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Texto de Analú Bailosa
Edição de Débora Dias e Tiago Sigorelho
Ilustração de Marina Mota
Produção de Sara Fortes da Cunha
Digital de Inês Roque
21.03.2024
Os recursos da internet ainda não são universalmente acessíveis. A navegação por um sítio web, por exemplo, pode ser motivo de ansiedade e frustração para um grande número de utilizadores. Um design que muitos considerem visualmente atrativo pode não ser funcional para quem precisa de tecnologias assistivas para ler informações ou para quem convive com a neurodivergência, como pessoas do espectro autista, com dislexia ou défice de atenção. Voltadas também para quem é excluído digitalmente por falta de literacia, as Diretivas para a Acessibilidade do Conteúdo Web (WCAG) foram criadas em 1999 e continuam a ser atualizadas por um consórcio de organizações internacionais na intenção de fazer do espaço online um meio simples e prático. Um rascunho da terceira versão do guia foi publicado em julho de 2023 e antecipa as alterações e acréscimos à versão atual vigente.
De acordo com os Censos 2021, 10,9 % da população residente em Portugal com cinco ou mais anos têm pelo menos uma incapacidade, sendo 3,5 % desse total representados por casos de deficiência visual ou baixa visão. Nessas situações, é possível recorrer ao leitor de ecrã, função do sistema operacional que apresenta as informações das páginas através do som. Se uma plataforma cumpre com as recomendações técnicas, o programa transmite ao utilizador uma forma padronizada de interação com o seu conteúdo.
«Temos uma perceção de uma página web totalmente diferente», diz-nos Micael Lopes, monitor da área de Informática da ACAPO Coimbra, sobre a experiência digital das pessoas cegas. «Enquanto [o utilizador comum] olha para a página como um todo e depois a divide por partes – ela está feita para, visualmente, os seus olhos irem para aquele sítio –, nós temos de pegar nas pequenas partes para depois tentar constituir um todo», refere. Dada a diversidade gráfica entre os vários sítios web e aplicações disponíveis, faz-se necessária ainda uma «análise prévia mais alongada» desses canais, segundo o representante da associação. Combinada com a complexidade da ferramenta, tal observação pode impedir o utilizador de prosseguir com uma compra ou a leitura de uma notícia.
Para garantir a eficácia do leitor de ecrã, é essencial usar o recurso do texto alternativo, que descreve as imagens apresentadas online, e das metaetiquetas, constituídas por comandos em HTML com metadados que descrevem o que um site faz. É o que explica, em entrevista ao Gerador, a engenheira de software, Inês Matos, integrante da organização As Raparigas do Código. «As pessoas nem sequer pensam na forma como categorizam as coisas. Acontece muito do leitor de ecrã estar a ler e depois começar a dizer “blank”, que [indica que] não tem nada», lamenta a integrante do projeto que fomenta a inclusão de mulheres e raparigas no setor das tecnologias de informação.
Este vídeo exemplifica o impacto da submissão de uma breve descrição na utilização do programa:
Páginas de notícias e plataformas das principais redes sociais têm chamado, pela positiva, a atenção de Inês, que investigou o tema da Acessibilidade Web na tese de mestrado em Informática. Contudo, a especialista alerta para outro critério igualmente importante: «Pode acontecer de ter muitos links repetidos que vão para o mesmo sítio, o que fica muito confuso para a pessoa perceber qual a estrutura do site.»
A engenheira de software orienta para boas práticas que facilitam a navegação: deve-se evitar tabelas, que dificultam a navegação, para a estruturação de sítios web e recorrer às ARIA Labels, que fornecem às tecnologias assistivas rótulos de texto para um objeto, além da atenção ao contraste de cores entre o texto e o plano de fundo, facilitando a experiência de pessoas com daltonismo ou outra dificuldade visual, ainda que momentânea.
O cuidado na escolha das cores também é benéfico para quem se encaixa nos diferentes tipos de desenvolvimento cognitivo, que representam 3,4 % do total da população residente em Portugal com alguma incapacidade, segundo os Censos 2021. A presidente da Associação Portuguesa Voz do Autista, Sara Rocha, destaca a hipersensibilidade à luz com a qual muitas pessoas autistas lidam – o fundo branco, com muita luz, pode incomodar e deixar os leitores mais reativos. «As pessoas neurodivergentes, muitas vezes, têm stress visual e, quando há determinadas cores no fundo e a letra de outra cor – por exemplo, o branco e o preto –, podem ver quase em duplicado ou como se estivessem sem óculos», acrescenta ao mencionar que o modo escuro disponível em algumas plataformas ajuda nesta questão.
Da mesma forma, as variações cognitivas podem acarretar numa maior sensibilidade ao som. «Quando entramos num website, por vezes existem vídeos que começam a funcionar sem a pessoa clicar, o que pode ser extremamente stressante», acrescenta a porta-voz da associação. Segundo Sara Rocha, o stress e o cansaço são reflexos de uma acessibilidade que, por vezes, ignora a neurodiversidade. A especialista defende que a desinformação atinge igualmente as pessoas que passam por essas dificuldades, uma vez que as necessidades para uma navegação mais tranquila na internet não são bem difundidas. «Nós estamos a processar demasiada informação e por isso é que ficamos sobrecarregados. Estamos a processar todos esses sentidos e alguns deles são bastante agressivos para lidar», diz sobre o excesso de estímulos às vezes encontrado nas plataformas digitais.
Priorizar, através do tamanho, as informações e equilibrar a escrita com o uso de imagens, benéfico para a dislexia, por exemplo, são outras recomendações que a Voz do Autista procura seguir na sua página. Além de sublinhar as partes mais importantes do conteúdo apresentado e de deixar «óbvio como aceder a determinadas áreas do site», enumera Sara, a associação pretende num futuro próximo, e que depende de financiamento, ter os seus relatórios disponíveis no formato do Guia para Leitura Fácil, com linguagem simplificada e elementos gráficos, além de implementar a chamada leitura biónica, que destaca partes das palavras e orienta o olhar sobre o texto para facilitar a sua assimilação.
«Uma das coisas que o acesso online e as redes sociais trouxeram foi o sentido de comunidade e a possibilidade de conexão com outras pessoas autistas. Ao crescermos, grande parte de nós não teve esse contacto. Ter esta comunidade de pessoas que têm as mesmas dificuldades acaba por contribuir bastante para a luta pelos direitos das pessoas com deficiência em geral», insiste a presidente em defesa de uma acessibilidade universal.
Fundado pelo «pai da internet», Tim Berners-Lee, o World Wide Web Consortium (W3C) acumula 29 anos de história. Atualmente, 384 membros – empresas, órgãos governamentais e organizações independentes – de todo o mundo trabalham no desenvolvimento de padrões para o espaço digital. Entre as principais ações do consórcio encontra-se a Iniciativa de Acessibilidade na Web (WAI), lançada em 1994, que, desde então, produz materiais de apoio para a compreensão da área e implementação de técnicas recomendadas.
Com o objetivo de permitir a perceção, navegação, interação e contribuição de todos os utilizadores do meio online, o primeiro documento com as diretivas WCAG foi publicado em 1999. A sua mais recente versão, WCAG 2.2, divulgada no último mês de outubro, contém 87 critérios de sucesso, contemplados em quatro princípios: percetível, operável, compreensível e robusto.
O primeiro dos conceitos inclui recomendações que facilitam a visão e a audição das informações, a exemplo do uso de textos alternativos e legendas, sempre garantindo que esses possam ser interpretados por tecnologias assistivas, como o leitor de ecrã. A operabilidade regula, entre outros critérios, o tempo de leitura fornecido por uma página, a disponibilidade de funções no teclado e conteúdos que causem convulsões ou reações físicas. Enquanto a premissa da compreensão assegura que os textos apareçam de forma legível e compreensível e que a plataforma opere de maneira previsível, a robustez maximiza, segundo a descrição da entidade, a «compatibilidade com ferramentas de utilizadores atuais e futuras».
É, no entanto, a versão 2.1 que guia a legislação portuguesa sobre o tema. Muito similar à recém-lançada, reúne 78 critérios de sucesso dentro dos mesmos princípios, cada um deles relacionado a um nível de conformidade: A, AA ou AAA. Para que um sítio web obtenha o último dos níveis, precisa de garantir a funcionalidade de todos os critérios do documento.
O Decreto-Lei n.º 83/2018, de 19 de outubro, prevê que todos os sítios web e aplicações móveis das entidades da administração pública nacional estejam em conformidade com o nível AA das WCAG 2.1. Consequência da transposição da Diretiva (UE) 2016/2102, a regulamentação obriga ainda a que essas plataformas publiquem uma Declaração de Acessibilidade, com a «explicação sobre as partes do conteúdo que não são acessíveis e os motivos para essa falta de acessibilidade e, quando adequado, as alternativas de acessibilidade previstas», lê-se no decreto. A disponibilização, por parte dos canais em questão, de um mecanismo de reporte em caso de incumprimento dos requisitos também está prevista por lei.
Trata-se de uma legislação assertiva, opina, em entrevista ao Gerador, José Martins, investigador do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC), no Porto. Doutor em Informática na mesma instituição e especialista em Acessibilidade Web, reconhece o «conjunto de esforços interessantes» na área. Em destaque, está o avaliador Access Monitor, levado a cabo pela Agência para a Modernização Administrativa (AMA) e responsável por acompanhar o cumprimento do decreto. «Também sei que ainda não existe um cumprimento absoluto, mas é algo que tem de estar permanentemente em cima da mesa», pondera.
Dados do Observatório Português da Acessibilidade Web, projeto de monitorização da AMA, indicam que, até dezembro de 2023, foram analisados 1773 sítios web, dos quais somente 244 (13,73 %) possuem a Declaração de Acessibilidade publicada. Não constam aplicações móveis com a publicação do documento exigido pelo Estado. Recorde-se que os prazos para a aplicação do decreto terminaram a 23 de setembro de 2019, para sítios web publicados a partir de 23 de setembro de 2018, inclusive; a 23 de setembro de 2020, para sítios web publicados antes de 23 de setembro de 2018; e a 23 de junho de 2021, para aplicações móveis.
A inexistência de sanções pelo incumprimento da lei é lamentada pelo secretário da direção da delegação de Coimbra da ACAPO, Luís Barata. «É meio caminho andado para que não se cumpra», acredita. A tendência de não existir uma repercussão negativa, contudo, não espanta José, uma vez que a regulamentação incide sobre o âmbito público e que «não é expectável que, de repente, haja uma entidade pública a ser punida com uma multa ou qualquer coisa.» Em desacordo com o estabelecimento de reprimendas, José Martins mostra-se a favor de ações de proximidade e motivação. «Prefiro que uma entidade que não tenha o seu site acessível receba uma notificação ou apoio técnico, por exemplo, da AMA», defende.
Com base nas suas análises, a AMA também disponibiliza uma breve lista de boas práticas mais frequentes e erros mais comuns na aplicação das WCAG. As falhas identificadas, comenta o investigador José, são «bastante simples de resolver» e custam pouco tempo ao programador de uma página, permitindo o questionamento sobre o preparo do ensino superior para o tema. Ciente de que as unidades curriculares da área da programação estão mais centradas na parte técnica das linguagens que existem e não tanto nos detalhes críticos para a acessibilidade, é uma preocupação do especialista se os futuros desenvolvedores web terão o know-how técnico necessário para os aplicarem.
O testemunho de Andreia Peixoto, desenvolvedora freelancer, reforça o mesmo ponto. Entrevistada pelo Gerador, conta que a temática foi abordada na sua formação, mas sempre como uma questão introdutória. «Todo o resto [da formação] foi [a partir de] formações específicas e de coisas que vou lendo, aprendendo e explorando sozinha pelo meu interesse», afirma. Há dois anos, ao perceber «o que estava a faltar no mercado», começou a trabalhar enquanto consultora para a Acessibilidade Web e hoje colabora com projetos da empresa Access Lab, cuja missão é aumentar o acesso de pessoas com deficiência e surdas à cultura e ao entretenimento.
É igualmente consensual entre os profissionais do setor que as convenções internacionais seriam mais populares caso as empresas tivessem maior noção do mercado posto em causa. No ponto de vista do investigador da UTAD, a criação de uma lei similar à existente voltada às entidades privadas não é algo impensável – basta ajudá-las a perceber o lucro que estão a perder. «O público-alvo que mais necessita da acessibilidade está totalmente disponível e mais do que motivado a utilizar serviços web, porque, fruto da vida e das contingências que lhes foram impostas, eles não têm a mobilidade, a capacidade física ou psicológica para, pessoalmente, interagirem da forma que a maioria das pessoas pode fazer», esclarece José Martins.
Sem dados que descrevam o contexto português, a consultora Andreia Peixoto confronta-nos com alguns números que refletem a realidade do Reino Unido: são 71 % os utilizadores com deficiências que deixam de navegar em sites com barreiras de acesso e, consequentemente, deslocam 11,75 mil milhões de libras para plataformas acessíveis. «A resistência maior [das empresas] é sempre a incompreensão da necessidade, porque, por norma – senti isso na pele quando eu comecei a trabalhar com a acessibilidade –, não compreendemos a sua importância. Não porque não queremos saber sobre o tópico, mas porque, de facto, não percebemos e nem nunca somos confrontados com a necessidade disso», diz.
A recolha de dados nacionais é uma das metas do novo projeto da associação Voz do Autista. Chamado Digital For All, é financiado pelo programa Erasmus e organizado em parceria com a Câmara de Pessoas com Deficiência da Estónia. O objetivo principal, explica-nos Sara Rocha, é o desenvolvimento de diretrizes para a acessibilidade digital para pessoas sub-representadas, além de uma formação em literacia digital. A iniciativa tem inspiração no AASPIRE Web Accessibility Guidelines for Autistic Web Users, que sugere complementos aos padrões do consórcio WAI ao identificar algumas lacunas que atingem a comunidade autista.
Embora não sendo obrigadas por lei, que ações tomam as marcas em território português para promover a inclusão de quase 11 % da população do país? Averiguámos o compromisso com a Acessibilidade Web de algumas das principais empresas portuguesas ou com relevante presença em Portugal cujos serviços consideramos ser essenciais. Entre parênteses, constam o resultado das suas avaliações quantitativas, de 0 a 10, no recurso Access Monitor da AMA, assim como a hiperligação para o respetivo relatório qualitativo.
No âmbito hospitalar, o Grupo Luz Saúde (8) comunicou, via e-mail, que a versão 2.1 das WCAG é uma referência de boas práticas que adota no desenvolvimento dos seus sites. No entanto, «não sendo legalmente obrigado a tal, por enquanto, não fazemos referência pública a esse facto», acrescenta a resposta do departamento de Marketing e Comunicação. Já as páginas dos Hospitais CUF (8.4) garantem, através de uma declaração, atender aos padrões estabelecidos pelas WCAG 2.2. «Decidimos, este ano, melhorar a acessibilidade do nosso site, adotando uma avançada solução híbrida que representa uma fusão única, entre Inteligência Artificial e uma equipa especializada», lê-se em comunicado enviado ao Gerador. Na parte inferior esquerda do ecrã, encontra-se um widget que permite a seleção de vários perfis, tais como cegueira, distúrbio das habilidades motoras, visão reduzida, epilepsia, dislexia, entre outras. As tentativas de contacto com os grupos HPA e Trofa Saúde não tiveram sucesso.
A cadeia de supermercados Pingo Doce (8.9) disponibiliza, no rodapé do seu sítio web, uma hiperligação para uma lista que apresenta os seus esforços na área. «Procuramos atingir o nível AA das diretivas WCAG 2.0 na maioria das páginas e, quando tal não seja possível, assegurar no mínimo o Nível A das mesmas diretivas», declara. Sem referenciar o tema nos seus canais digitais, Continente (8.1), Auchan (8.3) e Lidl (8.1) foram outras corporações do setor contactadas, cujas respostas não foram recebidas até ao fecho da reportagem.
O Banco BPI (6.7) «tem incorporado e continuará a incorporar as normas de acessibilidade dentro dos seus sites de comunicação com os clientes, como é o exemplo do W3C WCAG [nível AA das WCAG 2.0]», afirma um representante em mensagem ao Gerador. A resposta informa ainda a publicação de uma declaração de acessibilidade. Em contrapartida, o BBVA (8), a Caixa Geral de Depósitos (7.5) e o Oney Bank (7.5) não se manifestam publicamente sobre a questão e não responderam às nossas perguntas em tempo útil.
Na área da comunicação social, os contactos com os grupos Global Media e Cofina, que também não fazem menção específica à acessibilidade nas suas plataformas, não tiveram resposta. Enquanto no primeiro caso, a mensagem não foi retornada, no segundo, o email institucional informado não funcionava. Na análise do Access Monitor, a página inicial do Diário de Notícias, por exemplo, tem uma pontuação de 7.8, ficando à frente do Correio da Manhã, com 6.9 pontos. Enquanto o Grupo Impresa, que detém o Expresso (8.6), não enviou informações previamente à conclusão do artigo, o Público (7) confirmou-nos que acompanha e tenta melhorar a evolução das suas métricas de acordo com a versão 2.1 das WCAG. Após a indagação, o jornal assegurou que a publicação de uma declaração de acessibilidade será avaliada internamente. O sítio web do Gerador, por sua vez, acumula 8 pontos na avaliação da AMA.
Similar ao desenvolvido pela rede CUF, as páginas dos hotéis Vila Galé (7.5) contam com um widget para o «menu acessibilidade». Relativamente a outras marcas populares do turismo em Portugal, a homepage da multinacional Accor (8.3), detentora dos hotéis Ibis e Mercure, por exemplo, dedica uma página ao seu compromisso com a temática, definindo o nível AA das WCAG 2.1 como modelo. O grupo Pestana Hotel (7.5) e SANA (7.5), cujas posições acerca da questão não estão públicas, foram igualmente contactados, mas não obtivemos respostas até ao fecho da reportagem.
Do mesmo modo, as editoras Porto (8.1) e LeYa (7.8) integram a lista de empresas que receberam o nosso contacto. Contudo, não houve retorno em tempo útil. Finalmente, dirigimos os nossos questionamentos aos CTT (7), à MEO (6.9), à Vodafone (sem avaliação no site da Access Monitor) e à Galp (6.7), sem sucesso.
«Todos nós, eventualmente, vamos ter alguma necessidade de acessibilidade em alguma altura da nossa vida, seja por uma situação temporária ou, por exemplo, por causa [do desgaste] da visão, em que teremos de aumentar o tamanho da letra do ecrã», aponta a desenvolvedora Andreia Peixoto. É o caso de alguns participantes, entre os 45 e os 78 anos, do projeto Adulto Digital, promovido pela associação juvenil Casa d’Abóbora, sediada em Ferreiros de Tendais, no distrito de Viseu.
Com a intenção de capacitar a população mais idosa do meio rural, «muitas vezes isolada e sem acesso a oportunidades de aprendizagem», a iniciativa promoveu, durante 4 meses, aulas de inglês e workshops para as diferentes competências digitais – uso de plataformas governamentais, redes sociais e GPS –, e noções de segurança online, segundo informam os representantes do coletivo ao Gerador.
Estudar o funcionamento dos sítios web da administração pública foi um dos pontos altos para José Pinto, natural de Bustelo da Laje, em Cinfães. Tais habilidades, que, dispensando um deslocamento de quilómetros, permitem a marcação de consultas ou o acesso aos serviços como o das Finanças ou da Segurança Social, precisam de ser mais difundidas nas zonas do interior, fala-nos o participante, em videochamada. «O mundo digital na área rural ainda é um tabu. A rede é muito fraca e muito instável. A maioria das pessoas hoje realmente tem um telemóvel, mas só sabem usar para falar ou receber um telefonema», lamenta.
Dessa forma, Lurdes Cardoso, vizinha da Casa d’Abóbora, foi incentivada a participar no projeto. «Eu não sabia muita coisa, só o principal. Só via uma página e não sabia carregar no botão para procurar [outras coisas]», confessa, na mesma reunião. Agora, garante que se sente mais segura para usar a internet no tablet que recebeu do filho. Por outro lado, apesar dos avanços que teve, Clemente Silva, também presente na ligação, admite ainda ter algumas barreiras por vencer, como os logins nos portais online e os pagamentos digitais.
Desde Florença, em Itália, onde o grupo realizou uma ação de mobilidade com os parceiros da iniciativa, Raquel Almeida partilhou igualmente as suas impressões. «[As plataformas do governo] podiam estar mais simplificadas. Eu trabalho na [área da] saúde e sei que às vezes as pessoas têm dificuldades em marcar as consultas pela internet. […] Se calhar, a própria linguagem [dos sites] também não é acessível, é muito burocrática», conclui a habitante da aldeia de Ruivais, em Cinfães.
A resposta é simples e, novamente, consensual entre os especialistas. Se pensada como um pilar desde o início de um projeto, não custará muito mais tempo aos programadores ou dinheiro aos investidores.
Segundo o investigador José Martins, a utilização de CMS – sigla, em inglês, para Sistema de Gestão de Conteúdo – para a construção de sites costuma oferecer templates que, por defeito, têm a componente da acessibilidade tratada ou, pelo menos, muito desenvolvida sem grandes diferenças de valores quando comparados a outras opções.
«Estamos a falar de preocupações muito mais do que dificuldades técnicas. Em vez de só carregar a imagem, vou gastar mais dois minutos a dizer que esta imagem é qualquer coisa – isto não custa, sou perfeitamente agnóstico em relação a isso», reitera, argumentando que as correções é que podem acarretar grandes custos. «Há muitas componentes da acessibilidade que são perfeitamente antagónicas a algumas das estruturas que os sites podem ter», esclarece ao citar como exemplo plataformas com mais de cinco anos, que terão, eventualmente, de ser atualizadas.
O investigador volta a frisar a importância de ações da AMA ao pensar no caso de entidades que desejem criar canais online, já que o processo padrão nessas situações tende a passar pela contratação de fornecedores. Ao observar que, na maior parte das vezes, «ou o caderno de encargos que é lançado para esse desenvolvimento não inclui qualquer componente de acessibilidade – se inclui, é formal, sem grande detalhe –, ou nem os fornecedores e nem a entidade que contrata tem capacidade para aferir se aquilo foi implementado ou não», José defende que o apoio da agência nacional, principalmente no setor público, é essencial para garantir esse tipo de checagem.
Quanto às possíveis dificuldades no uso do leitor de ecrã, o monitor Micael Lopes garante que a ACAPO promove a literacia em duas vertentes: a formação profissional, onde é ensinada a informática, e a reabilitação. «Uma pessoa que acabou de cegar ou que já é cega, mas que não sabe usar essas ferramentas, pode contar com o nosso apoio para tentar melhorar essas competências», afirma.
Mesmo quando a acessibilidade máxima não puder ser promovida, continua a ser importante a definição de um compromisso com a causa, assume Andreia Peixoto. Nessas eventualidades, que podem ser comuns para pequenas organizações, a consultora fala de fazer planos para futuras implementações conforme as diretrizes e de encontrar alternativas para criar o que não se consegue fazer a nível web. «Se não conseguimos otimizar o processo todo de compra, podemos criar um canal secundário de chamada que permita à pessoa, neste momento, fazer isso, ainda que não da forma ideal», explica.
Em todos os casos, a transparência das empresas é recomendada. Ao reconhecer a questão e ao divulgar os esforços possíveis e os que ainda estão por realizar, abre-se o caminho ao debate sobre a Acessibilidade Web e às possibilidades de investimento para a instauração de uma internet verdadeiramente universal.