fbpx

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

REPORTAGEM
 CAUSAS SOCIAIS 

E SE A CULTURA
DE ABUSO AFETASSE O

FINANCIAMENTO DAS INSTITUIÇÕES?

 

Texto de Débora Cruz e Sofia Matos Silva
Edição de Débora Dias e Tiago Sigorelho
Ilustrações de Frederico Pompeu
Produção de Sara Fortes da Cunha
Comunicação de Carolina Esteves e Margarida Marques
Digital de Inês Roque

07.10.2024

Ativistas e académicos alertam que as instituições de ensino superior não conseguem resolver problemas de assédio sem a intervenção de outras entidades. Agências de financiamento, equipas responsáveis por rankings universitários, departamentos e ministérios de Educação e até mesmo a sociedade civil, podem desempenhar papéis importantes.

Esta reportagem é a oitava e última da investigação Abuso de Poder no Ensino Superior, publicada no Gerador ao longo dos últimos meses.

Se fosse possível fazer com que agressores não pudessem receber bolsas ou outro tipo de financiamento, as instituições seriam forçadas a combater os comportamentos abusivos perpetrados pelos seus estudantes, docentes, investigadores e funcionários. É Annabelle M. [nome fictício a pedido da entrevistada], uma das mulheres envolvidas na iniciativa internacional #MeTooAcademia, que visa a interajuda entre vítimas de violência sexual em contexto académico, quem o assegura. “Se as faculdades não receberem prémios ou reconhecimento, as instituições vão querer saber [dos casos de assédio]”, reitera, em entrevista ao Gerador.

Morteza Mahmoudi, cofundador da Academic Parity Movement, uma organização norte-americana que visa erradicar o bullying no meio académico, subscreve o argumento. O cientista iraniano acredita que a única forma de resolver estes problemas passa pela colaboração de todas as partes interessadas. “Sozinhas, as instituições não têm interesse ou os recursos suficientes para resolver o problema”, assevera, em entrevista ao Gerador. “Mas imaginem se as agências de financiamento, as entidades que fazem os rankings universitários, as instituições dos media, e toda a comunidade entrassem na equação: as instituições teriam de tomar medidas.”

O que Annabelle e Morteza sugerem é já uma realidade em algumas agências internacionais que financiam atividades de investigação e instituições de ensino superior. Nos Estados Unidos, algumas agências já adotam práticas que vinculam o financiamento a políticas de assédio. O Office of Extramural Research (OER), responsável pela orientação de investigadores e das suas instituições nos processos de financiamento concedidos pelo National Institutes of Health (NIH), a principal agência de pesquisa biomédica do governo norte-americano, aplica termos que exigem condições de trabalho seguras e saudáveis. “Se houver assédio, bullying ou um ambiente de trabalho hostil, isso pode constituir uma violação dos termos”, explicou Michael Lauer, vice-diretor do OER, na conferência anual da Academic Parity Movement, em 2022.

 

Entre 2018 e 2021, o OER já tinha recebido mais de 400 queixas de assédio por parte de membros da comunidade científica ou de trabalhadores das instituições que receberam financiamento da NIH. Após a receção da denúncia, se os dados fornecidos não forem demasiado genéricos, o OER entra em contacto com a instituição. “Depois, as instituições podem escolher se decidem abrir uma investigação formal, o que acontece em 2/3 dos casos. Descobrimos que, dependendo do tipo de alegação, entre 20 a 35 % das queixas acabam por ser comprovadas.”

Em alguns dos casos, os investigadores acusados acabam por ser removidos da equipa que recebeu o financiamento ou ficam impedidos de receber outro tipo de recursos financeiros. Noutros casos, os académicos são impedidos de fazer Peer Review (a apreciação por pares que caracteriza a publicação de artigos científicos) ou acabam mesmo por abandonar a instituição.

Em Portugal, a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) é a agência pública responsável pelo financiamento e apoio à investigação em ciência, tecnologia e inovação em todas as áreas do conhecimento. Em agosto, o Gerador entrou em contacto, via e-mail, com a presidente do Conselho Diretivo da FCT, Madalena Alves, com o objetivo de conhecer o possível papel das agências de financiamento na prevenção e combate ao assédio nas instituições de ensino superior. No entanto, até ao momento, o Gerador não obteve qualquer resposta.

Para além da FCT, o Gerador contactou também a Fundação Calouste Gulbenkian (FCG), via e-mail, com o objetivo de perceber se para obter ou manter qualquer tipo de financiamento concedido a académicos ou instituições, são tidas em conta as condições de trabalho oferecidas pelos beneficiários aos seus trabalhadores, ou eventuais casos de assédio que envolvam os candidatos.

 

Na resposta enviada ao Gerador, a FCG escreveu que: “a Fundação exige que os seus beneficiários institucionais forneçam condições de trabalho seguras e saudáveis, constituindo justa causa para a revogação dos apoios concedidos o incumprimento das obrigações contratualmente assumidas nesta matéria […].”

Além disso, acrescentam que: “A Fundação está, por isso, atenta a todas as situações que indiciem uma possível violação das normas e políticas acima referidas e assegura uma investigação atempada e rigorosa nos casos em que possam estar envolvidos quaisquer dos seus colaboradores, pessoal relacionado e beneficiários.” Ainda assim, questionados pelo Gerador sobre se a FCG já recebeu denúncias de assédio (ou outro tipo de comportamento anti-ético) que envolvessem trabalhadores ou estudantes que receberam o seu financiamento, a Fundação não respondeu.

Annabelle M. e Tracy DeTomasi, diretora executiva da Callisto, uma organização contra a violência sexual nas instituições de ensino superior norte-americanas, concordam que a questão reputacional é muito importante no tratamento destes casos. No caso das universidades dos Estados Unidos, a CEO refere que muitas temem enfrentar os seus problemas, porque receiam que, ao fazê-lo, os seus campus pareçam pouco seguros.

O SILÊNCIO DAS ENTIDADES RESPONSÁVEIS PELOS RANKINGS UNIVERSITÁRIOS E O PAPEL DA SOCIEDADE CIVIL

 

É improvável que as instituições de ensino superior consigam enfrentar os seus problemas de assédio e de abuso de poder sem o envolvimento de outras entidades, reforça Morteza Mahmoudi. Para além das agências de financiamento, o cofundador da Academic Parity Movement não esquece o papel das entidades responsáveis pela elaboração dos rankings universitários.

O QS World University Rankings, o Times Higher Education World University Rankings e o Academic Ranking of World Universities são alguns dos rankings universitários mais importantes e consultados a nível mundial. As tabelas que estas entidades produzem são fontes de informação relevantes para académicos e estudantes, que as usam para comparar a reputação e a qualidade do ensino e investigação produzidos em cada universidade.

Uma análise à metodologia de elaboração dos três rankings, disponíveis nos respetivos websites, permite concluir que nenhum deles tem em conta a qualidade do ambiente de trabalho de funcionários, técnicos, professores e investigadores, ou a qualidade das relações estabelecidas entre estudantes e o corpo docente. Para associações como a Academic Parity Movement, esta poderia ser uma possibilidade: se a transparência das instituições e o tratamento que concedem a situações de abuso de poder, assédio e bullying fossem considerados como critérios destes rankings, as instituições poderiam ser prejudicadas se não tratassem destes casos com seriedade.

 

 

Em agosto, o Gerador entrou em contacto, via e-mail, com as equipas que elaboram o QS World University Rankings, o Times Higher Education World University Rankings e o Academic Ranking of World Universities. Os pedidos de informação solicitados pretendiam averiguar o possível papel destas entidades no combate ao assédio no meio académico.

Procurou-se confirmar se a qualidade do ambiente de trabalho e ensino eram alguma vez tidos em conta nos cálculos desenvolvidos pelas entidades, ou se o tratamento que as instituições fazem de casos de assédio e abuso de poder poderiam aumentar ou diminuir os cálculos reputacionais elaborados. Até ao momento, o Gerador não obteve qualquer resposta por parte de nenhuma das equipas contactadas.

Mas para além destas entidades e das agências de financiamento, Morteza Mahmoudi insiste que também a sociedade civil tem um papel a desempenhar. “Os agressores são protegidos e financiados pelas instituições com fundos públicos e esse dinheiro vem dos contribuintes. Dessa forma, as pessoas deveriam estar conscientes de que, indiretamente, financiam este tipo de situações: os contribuintes têm o direito de saber se os seus impostos estão a ser usados de forma correta.”

O cofundador da Academic Parity Movement destaca ainda que situações de bullying e assédio em contexto académico acabam por prejudicar o trabalho e a produtividade dos investigadores, pelo que toda a sociedade acaba por sofrer com o atraso do desenvolvimento da ciência.

De igual forma, são múltiplos os ativistas e académicos que sublinham a necessidade de envolver toda a comunidade académica na prevenção e combate ao assédio nas instituições de ensino superior, incluindo os agressores.

O ASSÉDIO SEXUAL E A INTERVENÇÃO À VÍTIMA, AO AGRESSOR E À COMUNIDADE

 

 

 

Em novembro de 2021, em resposta a denúncias de assédio que envolviam um dos seus funcionários, a Universidade do Minho anunciou a criação de um Grupo de Missão que deveria elaborar um conjunto de orientações capazes de informar a Estratégia da UMinho para a Prevenção e o Combate ao Assédio.

Em janeiro de 2022, a equipa constituída — coordenada por Marlene Matos, psicóloga e professora associada da Escola de Psicologia — apresentou o documento à reitoria. O grupo optou por adotar exclusivamente o termo “prevenção”, descartando o uso de “combate”. Segundo eles, a “prevenção” possibilita uma abordagem holística ao assédio, considerando todos os envolvidos (agressor, vítima e comunidade académica), e exige soluções inclusivas e abrangentes.

Segundo a equipa, a “prevenção” permite também colocar em evidência a necessidade de intervenção, não só junto da vítima, mas também do agressor e da comunidade. “Da vítima, otimizando o devido apoio, de modo a prevenir a vitimação secundária. Do agressor, na medida em que a intervenção junto do mesmo deve encontrar-se orientada para a sua ressocialização, dotando-o dos instrumentos necessários para que não reincida na prática do assédio”, sustentam.

Segundo a RAINN, (de Rape, Abuse & Incest National Network), a maior organização norte-americana contra a violência sexual, há pequenas coisas que se podem fazer para voltar a sentir alguma segurança num campus universitário depois de se sofrer uma agressão:

• Procurar os recursos disponíveis na universidade, nomeadamente serviços psicológicos, serviços de agressão sexual, apoios de saúde e, eventualmente, até as equipas de segurança e autoridades policiais;

• Caso existam receios de quebra de anonimato, é sempre possível procurar recursos localizados fora do campus, como organizações locais de apoio a vítimas de violência sexual ou até abrigos para vítimas de violência doméstica;

• Se o agressor for alguém com o qual a vítima tenha proximidade, pode recorrer aos serviços administrativos para alterações de horários, turmas ou residências;

• Caso o perigo persista e ainda não tenha sido apresentada queixa, apresentar queixa e, mal seja aberto processo-crime, pedir que seja imposta a obrigação de afastamento da vítima. Em Portugal, estes processos são mais demorados; nos Estados Unidos, por exemplo, é possível solicitar uma ordem de restrição temporária imediata, ainda sem ter sido aberto processo-crime;

• Num domínio mais introspetivo, é sempre importante tentar lembrar o antes do ataque e as características do dia a dia que permitiam sentir segurança e bem-estar. Que rituais de sono existiam? Que tipo de refeições sabiam bem? Que tipo de exercícios garantiam sensação de energia e força? Que rotinas eram agradáveis? Que eventos criavam entusiasmo? Que pessoas traziam felicidade e garantiam apoio? Que espaços davam a sensação de conforto? Também pode ser útil pensar no futuro: que alterações seriam importantes para voltar a sentir segurança?

Ricardo Barroso, psicólogo e coordenador do Aggression Lab na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), atua desde 2009 na área da violência sexual, especialmente em intervenções com agressores sexuais. O também docente reconhece a importância da intervenção psicológica junto de agressores e assediadores, mas aponta para as diferenças e desafios na definição das diversas formas de assédio sexual, que dificultam a formulação de uma intervenção especializada.

“Quando falamos de agressores sexuais, temos diferentes tipologias: abusadores sexuais de crianças, violadores, entre outros, e [através destas tipologias] conseguimos classificar e perceber, de forma geral, as suas características”, explica o psicólogo ao Gerador. “No caso do assédio, há aqui um contínuo muito variável: temos casos gravíssimos de exercício de poder, e temos outros que podem ir desde o pretenso cavalheirismo, a determinado tipo de toques intrusivos ou disfarçados de casualidade.”

O académico acredita, desta forma, que nos casos de assédio sexual parece existir um “contínuo de gravidade que tem um caráter sexualizado, muitas vezes revestido de uma brincadeira estúpida ou parva”. “Há pessoas que ainda não têm a noção de que vivemos, desde há alguns anos, em contextos diferentes do ponto de vista da interação, e que de facto há um conjunto de comportamentos e de comentários que são sexistas e humilhantes para as pessoas, e que antigamente eram entendidos como normais.”

Para os casos mais graves de assédio sexual, Ricardo Barroso perspetiva a intervenção psicológica junto dos assediadores como uma possibilidade. O psicólogo exemplifica um destes casos: “Tipicamente, o assediador está numa situação de poder face à vítima. Eventualmente, procura induzi-la pouco a pouco, tal como num processo de grooming, e tenta deixar claros os benefícios e as vantagens, ou as ameaças, que a outra pessoa poderá ter, ou de que poderá ser alvo, no caso de se envolver (ou não) sexualmente com aquela pessoa. Isto, sim, é um padrão que diria [ser] muito semelhante aos agressores sexuais” em que a intervenção psicológica é trabalhada. “Não creio que [a intervenção junto de assediadores] seria a mesma que é feita com agressores sexuais. Creio que os próprios objetivos e intenções são diferentes, mas só com a intervenção e avaliação se poderia verificar.”

 

Em casos de violência, especialmente sexual, o conceito de “espectador ativo” é frequentemente discutido por organizações de apoio. Um espectador ativo é alguém que, mesmo sem estar diretamente envolvido, intervém para interromper uma situação potencialmente perigosa.

“Todos nós podemos ser espectadores a qualquer momento. Todos os dias, acontecimentos e situações potencialmente inseguras desenrolam-se à nossa volta a um ritmo alarmante. Nestas situações, pode-se desempenhar um papel importante no combate à violência interpessoal dentro e fora do campus. Pode haver muitas situações que exijam que se intervenha e se aja em conformidade. Agir e interferir com segurança é uma competência essencial. Intervir pode fazer toda a diferença, mas nunca deve colocar a própria segurança em risco”, é explicado num guia da RAINN (de Rape, Abuse & Incest National Network). Algumas das linhas de ação propostas são:

• Criar uma distração é uma forma subtil de intervir o mais rápido possível. O objetivo da distração é interromper o incidente, de forma segura, comunicando com o indivíduo em risco e dando-lhe a oportunidade de sair em segurança da situação potencialmente perigosa, ou redirecionar a atenção do agressor. O importante é não deixar os envolvidos sozinhos, e deixar bem claro ao agressor que tem espectadores.

• Perguntar diretamente ao indivíduo em risco, de forma a perceber se é necessário tomar uma ação imediatamente. Podem ser perguntas simples como “precisas de ajuda?”, “queres que fique aqui contigo?” ou “precisas de sair daqui e ir para algum lugar mais seguro?”. Também é importante ter esta conversa sem o potencial agressor a ouvir. Se for preciso, contactar rapidamente as autoridades competentes, como seguranças do campus ou forças policiais em patrulha.

• Caso seja necessário para diminuir o risco, é sempre possível reunir outras pessoas, de forma a intervir e abordar o agressor em grupo, ou até expressar preocupação à vítima. Também pode ser importante chamar amigos da pessoa em risco, ou procurar uma figura de autoridade.

• Após a agressão, ou a agressão impedida, é essencial mostrar apoio à pessoa vitimizada. Pode ser algo tão simples como acompanhar a pessoa até casa ou chamar-lhe um Uber, ou, dependendo da gravidade, chamar uma ambulância ou acompanhá-la até a uma esquadra.

 

À semelhança do Grupo de Missão da Universidade do Minho, Ricardo Barroso crê que existe um conjunto de intervenções que pode ser implementado em relação ao assédio sexual em contexto académico. Numa fase preventiva, o psicólogo destaca a dimensão da formação, do esclarecimento e da sensibilização. “Considero sempre importante — e isto acontece com pessoas jovens e mais velhas – [trabalhar] a noção do exagero: [de que as preocupações com o assédio sexual são] um exagero, ou uma moda. Esta ideia vai sendo desconstruída quando conversamos com estas pessoas e as fazemos perceber que se trata de uma questão de dignidade.”

Num segundo nível, o psicólogo assinala que, no contexto de uma entidade ou instituição, existe a necessidade de explicar aos funcionários e colaboradores o que é o assédio e de que forma se podem delimitar as “linhas vermelhas” das relações estabelecidas. “Depois, é muito importante trabalhar com as chefias e os vários níveis hierárquicos. É importante trabalhar com estas pessoas e fazê-las perceber das diferenças [que acarretam] os diferentes papéis que desempenham, [porque] há momentos em que as exigências são maiores: se sou chefe e vejo um outro superior a ter práticas erradas, não posso cruzar os braços ou tolerar este tipo de comportamentos.”

 

A VIOLÊNCIA SEXUAL NOS CAMPUS UNIVERSITÁRIOS

 

Apesar da natureza diferente dos comportamentos abusivos, a resposta à violência sexual também pode ser semelhante à que é proposta pela Academic Parity Movement para o bullying. A atual diretora executiva da organização norte-americana End Rape On Campus (EROC), Kenyora Parham, explica a sua posição em entrevista ao Gerador.

“A primeira coisa que gostava de ver mudada é que as escolas levassem a sério a segurança e o bem-estar da comunidade no campus. Gostava que existisse uma espécie de competição saudável entre as instituições de ensino superior […], em que as escolas pudessem dizer o que fazem, o que não toleram […], e estivessem realmente a esforçar-se em cumprir o que prometem, a ser proativos na forma como previnem a violência sexual.” Desta forma, defende Parham, a segurança nos campus universitários passaria a ser um elemento essencial na escolha de uma universidade, lado a lado com os programas curriculares e os grupos académicos.

Nesta “quase utopia”, continua, o objetivo a longo prazo seria criar campus “onde os estudantes possam sentir que nem sequer precisam de se preocupar com a sua segurança e, mesmo que alguma coisa aconteça, sabem que a instituição vai tratar de tudo.” Para a diretora executiva, esta hipótese implica a implementação de “procedimentos informados sobre o trauma e centrados no sobrevivente” e garantir que todos os estudantes se sentem seguros com todas as entidades responsáveis pelo tratamento dos seus casos.

Há vários sinais de alerta que podem indicar que um adulto em idade universitária pode ter sido abusado sexualmente. Segunda a RAINN (de Rape, Abuse & Incest National Network) é importante estar-se atento a:

• Sinais de depressão, como tristeza persistente, falta de energia, alterações do sono ou do apetite, afastamento de atividades regulares ou sensação de estar “em baixo”;

• Comportamentos de automutilação, pensamentos suicidas ou comportamentos suicidas;

• Baixa autoestima;

• Infeções sexualmente transmissíveis;

• Ansiedade ou preocupação com situações que não pareciam causar ansiedade no passado;

• Evitar situações ou locais específicos;

• Descida de notas ou abandono das aulas;

• Aumento do consumo de drogas ou de álcool.

Da parte do Governo norte-americano, a diretora da EROC gostava de ver um controlo mais apertado. “Precisamos de ver uma verdadeira responsabilização a acontecer por parte do Departamento de Educação”, aponta. “Se uma instituição estiver em violação de qualquer uma das leis de direitos civis, mas especialmente a Title IX, tem de haver garantia de que o Departamento de Educação está a conduzir uma investigação séria em relação ao que se passa, e não só colocando a universidade debaixo de olho, mas também cortando o financiamento, qualquer que seja a percentagem desse corte.”

Quando menciona a Title X, a diretora executiva da EROC refere-se à política federal, implementada em 1972, nos Estados Unidos, que declara que nenhuma pessoa no país deve, com base no seu sexo, ser “excluída da participação [na educação], ter benefícios negados ou ser submetida a discriminação” em qualquer programa ou atividade educacional que receba assistência financeira federal.

A lógica da diretora é simples: se uma instituição é complacente com atos de violência sexual e protege alegados violadores em vez de proteger as suas vítimas, e se a instituição recebe financiamento federal, “quem dá também tira”, e o financiamento deve ficar suspenso até a abordagem ter sido alterada.

Kenyora Parham indica também a necessidade de fazer com que a informação de que as vítimas necessitem seja facilmente acedida, permitindo compreender como e a quem recorrer, quais os recursos disponíveis e quando devem ser procurados. “Precisamos de ter a certeza de que todos estão envolvidos nesta discussão, precisamos de ter a perspetiva de todos os envolvidos, de qualquer forma que seja necessária, para que as políticas e procedimentos, bem como o acesso a recursos de apoio, sejam implementados.”

A ativista acrescenta ainda que gostava de ver estas medidas implementadas a nível internacional. “É bom aprender com outros e com o que os outros estão a fazer para ajudar; desta forma, mesmo que uma pessoa viaje, sabe que está protegida em qualquer lado, e que nos estamos a proteger uns aos outros”, conclui.

 

Esta reportagem é a oitava parte da longa investigação Abuso de Poder no Ensino Superior, que iniciámos na Revista Gerador 43.

 

A tua lista de compras0
O teu carrinho está vazio.
0