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A Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) a pedido da mulher até às 10 semanas de gestação foi despenalizada em Portugal a 17 de abril de 2007. Até esta data, apenas era possível fazê-lo em casos de malformação fetal, riscos para a saúde da mulher ou violação. A publicação da lei nº 16/2007 em Diário da República tirou as mulheres do banco dos réus e passou a permitir interromper a gravidez de forma livre, segura e gratuita.
Na altura em que se assinalam 15 anos da mudança da lei, o Gerador dedica uma série de três reportagens ao tema da IVG. A primeira parte, que reúne os principais momentos históricos da luta pela despenalização numa cronologia interativa, pode ser vista, aqui.
Na segunda parte – que pode ser lida, aqui — fomos à procura de relatos que permitam compreender a realidade atual e o que mudou desde que o aborto foi despenalizado. Fizemos um retrato das alterações inerentes à mudança legislativa e revelámos de que forma as mulheres avaliam o serviço atualmente prestado no Sistema Nacional de Saúde (SNS).
Para a realização desta série de reportagens, o Gerador lançou um questionário online. O objetivo era recolher testemunhos de mulheres que tenham realizado a IVG em Portugal (antes e depois da despenalização) e perceber como avaliam essa experiência. Neste inquérito foram obtidas respostas de 179 mulheres, com idades compreendidas entre os 19 e os 57 anos, oriundas de diversas zonas do país. Esta recolha não teve qualquer pretensão estatística, mas tinha como objetivo compreender como as utentes avaliam o serviço.
Apenas a própria mulher pode solicitar uma IVG. A exceção é feita em casos de incapacidade psíquica ou se a mulher for menor de 16 anos, situações em que o representante legal pode pedir a interrupção da gravidez.
Importa ainda referir que as mulheres imigrantes têm os mesmos direitos do que as mulheres nascidas em Portugal “independentemente da sua situação legal”, lê-se na página do Sistema Nacional de Saúde (SNS).
“A interrupção voluntária da gravidez confere isenção de pagamento de taxas moderadoras. Deste modo, a utente não tem custos com o procedimento para IVG”, conforme descrito na página do SNS.
De acordo com o estipulado na lei nº 16/2007, a IVG a pedido da mulher apenas pode ser realizada até às 10 semanas, calculadas a partir da data da última menstruação.
É obrigatório um período de reflexão de, pelo menos, três dias, após a primeira consulta (solicitada pela mulher).
A lei define ainda que a IVG propriamente dita não pode ser feita pelo mesmo profissional que faz a ecografia de datação de gravidez (ou seja, envolve necessariamente dois profissionais de saúde, obrigados a sigilo).
O diploma também salvaguarda a possibilidade de objeção de consciência por parte dos profissionais de saúde. Deste modo, caso a mulher se depare com um(a) médico (a) opositor(a), “este tem a obrigação de informar a mulher e indicar-lhe, de imediato, outros técnicos/serviços aos quais ela possa recorrer”, diz a Associação Para o Planeamento da Família (APF), que reúne dados sobre o tema. Neste tipo de casos, as mulheres podem mesmo ser encaminhadas para outras unidades de saúde.
De acordo com a informação disponível no site do SNS, a consulta da IVG é disponibilizada em “centros de saúde ou maternidades/hospitais com serviço de obstetrícia/ginecologia”. Em alternativa, também pode ser realizada em clínicas privadas acreditadas pelo SNS.
Apesar disso, nem todas as unidades hospitalares conseguem dar resposta.
Muitas das mulheres que responderam ao inquérito do Gerador contam ter sido encaminhadas para unidades de saúde fora da sua área de residência, vendo-se obrigadas a longas deslocações e, por vezes, a mais dias de espera do que os estipulados na lei para marcação de consulta (cinco dias). Questionada sobre isso, a Direção-Geral de Saúde (DGS) declarou, numa resposta por escrito ao Gerador, que “no SNS, nesta como noutras áreas, existem sinergias e colaboração entre serviços e instituições para garantir a resposta necessária”.
Dados cedidos pela mesma entidade dão conta de que existem 35 hospitais ou maternidades do SNS onde a consulta de IVG é realizada (dois deles localizados na região autónoma dos Açores e um na da Madeira). Podes ver a lista completa, aqui.
Além das unidades públicas, a IVG pode ser realizada no setor privado, mas só em locais acreditados para o efeito. A Clínica dos Arcos, em Lisboa, é um desses lugares. Ali são realizadas IVGs tanto por mulheres que procuram o serviço privado diretamente (e pagam os valores estipulados nesta tabela), como por mulheres que se dirigiram ao SNS, mas este, por falta de disponibilidade para prestação do serviço no tempo estipulado, as encaminha para a clínica. Neste último caso, os custos são suportados pelo SNS, em regime de parceria público-privada. Além da Clínica dos Arcos, a IVG pode ser realizada no Hospital do SAMS – Centro Clínico de Lisboa.
Para solicitar a realização de uma Interrupção Voluntária da Gravidez é necessário, antes de tudo, dirigir-se a um serviço de saúde e manifestar essa vontade, para que seja marcada uma consulta. De acordo com a informação publicada na página do SNS, a mulher que pretenda interromper a gravidez “deve dirigir-se a um serviço de saúde, preferencialmente ao centro de saúde para a consulta prévia de interrupção voluntária da gravidez. Se não tiver atendimento no centro de saúde pode deslocar-se ao hospital (com serviço de obstetrícia e ginecologia) da área de referência”.
Existe ainda a possibilidade de marcar a consulta da IVG por telefone, mas o atendimento depende da disponibilidade do centro ou hospital em questão. Conforme descrito na página da APF “alguns hospitais permitem a marcação direta da consulta prévia, sem necessidade de passar pelo Centro de Saúde; noutros casos, é sugerido que a consulta prévia ocorra no Centro de Saúde”.
A lei estipula que o período entre a marcação e a realização da consulta não pode exceder os cinco dias úteis. Apesar disso, algumas das mulheres ouvidas pelo Gerador relatam períodos de espera bastante mais extensos, que, nalguns casos, atingem semanas.
Questionada sobre esta divergência, a DGS assegura, em resposta escrita enviada ao Gerador, que “o tempo médio [de espera] manteve-se nos 5 dias nos [últimos] 4 anos”. Já a mediana foi de 6,34 em 2018, 6,42 em 2019, 6,22 em 2020 e 2021 (sendo que os dados do ano passado são ainda provisórios).
A consulta prévia serve para dar início ao processo da IVG, que começa pela datação da idade gestacional, com uma ecografia. Esta datação é feita a partir da data da última menstruação. Conforme estipulado na lei, a datação não pode ser feita pelo(a) mesmo(a) médico(a) que realiza a IVG (ou seja, é necessário que intervenham dois profissionais de saúde).
Nesta primeira consulta é dada toda a informação à mulher, de forma a que esta possa tomar uma decisão “livre, consciente e responsável”, conforme referido na lei. São descritos os métodos existentes (cirúrgico ou medicamentoso), e a mulher é aconselhada pelo médico por qual deles deve optar.
Na consulta prévia, e juntamente com as informações cedidas à mulher, é entregue o impresso Consentimento Livre e Esclarecido. Este documento serve para que a mulher assegure a sua vontade de interromper a gravidez, por escrito. A decisão é apenas dela. O documento deve ser lido, assinado e entregue até à data de início da IVG. No caso de se tratar de mulheres menores de 16 anos, o impresso tem de ser assinado pelo encarregado de educação ou representante legal da menor.
Após a primeira consulta, a mulher é legalmente obrigada a realizar um período de reflexão de três dias. Caso a mulher o deseje, o período pode ser maior, mas nunca inferior. Nesta fase pode também ser solicitado apoio psicológico e acompanhamento social.
Não é permitido dar início à IVG antes do período obrigatório de três dias de reflexão, mesmo que a marcação da consulta prévia tenha ultrapassado os cinco dias estipulados. Isto mesmo foi descrito ao Gerador pelas mulheres que realizaram a IVG e por profissionais de saúde envolvidos no procedimento.
Importa ainda referir que a assinatura do consentimento (ou a sua entrega com antecedência) não significa que este período possa ser evitado. Ele é sempre obrigatório, mesmo quando a IVG é feita no privado.
Conforme foi anteriormente referido, a IVG a pedido da mulher, até às dez semanas de gestação, pode ser realizada por via medicamentosa (com recurso a fármacos) ou cirúrgica (por aspiração intrauterina).
A interrupção medicamentosa recorre a dois fármacos diferentes para interromper a gravidez: o Mifepristone e o Misoprostol.
De acordo com informação disponível na página da Associação para o Planeamento da Família (APF), “o Mifepristone é tomado sob a forma de comprimido e atua bloqueando a hormona responsável pela manutenção da gravidez, a progesterona”. A combinação deste com o Misoprostol provoca “contrações do útero, causando hemorragia e a expulsão do conteúdo uterino”.
A IVG por via medicamentosa decorre durante cerca de três dias. No primeiro dia é tomado um comprimido, via oral, de 200 miligramas de Mifepristone, segundo descrito pela APF. Esta toma é habitualmente feita sob supervisão de um profissional de saúde, na própria unidade.
A Mifepristone pode provocar vómitos e perdas de sangue (semelhantes à menstruação) ou dores ligeiras (tipo cólicas). Se a mulher vomitar nas duas horas seguintes à toma do fármaco deve contactar o profissional de saúde que a acompanhou.
Neste mesmo dia, são entregues à mulher quatro comprimidos de Misoprostol, que deve administrar cerca de 2 dias depois, em casa (já que este procedimento não envolve internamento).
De acordo com a APF, 36 a 48 horas após a toma da Mifepristone deve ser tomado o Misoprostol (o segundo fármaco).
A toma deve ser feita da seguinte forma: “4 comprimidos (800 mcg) por via bucal (derretidos na bochecha) ou por via vaginal. Em alguns hospitais podem ser administrados apenas 2 comprimidos de Misoprostol (400 mcg), também por via bucal (derretidos na bochecha) ou por via vaginal”, diz a mesma entidade.
O Misoprostol provoca contrações uterinas, motivo pelo qual pode levar a dores cujo impacto depende de cada mulher e do tempo de gestação. É recomendada a toma de analgésicos, conforme indicação médica. Ocorrem ainda perdas de sangue, que podem manter-se até dez dias.
Na maioria dos casos, a expulsão do feto ocorre nas quatro horas seguintes à toma do Misoprostol, mas pode só acontecer mais tarde, nas 24 a 72 horas seguintes.
“Nesse dia, nós sugerimos que as mulheres não vão trabalhar, que fiquem em casa, e que esteja alguém com elas porque vão ter perdas de sangue, que podem ser abundantes, vão ter dores, como se fossem as contrações. Essas dores às vezes irradiam para as costas, na região lombar, ou para as coxas. E normalmente essas dores duram até a expulsão do saco”, explica, em entrevista ao Gerador, Maria José Alves, médica especialista em ginecologia e obstetrícia da Maternidade Alfredo da Costa e responsável pela consulta de IVG.
As complicações médicas posteriores são raras, porém é recomendado vigiar sintomas como febre superior a 38º, hemorragias graves e fortes dores abdominais (que não desaparecem com analgésicos).
A interrupção da gravidez por via cirúrgica “consiste na aspiração do conteúdo uterino, com uma sonda plástica, sob anestesia geral ou local”, diz a APF.
De forma a preparar o colo do útero e facilitar a intervenção, são administrados 2 comprimidos, por via vaginal ou bucal, 3 horas antes do procedimento.
A intervenção dura entre 5 a 20 minutos e a permanência no serviço demora normalmente uma manhã ou uma tarde, segundo a mesma fonte.
Conforme explicou ao Gerador a médica Maria José Alves, este método é indicado “preferencialmente a mulheres que tenham anemia de base (devido às possibilidades de hemorragia com o método medicamentoso); mulheres que estejam a fazer terapêutica de anticoagulação ou que tenham distúrbios de coagulação”.
Duas a três semanas depois, é marcada uma consulta de follow-up para observar e avaliar a eficácia do procedimento. Na sessão também é dado aconselhamento sobre métodos contracetivos a utilizar no futuro, no âmbito de uma consulta de planeamento familiar.
“Os estudos dizem que, tanto o aborto medicamentoso, como o aborto cirúrgico não aumentam o risco de aborto posteriormente, não aumentam a fertilidade, não aumentam complicações na gravidez”, explica Maria José Alves, especialista ginecologia e obstetrícia da Maternidade Alfredo da Costa.
“A única coisa que um ou dois estudos disseram é que, quando as mulheres repetem abortos — por exemplo três ou mais abortos — isso pode fazer com que, mais tarde, consigam engravidar, mas que tenham risco de aborto tardio ou de parto pré-termo. Isto porque o colo [do útero] é como se abrisse antes de tempo (porque já foi aberto outras vezes). Alguns profissionais pensam que, com o aborto medicamentoso, isso se calhar já não acontece, porque não há uma abertura forçada, digamos assim”, explica a especialista.
Os números da DGS revelam, de um modo geral, que o número de IVGs realizadas em Portugal tem vindo a diminuir nos últimos anos.
Em 2008, foram feitos 18 014 abortos a pedido da mulher no SNS. Este número foi aumentando até 2011, ano em que atingiu o seu pico, com 19 921 IVGs (num total de 20 480 realizadas nesse ano, se incluirmos as interrupções por razões médicas). A partir daí, os números têm vindo a descer consecutivamente: em 2012, foram feitas 18 615 IVGs a pedido da mulher; em 2014, foram 16 180. Em 2016, fizeram-se 15 416 e, em 2018, 14 336. Em 2019, verificou-se um ligeiro aumento, atingindo-se as 14 696. Durante os anos de pandemia a tendência de decréscimo manteve-se, com 13 777 IVGs a ser realizadas em 2020 e 11 640, em 2021.
A DGS alerta que os dados do ano passado são ainda provisórios, porém, a confirmarem-se, dão conta do número mais baixo de sempre.
Além disso, Portugal tem-se mantido sempre abaixo da média europeia: “A média da região Europeia, em 2018, situou-se nos 229,64 por 1.000 nados vivos (Portugal 172,47 por 1.000 nados vivos) e, em 2019, foi de 210,84 por 1.000 nados vivos (Portugal 177,34 por 1.000 nados vivos)”, diz a DGS.
De acordo com dados cedidos ao Gerador pela DGS, “continua a ser predominante o método medicamentoso no SNS e o cirúrgico no privado”. Assim, em 2019, 98,13 % das interrupções da gravidez feitas no SNS foram medicamentosas. No ano seguinte, esta taxa foi de 98,77 % e, em 2021, foi de 98,84 % (dado provisório).
No privado, os números são quase inversos: em 2019, 93,99 % das IVG realizadas em clínicas privadas foram feitas pelo método cirúrgico. Em 2020, a taxa subiu para 97,40 %. Em 2021, ficou pelos 95,63 % (dado provisório).
Apenas a própria mulher pode solicitar uma IVG. A exceção é feita em casos de incapacidade psíquica ou se a mulher for menor de 16 anos, situações em que o representante legal pode pedir a interrupção da gravidez.
Importa ainda referir que as mulheres imigrantes têm os mesmos direitos do que as mulheres nascidas em Portugal “independentemente da sua situação legal”, lê-se na página do Sistema Nacional de Saúde (SNS).
“A interrupção voluntária da gravidez confere isenção de pagamento de taxas moderadoras. Deste modo, a utente não tem custos com o procedimento para IVG”, conforme descrito na página do SNS.
De acordo com o estipulado na lei nº 16/2007, a IVG a pedido da mulher apenas pode ser realizada até às 10 semanas, calculadas a partir da data da última menstruação.
É obrigatório um período de reflexão de, pelo menos, três dias, após a primeira consulta (solicitada pela mulher).
A lei define ainda que a IVG propriamente dita não pode ser feita pelo mesmo profissional que faz a ecografia de datação de gravidez (ou seja, envolve necessariamente dois profissionais de saúde, obrigados a sigilo).
O diploma também salvaguarda a possibilidade de objeção de consciência por parte dos profissionais de saúde. Deste modo, caso a mulher se depare com um(a) médico (a) opositor(a), “este tem a obrigação de informar a mulher e indicar-lhe, de imediato, outros técnicos/serviços aos quais ela possa recorrer”, diz a Associação Para o Planeamento da Família (APF), que reúne dados sobre o tema. Neste tipo de casos, as mulheres podem mesmo ser encaminhadas para outras unidades de saúde.
De acordo com a informação disponível no site do SNS, a consulta da IVG é disponibilizada em “centros de saúde ou maternidades/hospitais com serviço de obstetrícia/ginecologia”. Em alternativa, também pode ser realizada em clínicas privadas acreditadas pelo SNS.
Apesar disso, nem todas as unidades hospitalares conseguem dar resposta.
Muitas das mulheres que responderam ao inquérito do Gerador contam ter sido encaminhadas para unidades de saúde fora da sua área de residência, vendo-se obrigadas a longas deslocações e, por vezes, a mais dias de espera do que os estipulados na lei para marcação de consulta (cinco dias). Questionada sobre isso, a Direção-Geral de Saúde (DGS) declarou, numa resposta por escrito ao Gerador, que “no SNS, nesta como noutras áreas, existem sinergias e colaboração entre serviços e instituições para garantir a resposta necessária”.
Dados cedidos pela mesma entidade dão conta de que existem apenas 35 hospitais ou maternidades do SNS onde a consulta de IVG é realizada (dois deles localizados na região autónoma dos Açores e um na da Madeira). Podes ver a lista completa, aqui.
Além das unidades públicas, a IVG pode ser realizada no setor privado, mas só em locais acreditados para o efeito. A Clínica dos Arcos, em Lisboa, é um desses lugares. Ali são realizadas IVGs tanto por mulheres que procuram o serviço privado diretamente (e pagam os valores estipulados nesta tabela), como por mulheres que se dirigiram ao SNS, mas este, por falta de disponibilidade para prestação do serviço no tempo estipulado, as encaminha para a clínica. Neste último caso, os custos são suportados pelo SNS, em regime de parceria público-privada. Além da Clínica dos Arcos, a IVG pode ser realizada no Hospital do SAMS – Centro Clínico de Lisboa.
Para solicitar a realização de uma Interrupção Voluntária da Gravidez é necessário, antes de tudo, dirigir-se a um serviço de saúde e manifestar essa vontade, para que seja marcada uma consulta. De acordo com a informação publicada na página do SNS, a mulher que pretenda interromper a gravidez “deve dirigir-se a um serviço de saúde, preferencialmente ao centro de saúde para a consulta prévia de interrupção voluntária da gravidez. Se não tiver atendimento no centro de saúde pode deslocar-se ao hospital (com serviço de obstetrícia e ginecologia) da área de referência”.
Existe ainda a possibilidade de marcar a consulta da IVG por telefone, mas o atendimento depende da disponibilidade do centro ou hospital em questão. Conforme descrito na página da APF “alguns hospitais permitem a marcação direta da consulta prévia, sem necessidade de passar pelo Centro de Saúde; noutros casos, é sugerido que a consulta prévia ocorra no Centro de Saúde”.
A lei estipula que o período entre a marcação e a realização da consulta não pode exceder os cinco dias úteis. Apesar disso, algumas das mulheres ouvidas pelo Gerador relatam períodos de espera bastante mais extensos, que, nalguns casos, atingem semanas.
Questionada sobre esta divergência, a DGS assegura, em resposta escrita enviada ao Gerador, que “o tempo médio [de espera] manteve-se nos 5 dias nos [últimos] 4 anos”. Já a mediana foi de 6,34 em 2018, 6,42 em 2019, 6,22 em 2020 e 2021 (sendo que os dados do ano passado são ainda provisórios).
A consulta prévia serve para dar início ao processo da IVG, que começa pela datação da idade gestacional, com uma ecografia. Esta datação é feita a partir da data da última menstruação. Conforme estipulado na lei, a datação não pode ser feita pelo(a) mesmo(a) médico(a) que realiza a IVG (ou seja, é necessário que intervenham dois profissionais de saúde).
Nesta primeira consulta é dada toda a informação à mulher, de forma a que esta possa tomar uma decisão “livre, consciente e responsável”, conforme referido na lei. São descritos os métodos existentes (cirúrgico ou medicamentoso), e a mulher é aconselhada pelo médico por qual deles deve optar.
Na consulta prévia, e juntamente com as informações cedidas à mulher, é entregue o impresso Consentimento Livre e Esclarecido. Este documento serve para que a mulher assegure a sua vontade de interromper a gravidez, por escrito. A decisão é apenas dela. O documento deve ser lido, assinado e entregue até à data de início da IVG. No caso de se tratar de mulheres menores de 16 anos, o impresso tem de ser assinado pelo encarregado de educação ou representante legal da menor.
Após a primeira consulta, a mulher é legalmente obrigada a realizar um período de reflexão de três dias. Caso a mulher o deseje, o período pode ser maior, mas nunca inferior. Nesta fase pode também ser solicitado apoio psicológico e acompanhamento social.
Não é permitido dar início à IVG antes do período obrigatório de três dias de reflexão, mesmo que a marcação da consulta prévia tenha ultrapassado os cinco dias estipulados. Isto mesmo foi descrito ao Gerador pelas mulheres que realizaram a IVG e por profissionais de saúde envolvidos no procedimento.
Importa ainda referir que a assinatura do consentimento (ou a sua entrega com antecedência) não significa que este período possa ser evitado. Ele é sempre obrigatório, mesmo quando a IVG é feita no privado.
Conforme foi anteriormente referido, a IVG a pedido da mulher, até às dez semanas de gestação, pode ser realizada por via medicamentosa (com recurso a fármacos) ou cirúrgica (por aspiração intrauterina).
A interrupção medicamentosa recorre a dois fármacos diferentes para interromper a gravidez: o Mifepristone e o Misoprostol.
De acordo com informação disponível na página da APF, “o Mifepristone é tomado sob a forma de comprimido e atua bloqueando a hormona responsável pela manutenção da gravidez, a progesterona”. A combinação deste com o Misoprostol provoca “contrações do útero, causando hemorragia e a expulsão do conteúdo uterino”.
A IVG por via medicamentosa decorre durante cerca de três dias. No primeiro dia é tomado um comprimido, via oral, de 200 miligramas de Mifepristone, segundo descrito pela APF. Esta toma é habitualmente feita sob supervisão de um profissional de saúde, na própria unidade.
A Mifepristone pode provocar vómitos e perdas de sangue (semelhantes à menstruação) ou dores ligeiras (tipo cólicas). Se a mulher vomitar nas duas horas seguintes à toma do fármaco deve contactar o profissional de saúde que a acompanhou.
Neste mesmo dia, são entregues à mulher quatro comprimidos de Misoprostol, que deve administrar cerca de 2 dias depois, em casa (já que este procedimento não envolve internamento).
De acordo com a APF, 36 a 48 horas após a toma da Mifepristone deve ser tomado o Misoprostol (o segundo fármaco).
A toma deve ser feita da seguinte forma: “4 comprimidos (800 mcg) por via bucal (derretidos na bochecha) ou por via vaginal. Em alguns hospitais podem ser administrados apenas 2 comprimidos de Misoprostol (400 mcg), também por via bucal (derretidos na bochecha) ou por via vaginal”, diz a mesma entidade.
O Misoprostol provoca contrações uterinas, motivo pelo qual pode levar a dores cujo impacto depende de cada mulher e do tempo de gestação. É recomendada a toma de analgésicos, conforme indicação médica. Ocorrem ainda perdas de sangue, que podem manter-se até dez dias.
Na maioria dos casos, a expulsão do feto ocorre nas quatro horas seguintes à toma do Misoprostol, mas pode só acontecer mais tarde, nas 24 a 72 horas seguintes.
“Nesse dia, nós sugerimos que as mulheres não vão trabalhar, que fiquem em casa, e que esteja alguém com elas porque vão ter perdas de sangue, que podem ser abundantes, vão ter dores, como se fossem as contrações. Essas dores às vezes irradiam para as costas, na região lombar, ou para as coxas. E normalmente essas dores duram até a expulsão do saco”, explica, em entrevista ao Gerador, Maria José Alves, médica especialista em ginecologia e obstetrícia da Maternidade Alfredo da Costa e responsável pela consulta de IVG.
As complicações médicas posteriores são raras, porém é recomendado vigiar sintomas como febre superior a 38º, hemorragias graves e fortes dores abdominais (que não desaparecem com analgésicos).
A interrupção da gravidez por via cirúrgica “consiste na aspiração do conteúdo uterino, com uma sonda plástica, sob anestesia geral ou local”, diz a APF.
De forma a preparar o colo do útero e facilitar a intervenção, são administrados 2 comprimidos, por via vaginal ou bucal, 3 horas antes do procedimento.
A intervenção dura entre 5 a 20 minutos e a permanência no serviço demora normalmente uma manhã ou uma tarde, segundo a mesma fonte.
Conforme explicou ao Gerador a médica Maria José Alves, este método é indicado “preferencialmente a mulheres que tenham anemia de base (devido às possibilidades de hemorragia com o método medicamentoso); mulheres que estejam a fazer terapêutica de anticoagulação ou que tenham distúrbios de coagulação”.
Duas a três semanas depois, é marcada uma consulta de follow-up para observar e avaliar a eficácia do procedimento. Na sessão também é dado aconselhamento sobre métodos contracetivos a utilizar no futuro, no âmbito de uma consulta de planeamento familiar.
“Os estudos dizem que, tanto o aborto medicamentoso, como o aborto cirúrgico não aumentam o risco de aborto posteriormente, não aumentam a fertilidade, não aumentam complicações na gravidez”, explica Maria José Alves.
“A única coisa que um ou dois estudos disseram é que, quando as mulheres repetem abortos — por exemplo três ou mais abortos — isso pode fazer com que, mais tarde, consigam engravidar, mas que tenham risco de aborto tardio ou de parto pré-termo. Isto porque o colo [do útero] é como se abrisse antes de tempo (porque já foi aberto outras vezes). Alguns profissionais pensam que, com o aborto medicamentoso, isso se calhar já não acontece, porque não há uma abertura forçada, digamos assim”, explica a especialista.
Os números da DGS revelam, de um modo geral, que o número de IVGs realizadas em Portugal tem vindo a diminuir nos últimos anos.
Em 2008, foram feitos 18 014 abortos a pedido da mulher no SNS. Este número foi aumentando até 2011, ano em que atingiu o seu pico, com 19 921 IVGs (num total de 20 480 realizadas nesse ano, se incluirmos as interrupções por razões médicas). A partir daí, os números têm vindo a descer consecutivamente: em 2012, foram feitas 18 615 IVGs a pedido da mulher; em 2014, foram 16 180. Em 2016, fizeram-se 15 416 e, em 2018, 14 336. Em 2019, verificou-se um ligeiro aumento, atingindo-se as 14 696. Durante os anos de pandemia a tendência de decréscimo manteve-se, com 13 777 IVGs a ser realizadas em 2020 e 11 640, em 2021.
A DGS alerta que os dados do ano passado são ainda provisórios, porém, a confirmarem-se, dão conta do número mais baixo de sempre.
Além disso, Portugal tem-se mantido sempre abaixo da média europeia: “A média da região Europeia, em 2018, situou-se nos 229,64 por 1.000 nados vivos (Portugal 172,47 por 1.000 nados vivos) e, em 2019, foi de 210,84 por 1.000 nados vivos (Portugal 177,34 por 1.000 nados vivos)”, diz a DGS.
De acordo com dados cedidos ao Gerador pela DGS, “continua a ser predominante o método medicamentoso no SNS e o cirúrgico no privado”. Assim, em 2019, 98,13 % das interrupções da gravidez feitas no SNS foram medicamentosas. No ano seguinte, esta taxa foi de 98,77 % e, em 2021, foi de 98,84 % (dado provisório).
No privado, os números são quase inversos: em 2019, 93,99 % das IVG realizadas em clínicas privadas foram feitas pelo método cirúrgico. Em 2020, a taxa subiu para 97,40 %. Em 2021, ficou pelos 95,63 % (dado provisório).