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Conhecido como Fostter Riviera, foi o primeiro ator pornográfico gay português premiado internacionalmente. Descreve-se como ambicioso, aventureiro e determinado. Lutou contra os preconceitos que pesam nesta indústria e é atualmente um ativista pelos direitos da comunidade LGBTQI+. «O Sydney de hoje é relaxado, focado no trabalho e na vida», afirma.

 

Com apenas 26 semanas de gestação, Sydney Fernandes nasceu em Lyon, França, no dia 26 de novembro de 1989. Dezassete horas depois do parto, a sua mãe biológica faleceu devido a um cancro de que sofria. O pai, emigrante em França desde muito jovem, cuidava já de sete filhos e não possuía condições estáveis para cuidar de mais uma criança. Decidiu, então, trazer Sydney para Portugal, na altura com cinco meses, para ficar ao encargo de Eulália Almeida, sua irmã, tia de Sydney.

Foi no Porto que Sydney cresceu e estudou, chegando a tirar dois cursos, um em Programação e outro em Design Digital. Já a sua juventude foi marcada por vários episódios de bullying e de dificuldades na escola, consequentes da sua homossexualidade, e da sua hiperatividade e défice de atenção. Conta-nos que, desde pequeno, não gostava de «seguir regras» e que sempre se considerou muito independente e de ideias fixas. «Eu era um terrorista, ia para o hospital quase todos os meses, todas as semanas. Cheguei a derreter a orelha, desapareci durante umas férias em Benidorm, porque quis ir sair à noite. Só apareci em casa às duas da manhã.»

A sua tia Eulália, hoje com 71 anos e a quem Sydney chama «mãe», confirma este relato. «O 5.º e o 6.º anos de escolaridade foram os piores. O Conselho Diretivo ligava-me todos os santos dias», começa por nos contar. A este espírito rebelde, acrescentava-se o facto de Sydney se recusar a tomar a sua medicação para a hiperatividade, pois, segundo suas palavras, «não queria estar a reduzir as minhas capacidades só para ser aceite na sociedade». Atualmente, com 32 anos e residente em Sevilha desde 2022, admite aceitar a sua condição e ter percebido que precisa de a controlar com medicação.

Sydney Fernandes © Fotografia da cortesia de Eulália Almeida

 

Conta-nos que sempre gostou de ser o centro das atenções e de ser «efeminado». Isso trouxe-lhe alguns problemas na socialização durante a sua adolescência, numa época em que a homossexualidade era ainda interpretada como um tabu. Chegou a mudar de escola aos 14 anos, ingressando depois no Instituto Profissional de Tecnologias Avançadas (IPTA), pois percebeu que tinha muita facilidade com a área informática.

«Recordo-me de ser chamada à escola para uma reunião de pais e de me dizerem que ele era o melhor aluno da turma», relata Eulália Almeida. «Eu estava tão habituada a receber más notícias que ainda perguntei se estavam mesmo a falar do Sydney.»

Apesar da facilidade com que Sydney dominava as tecnologias e de, mais tarde, se ter revelado um dos melhores alunos do curso de Design Digital, o seu percurso no IPTA também foi marcado por vários episódios de humilhação por parte dos colegas. Um dos momentos de que mais se recorda é o do primeiro dia de aulas. «Lembro-me de estar a chorar na casa de banho, de me levantar e pensar: “Gay, eu vou ser sempre, mas hei de ser melhor do que esta gente toda e vou prová-lo.” E provei. No final do curso, todas as pessoas que me fizeram bullying, apertaram-me a mão e reconheceram o meu trabalho.» Terminou o curso com 20 valores e iniciou uma carreira de designer que mantém até hoje.

Aos 20 anos, Sydney decidiu ir viver para Colónia, na Alemanha, para procurar novas oportunidades de trabalho na área e porque considerou que seria melhor remunerado no estrangeiro. «Foi muito difícil para mim, porque não o tinha à minha beira», diz-nos Eulália Almeida na nossa entrevista. «Mas eu sabia que tinha de o deixar voar.»

Meses depois da viagem de Sydney, Eulália descobriu, em casa de uma amiga, a primeira entrevista que Sydney deu à plataforma de notícias Dezanove. Nessa entrevista escrita, intitulada «Hoje é que a casa vem abaixo», o seu filho partilhava a descoberta da sua homossexualidade aos 15 anos e assumia que «fazia filmes». Eulália, na altura uma mulher conservadora, católica e «sexualmente ignorante», garante-nos que não conseguiu interiorizar tudo o que leu, pois, descobrir a orientação sexual de Sydney foi como um «desgosto» para si. «Tive de ler aquela entrevista umas 20 vezes, e não, nunca pensei que os filmes pudessem ser filmes pornográficos.»

«Tive de ler aquela entrevista umas 20 vezes, e não, nunca pensei que os filmes pudessem ser filmes pornográficos.»

Eulália Almeida

Homens gostam de homens

«O meu filho nunca me deu nenhum sinal de que era diferente», remata Eulália. «No dia em que descobri a entrevista, enviei uma mensagem para o Sydney a perguntar como é que ele me poderia ter feito uma coisa daquelas. Foi uma mensagem muito dura, muito forte. Hoje arrependo-me de a ter enviado.» Eulália não obteve resposta por parte do filho, e a sua insistência levou Sydney a bloquear o contacto da mãe. Seguiram-se anos de silêncio.

Sydney diz-nos que o bullying o informou de que era homossexual ainda antes de ele saber. «Lembro-me de pesquisar no Google “homens gostam de homens”. Eu sabia o que era, só não sabia que o era.» Admite que, ao bloquear Eulália, pretendeu «penalizá-la» pelas mensagens duras que recebeu da sua parte. Já no que diz respeito ao secretismo em torno da sua orientação sexual, garante que «não teve vergonha» de lhe contar. «Quis apenas poupar a minha mãe, porque eu sabia que ela não tinha mentalidade para perceber. Não era uma questão de ela aceitar, mas sim de entender.»

«Quis apenas poupar a minha mãe, porque eu sabia que ela não tinha mentalidade para perceber. Não era uma questão de ela aceitar, mas sim de entender.»

Sydney Fernandes

Sydney e o grupo House of Queer Sisters no backstage dos Hustlaball Awards 2014 © Fotografia da sua cortesia

 

Foi através da Internet e das redes sociais que Eulália iniciou uma investigação intensa dos temas relativos à comunidade LGBTQI+. «Percebi que o ia perder», esclarece-nos. «Eu não sabia nada sobre homossexualidade. Primeiro, tinha de saber o que era isto e entender o porquê de ele ser isto.»

Eulália confessa ter desenvolvido uma obsessão pela procura de respostas e de informação. «À medida que ia estudando o assunto, fui chegando à conclusão de que quem estava errada era eu. O meu filho estava no estrangeiro, a precisar do meu apoio, e eu não estava lá. Na verdade, só queria que ele fosse feliz, sendo como é. Percebi que ele não era homossexual porque queria, e que o iria ser sempre.»

Sydney Fernandes esteve afastado da mãe e do resto da família durante os anos em que viveu na cidade de Colónia, mantendo apenas contacto com a sua prima Susana, filha de Eulália. Nunca perdeu o foco do seu trabalho e da área para qual estudou: a programação e o design digital. Mas, enquanto isso, gostava de sair à noite e de trabalhar em bares gay como RP (relações-públicas). Com esta experiência, foi percebendo que «aquilo que vendia era o sexo e a imagem».

A verdade é que o sexo sempre despertou a curiosidade de Sydney, tendo chegado a dizer a uma professora, quando tinha 15 anos, que gostaria de ser ator pornográfico quando crescesse. «Ela disse-me que eu não podia ser ator porno, mas eu sabia o que queria.»

O seu interesse foi aumentando quando atingiu a maioridade e criou a sua primeira conta no Twitter, plataforma onde os vídeos sexualmente explícitos eram mais acessíveis. Fez o seu primeiro vídeo amador em casa, partilhando-o posteriormente nesta rede social. Essa publicação seria, para Sydney, o começo de uma carreira no mundo da pornografia.

Graças aos seus conhecimentos em tecnologia, Sydney Fernandes conseguiu com que o seu vídeo fosse exibido em várias plataformas de todo o mundo. «Juntei as duas paixões da minha vida: o sexo e a programação de software», começa por nos explicar. «Criei um código de programação de forma a copiar todos os emails que surgissem em listas de resultados do Google. Por exemplo, ao pesquisar “blogues gay”, consegui enviar o vídeo para todos os emails que estavam associados a esses blogues. Foi desta forma que deixei de ser um simples rapaz que tinha uma conta no Twitter para ser uma trend. De repente, estavam a ver um jovem português – de Portugal e não do Brasil – a fazer fisting em casa» [prática sexual que envolve a inserção da mão ou do antebraço na vagina ou no ânus].

«Juntei as duas paixões da minha vida: o sexo e a programação de software»

Sydney Fernandes

O início de Fostter Riviera

Sydney gravou o seu primeiro filme pornográfico em Madrid, dias antes de viajar para a Alemanha, em 2009. Nacho Vidal, realizador espanhol, teve conhecimento dos seus vídeos amadores e acabou por convidar Sydney para participar no seu filme, Nacho Vidal’s Fight Club. O filme contou também com a participação dos atores pornográficos Scott Carter e Damien Crosse.

«Ah, eu estava cheio medo!», confessa. «Com 20 anos? Por mais que te prepares, nunca sabes para o que vais. Não sabes como te comportar com tantos nervos. Mas essa aprendizagem serviu para ajudar outros atores mais tarde.» Apesar do nervosismo, recorda-se de se sentir igualmente entusiasmado por conhecer muitos dos «seus ídolos» da pornografia. «Lembro-me de estar à espera de que me chamassem para gravar e, de repente, entrar o Damien Crosse. Ele cumprimenta-me, e eu até estremeci. Ele era a minha Britney Spears! Depois entraram mais uns 70 deuses gregos. Parecia que estava no meu site porno favorito.»

O desejo de ser o primeiro ator pornográfico gay português sempre esteve presente na mente de Sydney. A essa vontade, acrescentava-se a sua necessidade de provar que não era necessário seguir um padrão socialmente expectável para atingir os seus objetivos. «Eu não tenho músculos, não tenho tatuagens, não tenho nada do que os atores pornográficos tinham na altura. Quis mostrar ao mundo que não tens de forçar-te a entrar onde não encaixas ou de seguir um padrão que não é o teu.» Este pensamento levou-o também a criar o seu primeiro slogan: «more than just sex, an attitude» [mais do que sexo, uma atitude], que viria a ser alterado, cinco anos mais tarde, para «if I can, everybody can» [se eu consigo, todos conseguem].

Hustlaball Awards 2014. Sydney com o seu primeiro prémio internacional © Fotografia da sua cortesia

 

 

Ao iniciar a sua carreira na indústria pornográfica, adotou também o nome artístico Fostter Riviera. Seria por esse nome que Sydney passaria a ser reconhecido nacional e internacionalmente. «Queria um nome que soasse forte e robusto», explica-nos. «Escolhi o nome “Fostter”, porque a Jodie Foster era a minha atriz favorita. E eu nem sabia que ela também era homossexual ou que “foster” era a tradução para “adotado”. Só descobri isso anos mais tarde.» De forma a representar a sua ascendência francesa e o seu carácter vaidoso, optou ainda pelo apelido «Riviera», uma das regiões mais caras e luxuosas de França.

Sydney Fernandes gravou 300 filmes pornográficos, tendo trabalhado em vários países, desde a Alemanha, Inglaterra, Espanha, França e Portugal, onde gravou os seus últimos 11 filmes, no Salão Erótico do Porto. Foi considerado um dos 50 melhores atores pornográficos mundiais pela revista Alpha Tribe. Recebeu o prémio de Melhor Ator Versátil em 2014, na Hustlaball Berlin, o prémio de Melhor Ator Internacional em 2016, nos Bessametonto Awards, em Espanha, e ainda o prémio de Melhor Ator Internacional em 2017, aquando dos Prémios Ninfa.

Chegava a gravar todos os dias. Às vezes, mais do que uma vez por dia. Para além de ter o sonho de se tornar o primeiro ator português de pornografia gay, Sydney foi também um dos primeiros atores porno, na Europa, a criar uma rádio de conteúdos LGBTQI+, o primeiro ator porno português a criar uma marca de roupa interior e ainda o primeiro ator pornográfico a conseguir patrocínios para a indumentária dos atores.

A procura por ser o primeiro a conquistar algo foi, segundo nos conta, um ato altruísta e que teve como objetivo proporcionar novas oportunidades para os que lhe sucederiam. «Pensei que, se o fizesse pelo menos uma vez, outros teriam a possibilidade de o fazer. Eu quis expandir o mundo da pornografia europeia e mostrar que não temos de ser apenas atores que os realizadores usam nos estúdios», esclarece. «E o segundo ator pornográfico gay português será muito melhor do que eu, mas ao menos haverá um segundo. E um terceiro, e um quarto, e um quinquagésimo, até haver uma indústria pornográfica em Portugal, como há em Espanha. Quem sabe!»

Enquanto Sydney se destacava cada vez mais no mundo da pornografia, Eulália lidava com o seu afastamento em casa, «sem o apoio da família» e a lutar contra um cancro. Já com 64 anos, e ainda empenhada em descobrir as funcionalidades da Internet, deparou-se com um website onde era exibido o nome «Fostter Riviera». O instinto levou-a a clicar no website. «Quando a página abre, vejo o meu filho, completamente nu, com umas botas da tropa… a dar uma injeção na pila», declara. «Fiquei aterrorizada. Quer dizer, eu já estava curada, já estava a aceitar a homossexualidade dele, e a seguir encontro estas imagens.»

Eulália admite ter desesperado ao ver o filme de Sydney, pois acreditava que a pornografia estava, de alguma forma, relacionada com a pedofilia. Decidiu procurar pelo filho, chegando mesmo a tentar contactar a Embaixada da Alemanha, mas sem nunca obter resposta. «Não sabia dele, nem onde estava. Tive uma depressão muito grande. Vivi tudo isto sozinha.»

Tinham passado sete anos desde que Sydney emigrara para a Alemanha e bloqueara o contacto da mãe. Em 2016, a sua prima Susana – a quem sempre tratou por irmã – pediu-lhe que ligasse a Eulália, pois esta encontrava-se doente. Sydney assim o fez. «Quando atendi o telefone e ouvi a voz dele, pensei que estava a alucinar», conta-nos Eulália. «Ele convidou-me para o ir visitar à Alemanha, assim, sem mais nem menos! Mas claro que aceitei. Nem queria acreditar. O meu Sydney.»

«Eu quis expandir o mundo da pornografia europeia e mostrar que não temos de ser apenas atores que os realizadores usam nos estúdios»

Sydney Fernandes

 

«Não sabia dele, nem onde estava. Tive uma depressão muito grande. Vivi tudo isto sozinha.»

Eulália Almeida

Viagem de Eulália a Colónia, Fevereiro de 2016 © Fotografia da cortesia de Sydney Fernandes

 

 

Em fevereiro do mesmo ano, Eulália viajou para Colónia, onde ficou 13 dias junto do filho. Com esta viagem, passou a conhecer o mundo do Sydney Fernandes, mas também um pouco do de Fostter Riviera. «Tinha muitas perguntas, mas, na verdade, só queria estar com ele. Confesso que nem falámos do assunto.»

Sydney revela-nos que guiou Eulália «numa aventura» por Colónia, onde a levou aos bares e locais que costumava frequentar para se divertir. Apresentou-a aos amigos «no seu estado mais puro e natural, para que ela pudesse ver e sentir o meu mundo, sem filtros nem manipulações. Para que ela pudesse apreciar a vida que eu tinha construído e as pessoas que lá estavam para a completar».

De modo a tranquilizar a mãe relativamente à pornografia, Sydney mostrou-lhe ainda que tinha conseguido criar uma «estrutura básica de vida, que incluía um trabalho [na área da programação], uma vida social e responsabilidades. Quis provar-lhe que todas estas decisões menos convencionais não definiam nem o meu sucesso, nem a minha capacidade de ser feliz». Foi também durante esta viagem que Eulália viu Sydney beijar um homem pela primeira vez, neste caso, Christian, o seu namorado na altura.

Com a sua visita à Alemanha, Eulália conseguiu restabelecer o contacto com Sydney e restaurar uma relação que se mantém até hoje, «forte e saudável». Meses depois, Sydney foi contactado pelo cineasta português Jorge Pelicano, que pretendia realizar um documentário que retratasse «o lado menos visível dos pais dos atores pornográficos».

«Fiz tudo o que queria fazer»

Jorge Pelicano conheceu Sydney Fernandes no fim da sua carreira de ator de filmes pornográficos. O documentário, Até que o porno nos separe (2018), procurou, segundo as palavras do realizador, aprofundar o mundo da pornografia de uma perspetiva parental. «Interessa-me retratar personagens que ainda estejam em transição, que não estejam totalmente resolvidos», começa por nos esclarecer Jorge Pelicano. «E a Eulália ainda não estava totalmente resolvida quando a conhecemos. Havia um conflito entre mãe e filho, e nós ainda apanhámos o fim desse conflito.»

Jorge revela-nos que, tanto Sydney como Eulália, se mostraram disponíveis, de imediato, para gravarem o documentário que viria a ser vencedor de vários prémios, incluindo o de Melhor Documentário no Festival Roze Filmdagen, em Amesterdão. «Senti que a Eulália precisava de falar com alguém e de partilhar a sua história», prossegue o realizador. «Partilhar a sua história com outro era como uma espécie de catarse, de libertação talvez. Ela não teve com quem falar, porque não teve o apoio da família. Foi uma viagem muito solitária, só ela e o computador.»

Eulália Almeida com o realizador Jorge Pelicano nos prémios Caminhos do Cinema Português, em 2018 © Fotografia da cortesia de Eulália Almeida

 

 

Ao cineasta, interessava explorar os «conflitos de Eulália, o seu sofrimento e a história do seu passado com o filho». Sendo este o principal objetivo de Jorge Pelicano, o realizador gravou a grande maioria das cenas do documentário em casa de Eulália, no Porto. «Aquela sala era o mundo onde ela, permanentemente, procurava o filho e procurava obter explicações. Lia muito sobre sexo, sobre pornografia, sobre homossexualidade, e nós tentámos espelhar isso.» Ao longo das gravações, Sydney permaneceu em Berlim.

Este documentário permitiu a Eulália conhecer algumas associações, como a Associação de Mães e Pais pela Liberdade de Orientação Sexual e Identidade de Género (AMPLOS), da qual faz parte desde 2017. Conheceu outros pais que, tal como descrevia na altura, tinham filhos com «o mesmo problema» que o seu. «Hoje em dia, já não é um problema, mas ao ver estes pais sentiu que já não estava sozinha», acrescenta o cineasta.

Na nossa conversa, Eulália revela que aceitou gravar este documentário, porque quis «mostrar aos outros pais que temos de aceitar os filhos tal como eles são, deixá-los ser o que quiserem e recebê-los nos braços quando precisam». Atualmente, luta pelos direitos da comunidade LGBTQI+ e participa em diversas manifestações e palestras enquanto ativista. «O meu filho ensinou-me que as pessoas da comunidade LGBTQI+ precisam mesmo de muito amor e de serem compreendidos. A sociedade já é demasiado madrasta para com eles.»

Sydney abandonou a pornografia em 2018. Assume que este mundo mudou a sua visão da realidade, mas que também o afastou dela durante muito tempo. «Eu usava a minha imagem do porno para escapar aos problemas do dia a dia. O teu ego é tão alimentado pelo mundo da pornografia, sentes-te tão bem e tão desejado, que acabas por usá-la como refúgio. Quando perdes isso, não sabes bem para onde te virar.»

Conta-nos que a pornografia também mudou a sua capacidade de fazer sexo, resultado das más experiências que teve. «Já não faço sexo de uma forma tão espontânea. Já não confio em qualquer pessoa, porque não sei se ela está ali, porque me conhece enquanto ator pornográfico ou porque sente desejo em estar comigo. Também tive vários problemas de autoestima. A pornografia parecia ser mais importante do que a minha vida.»

Primeira edição de Fostter OnTour em 2014, Amsterdão © Fotografia da cortesia de Sydney Fernandes

 

 

É da opinião de que o mundo da pornografia está cada vez mais acessível, mas que nem todos têm a «mentalidade» para entrar nele. «Quando falava com outros atores, percebia que eles queriam fazer pornografia, porque queriam ganhar dinheiro e fazer sexo. O porno não é só para fazer dinheiro e, definitivamente, não é para fazer sexo», clarifica. «Fazer porno é criar uma mentalidade, uma fantasia que alguém vai achar interessante, porque vai acreditar que estás a fazer sexo. É uma representação. A partir do momento em que começas a sentir, relaxas o corpo e já não queres saber das luzes ou das câmaras. Ninguém quer ver isto assim.»

Acrescenta ainda que seguir uma carreira na pornografia implica ter noção do que não se deve ser enquanto ator porno. «Se me disseres que queres ser ator porno, porque gostas de sexo, então não, não vais ser ator porno. Vais sentir-te frustrado, vais sentir-te usado, vais sentir-te horrível, porque no final de contas tens de seguir as ordens de um realizador. Se achas que tens uma pila muito boa, também não vale a pena seres ator porno, porque ninguém quer saber disso. Cria um Onlyfans. Se achas que vais para conhecer rapazes, esquece. Cria um Tinder

O cineasta Jorge Pelicano caracteriza Sydney Fernandes como uma pessoa «muito imprevisível, muito libertina, um vivão, um excêntrico e, ao mesmo tempo, um grande ser humano com uma grande experiência de vida. O Sydney é o resultado do mundo onde viveu. Uma pessoa livre. E essa liberdade de escolha foi das coisas que mais me marcou.»

Eulália garante-nos que sempre soube que o filho iria deixar a pornografia eventualmente, e que esse pensamento a fez aceitar melhor a sua profissão. Sydney nunca pensou que fosse possível a mãe tornar-se ativista e admite estar «muito orgulhoso» dessa conquista. Afirma que, atualmente, Eulália é a sua maior inspiração. «Um dia, vou ser como ela. A minha mãe faz-me querer ser melhor, faz-me ser um ativista aqui, em Espanha, leva-me a ajudar quem precisa.»

Sydney Fernandes é, hoje, diretor de Design, colaborando em vários projetos, tais como a ecocidade futurista The Line, desenvolvida na Arábia Saudita. Vive com o atual parceiro a 14 quilómetros do centro de Sevilha, onde procura levar uma vida modesta e tenta apreciar a simplicidade das coisas. «Agora até tenho prazer em ir a um mero supermercado, vê lá tu! Estou a descobrir este mundo de pessoas normais que não vão a festas todos os dias. Fiz tudo o queria fazer. Continuo igual, continuo ambicioso, só não sou o Fostter. O Sydney de hoje é relaxado, focado no trabalho e na vida.»

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