolução da Assembleia da República que recomenda ao Governo o restabelecimento da profissão de guarda-rios, a partir de uma proposta do PAN, que sugeria a contratação e formação de um mínimo de 350 profissionais para garantir a fiscalização permanente e sistemática dos recursos hídricos, face a eventos de poluição registados nos rios Tejo, Lis, Alviela, Nabão, Antuã e Tâmega.
Segundo reportado pela Médio Tejo, a designação daqueles novos profissionais como guarda-rios passa por uma “questão sentimental” – referiu, na altura, Nuno Lacasta, então presidente da APA – e acompanha a intenção assumida pelo Ministério do Ambiente e da Transição Energética do anterior Governo de, através da carreira de vigilante da natureza, voltar a ter profissionais em monitorização constantes das linhas de água do país.
A Lipor – Associação de Municípios para a Gestão Sustentável de Resíduos do Grande Porto – terá sido a primeira entidade a dar esse passo, em 2015, no âmbito do Projeto de Valorização do rio Tinto (considerado, em tempos, dos mais poluídos da Europa) iniciado em 2013. A sede da Lipor está situada entre Ermesinde e Baguim do Monte, nos concelhos de Valongo e Gondomar, e é ladeada pelo afluente do Douro que atravessa os concelhos de Valongo, Maia, Gondomar e Porto. Luís Ramos, de 50 anos, já era funcionário da Lipor e concorreu para o cargo em 2018, substituindo um colega que, nos três anos anteriores, desempenhava funções de vigilância do rio. O seu dia-a-dia é passado no troço de cerca de 800 metros que coincide com as instalações da Lipor, percorrendo o Trilho Ecológico junto à margem do rio Tinto, ao qual a população acede através da paragem de comboio da Palmilheira. Monitoriza os níveis da água, remove obstáculos e lixo, dinamiza sessões de sensibilização com escolas e faz o registo da fauna local: enumera ginetas, galinhas-de-água, coelhos, pombos bravos, melros, tordos, pegas, gaios e piscos como alguns exemplos.

Natural de Rio Tinto, Luís lembra-se do que era “ver o rio às cores”. As descargas que identifica nas medições ou observações são reportadas às autarquias a montante e a jusante do rio, para identificação das fontes. As descargas acidentais da rede de saneamento, de resíduos agrícolas ou de efluentes industriais são os episódios mais comuns, explica o guarda-rios.
Os outros 60 quilómetros de rios e ribeiras do Porto estão desde 2018 a cargo da equipa de dois guarda-rios da Águas e Energia do Porto. Os dois funcionários realizam inspeção visual em pontos previamente definidos, além de verificações mais pontuais nos coletores e galerias das zonas entubadas, requer uma equipa especializada que os acompanha. São “os meus olhos no campo”, descreve Paula Schumann, técnica de ambiente na Águas e Energia do Porto. Os registos inseridos num tablet pelos guarda-rios chegam à engenheira através de uma plataforma que sistematiza os “sintomas” reportados e que, depois da análise de Paula, podem originar procedimentos de limpeza ou de notificação externa ou interna (no caso de problemas na rede de saneamento). Se é identificada uma descarga de lamas proveniente de uma obra, por exemplo, a Águas e Energia do Porto envia um ofício à entidade responsável pela obra, que não passa de uma sensibilização. Se o problema persistir, são contactadas as autoridades – neste caso, o Serviço de Proteção da Natureza e Ambiente, um braço fiscalizador da GNR.
Cerca de 75% das linhas de água do município do Porto encontram-se entubadas. No âmbito do Plano de Valorização e Reabilitação das Linhas de Água que o município desenvolveu a partir da Estratégia Municipal de Adaptação às Alterações Climáticas, em colaboração com a autarquia, a Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e a APA, procurou-se renaturalizar alguns troços, bem como criar bacias de retenção para prevenção de cheias, como é exemplo o Parque da Asprela, junto ao Pólo Universitário, por onde passa a ribeira da Asprela, também conhecida como ribeira da Manga. É lá que está implementado o dispositivo de recolha de imagens para um projeto piloto de monitorização por Inteligência Artificial. “O sensor vai fotografar o caudal e o modelo vai poder identificar se a água está límpida, se tem espuma ou uma coloração diferente, por exemplo, o que será reportado em tempo real e daí enviamos uma equipa ao local para conseguir identificar o que aconteceu de forma muito mais rápida”, explica Paula Schumann.
Foi no Porto o primeiro Encontro Nacional de Guarda-Rios, em 2023. Luís Ramos, que esteve presente em ambos, sublinha a vontade de ver formalizada a sua função, para que se possa fortalecer uma rede de proteção ambiental em todo o país. Vítor Silva, guarda-rios da Águas e Energia do Porto, recorda com entusiasmo que a audiência de quarenta colegas que conheceu no primeiro encontro duplicou em tamanho na edição do ano seguinte, em Leiria. Guimarães será o anfitrião da terceira e próxima edição, que espera perto de uma centena de guarda-rios.


Embora peça o nome emprestado à carreira histórica, a função de guarda-rios no século XXI existe noutra conjuntura. É bem sabido o impacto da ação humana nos ecossistemas e nos recursos hídricos, essenciais à vida e a inúmeras atividades económicas. Segundo um relatório da Agência Europeia do Ambiente (EEA) sobre o estado da natureza em 2020, 81% dos habitats protegidos em território europeu estão em mau estado ou em estado inadequado, 38% das espécies piscícolas têm um estado de conservação considerado “mau” e metade das espécies de peixes e anfíbios estão em declínio.
O estudo “The Biological Assessment and Rehabilitation of the World’s Rivers: An Overview”, que reuniu 29 peritos em todo o mundo, liderado por Maria João Feio, investigadora do Centro de Ciências do Mar e do Ambiente (MARE) da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC) e publicado na revista Water em 2021, demonstra uma perda significativa de biodiversidade e fraca qualidade ecológica em linhas de água de todo o mundo. Cerca de metade das linhas de água analisadas encontram-se abaixo do nível aceitável na Europa e nos Estados Unidos. Na Austrália, são cerca de um terço e, na Coreia do Sul, um quarto dos rios e ribeiras.
O estudo destaca que, apesar de essenciais, muitos dos projetos de reabilitação fluvial implementados nestas regiões não atingem todo o seu potencial de eficácia porque são frequentemente limitados em extensão geográfica e temporal e a falta de monitorização pré e pós-implementação impede a avaliação do seu sucesso. Segundo o documento, as principais limitações para a implementação de mais projetos são económicas e políticas, destacando os autores que “o público deve estar na dianteira desse esforço, pois os governos costumam responder às pressões dos cidadãos na formulação dos seus planos de reabilitação”.
Em março de 2024, a Comissão Internacional de Estratigrafia (ICS) pôs um ponto final (pelo menos, até ao momento) numa discussão académica de mais de uma década ao chumbar uma proposta para a aprovação de uma nova época geológica da Terra, o Antropoceno. O termo foi sugerido em 1980 pelo biólogo norte-americano Eugene Stoermer e mais tarde subscrito por Paul Crutzen, Nobel da Química em 1995, referindo-se às alterações biofísicas no planeta provocadas por atividades humanas, como a queima de combustíveis fósseis, a partir da Revolução Industrial, no século XVIII. Apesar de os geólogos terem considerado que as mudanças nas camadas sedimentares da Terra (com partículas radioativas, plásticos, poluentes e gases de efeitos de estufa) não eram suficientes para fechar a época do Holoceno, que dura há 11700 anos, o termo Antropoceno é amplamente utilizado por investigadores, nomeadamente antropólogos, ativistas, artistas e outros para chamar à atenção para os graves impactos da delapidação humana dos recursos naturais.
Hoje, ser guarda-rios abarca novos desafios e outras facilidades. Os novos profissionais contam com drones, sondas multiparamétricas e sistemas de informação geográfica, ferramentas tecnológicas que permitem a deteção e resolução rápida de problemas junto dos agentes superiores. O guarda-rios comunicava por carta com o seu chefe de lanço e trabalhava sozinho, ao ritmo do seu próprio pé, com o apoio de cartas militares. Contudo, à exceção dos que são vigilantes da natureza, os guarda-rios de hoje não têm poder de autuação, sendo mais agentes de manutenção e sensibilização. Deveremos continuar a utilizar a mesma designação? Pedro Teiga, especialista em restauro fluvial, defende a formalização da carreira de vigilante dos rios.
Entre 2020 e 2023, com a colaboração da E.RIO, empresa de consultoria para o restauro fluvial gerida por Pedro Teiga, da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e das autarquias da região, a APA conduziu um projeto de gestão da bacia hidrográfica do rio Ceira, que nasce na serra do Açor, no centro do país. Financiado em 2,6 milhões de euros provenientes do EEA Grants, o projeto teve o objetivo de testar abordagens transversais para a melhoria da resiliência e da capacidade de resposta às alterações climáticas, nomeadamente os impactos dos incêndios florestais de 2017, que afetaram 60% da bacia hidrográfica do Ceira.

Uma das ações consistiu na contratação e formação de três profissionais vigilantes dos rios, que foram capacitados na área da hidráulica, da ecologia, da participação pública e da educação ambiental, e equipados com meios de transporte e equipamentos multiparamétricos. Pedro Teiga fala em resultados positivos, apesar de reconhecer que o projeto devia ter sido mais longevo. Segundo Nuno Bravo, diretor da Área de Região Hidrográfica (ARH) do Centro, da APA, havia a vontade de formalizar a contratação de vigilantes, “mas não foi possível, administrativamente, avançar com um concurso externo”. À exceção da contratação temporária de serviços dedicada a outros projetos da APA, não há, desde 2019, registo de novos concursos para a contratação de profissionais especializados para as linhas de água.
Pedro Teiga acredita que a interdisciplinaridade da função nos tempos atuais exige uma atuação transversal e colaborativa, com o objetivo de corrigir o problema geral de “falta de atitude preventiva”. Propõe uma orgânica subordinada ao papel do vigilante dos rios que conta com a mobilização das autarquias, entre uma maior participação das vereações do ambiente das autarquias para este tema e “a implementação de Planos Estratégicos de Reabilitação das Linhas de Água (PERLA) nos municípios, associados à Estratégia Nacional de Reabilitação de Rios e Ribeiras (EN3r) e integrados com a Estratégia Nacional de Educação Ambiental”, descreve o engenheiro do ambiente.
A nível nacional, exige-se o reforço do efetivo nacional para “pelo menos três vigilantes dos rios por município”, a capacitação dos técnicos da APA para os procedimentos e dos proprietários confinantes às margens tenham conhecimento dos seus direitos e obrigações, bem como dos juízes para a legislação ligada aos recursos hídricos, para que possam fazer cumprir as contraordenações com mais propriedade. No terreno, os vigilantes devem ser acompanhados por uma equipa de sapadores dos rios, para as funções operacionais.
Também esta figura está a ser pensada e, em dois pontos do país, já em execução. Em 2021, a APA e o município bracarense de Terras de Bouro capacitaram uma equipa de sapadores dos rios, no âmbito do Projeto de Reabilitação e Valorização do Rio Homem, através de tarefas de desobstrução, limpeza, reabilitação e valorização de linhas de água, a contenção de espécies invasoras e plantação de espécies ripícolas. No ano passado, o município de Vila Flor, distrito de Bragança, formou uma equipa de dez sapadores florestais para esta especialização, no âmbito de um protocolo com a APA para a proteção da ribeira de Freixiel. A intenção da autarquia é, depois de atingirem cem quilómetros de ribeiras recuperadas, passar a contratar uma equipa de sapadores dos rios.
A discussão europeia da Lei de Restauro da Natureza foi marcada pela dificuldade em equilibrar os objetivos de restauro com os interesses socioeconómicos da agricultura, defendidos pelos partidos mais à direita. A lei foi aprovada no Parlamento Europeu em fevereiro de 2024, depois de vários meses de tentativas de rejeição por parte do Partido Popular Europeu (PPE). O texto final apresenta algumas concessões relativamente ao que tinha sido negociado na Comissão de Ambiente do Parlamento: caíram medidas sobre a gestão de áreas agrícolas, objetivos quantitativos sobre ecossistemas urbanos e também indicações sobre a conservação da madeira morta nas florestas. Incluíram-se ainda isenções às regras de restauro em zonas com projetos de energias renováveis e utilizadas para fins de defesa nacional. O prazo para a apresentação dos planos nacionais de restauro completos passou de ser de dois anos depois da entrada em vigor do regulamento para junho de 2042, sendo que estes planos têm cumprimento previsto até 2050.
Neste âmbito, a União Europeia compromete-se a aplicar medidas de restauro a pelo menos 20% das zonas terrestres e marítimas até 2030, 60% até 2040 e 90% até 2050, metas baseadas no compromisso internacional da UE como parte integrante da Convenção Mundial sobre a Diversidade Biológica (CBD) e seguindo a meta mundial assinada na Conferência da ONU sobre a Biodiversidade, a COP15 de 2022, de proteger um terço das terras, áreas costeiras e oceanos do mundo. A UE compromete-se a recuperar 25 mil quilómetros de linhas de água até 2030, o que corresponde a cerca de 500 quilómetros para Portugal. Contudo, esta meta não é vinculativa a nível nacional.
O primeiro passo consiste na inventariação das barreiras artificiais à conectividade das águas de superfície, e sinalizar, avaliando as suas funções socioeconómicas, as que devem ser removidas. Depois, a remoção das barreiras, e implementação de medidas para a melhoria das funções naturais das várzeas. O relatório da EEA sobre o estado da água na Europa em 2024 expressa que, depois da poluição atmosférica, as mudanças à hidromorfologia das linhas de água, como as barreiras, representam o maior fator de pressão das massas de água superficiais (respetivamente, em 52% e 51% foram identificados estes fatores como pressões significativas, seguidos da poluição proveniente da agricultura, descargas e captações).
52% poluição atmosférica difusa
51% alterações hidromorfológicas (como barreiras)
35% poluição difusa (excluindo a atmosférica)
29% poluição proveniente da agricultura
18% poluição pontual (descargas e captações)
Fonte: Europe’s state of water 2024, Agência Europeia do Ambiente
Segundo o levantamento feito pela APA para o Plano de Gestão de Região Hidrográfica relativo ao ciclo 2022-2027, haverá 13610 barreiras à conectividade fluvial em Portugal, das quais 265 são grandes barragens, 6220 pequenas barragens e 7125 açudes com menos de dois metros de altura. No continente europeu, existem mais de 1,2 milhões de barreiras artificiais, entre barragens açudes e rampas, que impedem o curso livre da água, dos sedimentos e da fauna. Segundo o Conselho Europeu, 80% dos habitats da Europa estão em mau estado de conservação e 70% dos solos em estado de insalubridade, consequência de fatores como a poluição, as alterações climáticas, a perda de habitats e a proliferação de espécies invasoras.
Portugal tem até agosto de 2026 para apresentar a transposição nacional da lei europeia. O grupo de trabalho do governo para a elaboração do Plano Nacional de Restauro da Natureza arrancou em fevereiro e tem publicação prevista para setembro de 2027. Na primeira reunião, a ministra do Ambiente e Energia, Maria da Graça Carvalho, anunciou um outro plano, o Plano de Ação Pro-Rios 2030, financiado pelo Fundo Ambiental e o Programa Operacional Sustentável 2030, que prevê a intervenção em 555 quilómetros de linhas de água (mais do que a meta definida pela UE para cada país-membro), estando já operações em curso para a recuperação de 300 quilómetros.
No Dia Nacional da Água, celebrado no primeiro dia de outubro, a ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável apresentou este ano uma queixa contra Portugal na Comissão Europeia que denuncia um “incumprimento generalizado” da Diretiva-Quadro da Água (DQA), no que toca à implementação de caudais ecológicos. A análise da associação aos Planos de Gestão de Região Hidrográfica relativos ao período de 2022 a 2027 demonstram que “64% das albufeiras continentais, associadas a grandes barragens, não cumprem os requisitos de definição e libertação de caudais ecológicos” e apela ao Governo a imposição de uma moratória à construção de novas barragens no país. O caudal ecológico, elucida o documento, é um regime legalmente exigido pela DQA e pela Lei da Água para assegurar o fluxo mínimo de água a jusante das barragens. A inexistência desta condição impede a autodepuração dos rios e o funcionamento dos ecossistemas (a ZERO aponta que apenas 7,4% das albufeiras têm dispositivos de transposição de peixes), prejudicando a qualidade da água e a biodiversidade que dela depende.
Em setembro de 2025, em entrevista à Agência Lusa, a diretora-executiva da WWF Portugal, Ângela Morgado, enfatizou a urgência da implementação do Plano Nacional de Restauro, referindo que “as ONG de Ambiente (ONGA) sempre se anteciparam na proteção da natureza”, estando “sempre um pouco à frente dos governos e instituições”.

Formalizar uma nova designação de guarda-rios é essencial para poder “formar a praxis” a partir do conhecimento dos antigos profissionais, partilha Pedro Teiga. “A pessoa reforma-se e o know-how vai com ela; o próprio Estado tem dificuldades em manter o conhecimento”, nota o engenheiro do ambiente. “As faculdades de Engenharia têm a parte hidráulica; as de Ciência têm a ecologia; e há ainda a componente da Psicologia, o saber envolver na comunidade e falar com as pessoas. Mas os saberes estão desconectados. É preciso formar escola, atualizada às necessidades do agora, para gerar novamente profissionais”.
Além das diferenças que os separam, o passado e o presente da função de guarda-rios parecem aproximar-se na relação com a comunidade. José Lopes, guarda-rios da Águas e Energia do Porto, oferece o contacto pessoal aos visitantes mais assíduos do Parque Oriental do Porto e de outros espaços verdes da cidade, para que o auxiliem no reporte de focos de poluição.

Em Torres Novas, a associação Viver Almonda, formalizada em 2016, promove todos os anos descidas de canoa pelo rio com o objetivo de mostrar aos habitantes “que há vida no rio e há rio além da cidade”, expressa o guarda-rios Pedro Neves, um dos membros fundadores da associação que também organiza caminhadas, corridas, trails e iniciativas de limpeza. O torrejano reconhece, no entanto, que ainda há muito trabalho a fazer pela educação ambiental da população, desde práticas simples como não deitar lixo no chão (que acaba por ir ter aos rios) até à interpretação dos métodos de reabilitação fluvial aplicados no corredor ecológico, que a CM está a desenvolver aos poucos. O ex-vereador do ambiente da CM de Torres Novas, atesta-o: “há pessoas que se queixam de que o corredor ecológico está desleixado, porque pensam que é apenas o caminho [pedonal], mas é na verdade a ligação entre o Paúl do Boquilobo e a Serra de Aire através da autoestrada de biodiversidade que o é o rio Almonda. Há uma ideia de que o que não é estéril é sujo, e não se compreende, por exemplo, que as ervas não são cortadas por questões ecológicas”, completa João Trindade.
Junto ao rio Torto, em Valbom, Gondomar, a sede da E.RIO está a ser expandida para as ruínas de um antigo moinho que Pedro Teiga quer transformar num espaço dedicado à memória da cultura em torno do rio (guarda-rios incluídos), mas também à democratização do conhecimento sobre boas práticas de reabilitação fluvial. Além do Estado, da academia e das empresas, a comunidade é essencial à nova orgânica que Pedro Teiga propõe para o cuidado dos recursos hídricos. “É preciso gerar perceção para saber o que defendemos. É preciso sentar na margem do rio e ouvir o som da água a correr”.