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Na base do único Nobel de Literatura português e em língua portuguesa, reside um homem de afetos, coerente e consequente nas suas crenças e ações, que, para além da sua vasta obra literária, nos deixou um legado de defesa dos Direitos Humanos, aproveitando cada oportunidade para amplificar as vozes que não eram ouvidas. No ano em que se assinalou o centenário de José Saramago (a 16 de novembro de 2022), desenhámos este perfil, em que o vemos pelos olhos da sua única filha, Violante Saramago Matos, e da sua única neta, Ana Matos.

 

«Aqui não houve nada senão ele, e mais ele e mais ele»

Violante Saramago Matos

José Saramago nasceu em 1922 na aldeia de Azinhaga «numa família de camponeses sem terra». Após fazer estudos liceais e técnicos, teve o seu primeiro emprego como serralheiro mecânico. A essa atividade, seguiram-se trabalhos como desenhador, funcionário da saúde e da previdência social, tradutor, editor e jornalista.

Em novembro de 1947, mês e ano do nascimento da sua filha, publicou o seu primeiro livro, que intitulou de A Viúva, mas que, por conveniências editoriais, foi publicado com o nome de Terra do Pecado. Depois, ficou 19 anos sem publicar. Nesse hiato, escreveu o romance Claraboia – publicado postumamente, em 2011 – e começou outro que chamar-se-ia O Mel e o Fel ou Luís, Filho de Tadeu. No entanto, esse foi um projeto que abandonou, pois, segundo o próprio, «começava a tornar-se claro para mim que não tinha para dizer algo que valesse a pena». Nesses anos, Violante recorda ainda as leituras nas Galveias e noutras bibliotecas, a leitura em casa – não fosse Saramago um leitor compulsivo que sempre reconheceu «a importância de ler antes de se tornar escritor» –, a escrita de crónicas e o trabalho como tradutor. «A tradução teve um peso muito grande», comenta. Sabia quando Saramago estava a traduzir porque o escritório ficava povoado de livros. Mais tarde, Violante percebeu que se tratava de enciclopédias, dicionários, ou outros livros de informação, «porque ele traduzia de tudo – romances, mas também livros filosóficos – e era muito rigoroso na tradução, o que significava que tinha de dominar muito bem o assunto que estava a traduzir, e isso implicava muito estudo».

Foi esse rigor que transmitiu também na educação da sua filha. No livro De Memórias Nos Fazemos, Violante conta o episódio em que lhe pediram para escrever uma redação sobre Goa, nos tempos do seu liceu, e o momento em que a deu a ler a Saramago: «Depois de alguns segundos, pousou o livro nos joelhos e perguntou, O que é que tu sabes de Goa? Encostada à ombreira da porta onde estava, respondi, com o ar mais angelical (e também mais inconsciente) do mundo, Nada! Continuou a olhar para mim e, com toda a calma, voltou a fazer uma pergunta, E como é que tu escreves sobre uma coisa de que sabes nada? Não respondi.» Recordando esta passagem, a bióloga avança – «nunca mais abri a boca sem saber do que estou a falar». «Aprendi que achar não chega, que é preciso pensar sobre as coisas e quando juntamos as palavras, seja na escrita, seja na oralidade, tem de ser uma coisa sólida», explica.

Também Ana Matos diz que Saramago não «falava das coisas sem saber». «Mesmo na sua própria literatura há sempre um trabalho de investigação, de ir ao detalhe na construção das personagens ou dos cenários ou das situações, ainda que, muitas vezes, esses detalhes nem sequer estejam visíveis na própria história.»

Violante relembra que Saramago era um serralheiro, «não fez a Faculdade de Letras, não era um intelectual de capa e batina, nem era proveniente duma família literária e culta», o que dificultava a sua entrada no meio literário. Foi por intermédio de Isabel da Nóbrega que Saramago conseguiu abrir algumas portas, ainda que «com algumas reservas», mas começando «a ser tolerado» nos meios intelectuais. «Se calhar, é daí que vem a sua posição sobre a tolerância», avança. Ao se deparar com o que o pai deixou dito sobre este termo, Violante percebeu que «esconde uma certa sobranceria a quem faz o favor de tolerar a diferença dos outros». «Quando toleramos, fazemos o favor de deixar o outro estar ali, não o respeitamos verdadeiramente. Na tolerância há sempre um grau de superioridade de quem tolera e de inferioridade de quem é tolerado», aclara.

«Quando ele dizia que 90 % é trabalho e 10 % é inspiração era precisamente para enaltecer a importância e valor do trabalho»

Ana Matos

José Saramago e Violante Saramago Matos, Lisboa, 1999.
© Cedida por Violante Saramago Matos

 

 

A bióloga não tem dúvidas de que a dedicação do pai «é o que vai criar camadas sucessivas de conhecimento, que, depois, começa a transformar em livros e crónicas», frisando que «este salto qualitativo do ponto de vista da cultura, da informação, é construído à custa dele». «Não há aqui nenhuma base. Aqui não houve nada senão ele, e mais ele, e mais ele, durante muitíssimo tempo.»

 

«Quando era rapariguinha, às vezes, espreitava pelo buraco da fechadura e via uma pessoa sentada à secretária, a pensar e, depois, a escrever, depois voltava a pensar, para voltar a escrever. A perceção que tenho é a de que, previamente à concretização da escrita, ele estudava muito bem as frases.»

Violante Saramago Matos, bióloga e filha de José Saramago

 

Durante a infância de Violante, a rotina de Saramago «era mais dirigida para a tradução e para a escrita de crónicas». Nesse tempo, lembra-se de haver conversas entre os pais, ao jantar, que «praticamente não entendia», dada a sua tenra idade. «Ele falava da crónica ou da tradução e ela falava da gravura.» Depois do jantar, Saramago ia para o escritório, onde trabalhava. «Recordo-me de o ver escrever crónicas. A secretária do meu pai ficava exatamente à frente da porta. Quando era rapariguinha, às vezes, espreitava pelo buraco da fechadura e via uma pessoa sentada à secretária, a pensar e, depois, a escrever, depois voltava a pensar, para voltar a escrever. A perceção que tenho é a de que, previamente à concretização da escrita, ele estudava muito bem as frases.» Violante conta ainda que, «quando mandava as coisas para a editora, as folhas datilografadas iam limpinhas. Suponho que ele pensava muito antes de escrever, mas, quando escrevia, fazia praticamente a arte final.»

 

A filha lembra ainda que «quando ele estava no escritório, não quer dizer que estivesse sentado à máquina [de escrever]. Às vezes, ouvíamo-lo a andar dum lado para o outro. Depois, escrevia, não de rajada. Escrevia, consolidava. Texto escrito, normalmente, era texto onde ele não mexia. Quer isso dizer que o trabalho de cada página era um trabalho demorado».

Vários anos volvidos, em Lanzarote, a sua rotina de escritor era «disciplinada». Ana aponta que Saramago «dizia muitas vezes que 90 % é trabalho e 10 % é inspiração». «Não era aquele escritor que fica à espera que caia uma ideia e, depois, começa a trabalhar. Ele era uma pessoa extremamente trabalhadora e organizava muito bem o seu tempo.» «Tomava o pequeno-almoço, passeava um bocadinho, ia trabalhar para o escritório, descia para o almoço, depois descansava, de seguida ia trabalhar e, por regra, não trabalhava à noite. [No final do dia] via televisão, jantava, brincava com os cães, conversava connosco», enumera Violante.

Ana lembra-se de que o seu avô escrevia «duas páginas por dia, nem mais, nem menos». «Penso que era a medida dele», conclui Violante. «Tinha outra coisa muito curiosa», continua Ana, «se estivesse prestes a acabar um capítulo nunca o deixava acabar, ou seja, iniciava sempre o capítulo seguinte para haver uma espécie de ritmo e fluidez. Era metódico na sua relação com o trabalho, além de haver sempre uma grande preparação das figuras e dos contextos». «Esse cuidado, respeito e rigor são características do seu processo artístico», destaca.

«Aceitas para a tua boca a colher de que se serviu a boca deste homem, fazendo seu o que era teu, agora tornando a ser teu o que foi dele, e tantas vezes que se perca o sentido do teu e do meu»

José Saramago, em Memorial do Convento (1982)

 

Se na sua obra encontramos inúmeras personagens femininas que ganham destaque pela sua força e qualidades, também na sua vida se destaca o papel da avó Josefa, da mãe Maria da Piedade, da filha Violante e da neta Ana. À parte dos laços de sangue, destacam-se as mulheres que foram suas companheiras, tendo, cada uma, desempenhado um papel «extremamente importante para aquilo que ele veio a ser e que ainda é enquanto escritor», nota Ana, recordando que o seu avô «preferia sempre estar rodeado de mulheres». «Dizia que a mulher é o ser humano inteiro. Não só porque é quem gera outra vida, mas por todas essas sensibilidades, essa capacidade de compaixão perante o outro que indicava como sendo suas características».

Casou-se com a artista Ilda Reis em 1944. Violante, filha de ambos, assevera ter «a absoluta certeza de que a minha mãe foi, naquela altura da formação do escritor, naquelas circunstâncias e ambiente social, duma enorme importância». Fê-lo ao assegurar «a estabilidade em casa para que ele tivesse as condições para trabalhar». «Para se começar a ser um escritor não chega a boa vontade, é preciso muito trabalho, tempo, perseverança e ela proporcionou-lhe tempo para tudo isso.» É nesta altura que Saramago «começa a descobrir a Biblioteca das Galveias, a fazer traduções do francês, a ter a sua incursão no meio jornalístico, enquanto editor», o que foi determinante para «ir armazenando o conhecimento, sensibilidades, experiências que lhe permitiram, depois, escrever duma forma já continuada nos anos 70», destaca Ana. Ilda e Saramago separaram-se em 1970.

José Saramago, Funchal, 2002.
© Cedida por Violante Saramago Matos

 

Com Isabel da Nóbrega, viveu 16 anos, assumindo um papel importante na sua carreira de escritor no que diz respeito «ao marcar duma posição no panorama cultural e literário da altura», nota Violante. «O facto de José Saramago ser um escritor, um editor que estava a começar, mas que vinha duma família muito pobre, de origens muito humildes, que não tinha nascido em Lisboa, levava a um grande estigma e preconceito em relação a ele», repara Ana Matos. «Isabel da Nóbrega era já uma escritora ouvida, lida, era uma mulher culta e que estava muito bem relacionada com os meios intelectuais e, em particular, nos meios literários, que não aceitavam o meu pai», e se Isabel abre as portas desse meio a Saramago, este foi-se «impondo e crescendo enquanto os outros não cresciam tanto», nota Violante.

Por fim, chega Pilar del Río, em 1986, concretizando um amor vivido durante 23 anos. Numa entrevista, Saramago afirmou: «Vivi tudo o que vivi para poder chegar a ela. Pilar deu-me o que não esperava alcançar na vida.» Na esfera profissional, Violante reconhece a importância de Pilar «em termos da divulgação, duma certa capacidade, não diria de internacionalização, mas a verdade é que, sendo ela jornalista, conhecia muita gente e estas coisas também vivem das possibilidades de as pessoas serem conhecidas.»

Ana recorda que Saramago tinha a «consciência de que nada se faz sozinho», reconhecendo o papel de cada pessoa na sua vida.

«Aeroporto de Frankfurt. Prémio Nobel. A hospedeira. Teresa Cruz. Entrevistas.»

José Saramago, em Último Caderno de Lanzarote (2018)

Em Último Caderno de Lanzarote, podemos ver inscritas duas etapas: a primeira com textos mais desenvolvidos, até dia 8 de outubro (dia em que se sabe vencedor do Prémio Nobel), e a segunda, após esse dia, em que apenas encontramos breves anotações que esperavam um desenvolvimento que nunca aconteceu. Porque foram esses os dias que Saramago deixou por documentar em pormenor? Na sessão de apresentação do livro, em 2018, Pilar considerou que «quando Saramago chega ao momento mais importante da sua vida literária enche-se de pudor. Saramago não podia contá-lo, porque lhe escapava.»

No dia da atribuição do prémio, Violante só conseguiu falar com o pai perto das seis da tarde, quando este lhe retribuiu uma chamada. «Não houve grande conversa. Chorei e ele também se comoveu. O meu pai era um homem muito emotivo, embora aparentemente não o parecesse. Por força das circunstâncias, sentia-se obrigado a conter a sua emoção. Era preciso percebê-lo, olhar para a mão e ver para onde estava a mexer, olhar para o olho e ver como é que estava, e particularmente os lábios. Era preciso conhecê-lo para perceber a dimensão da sua emoção.»

Ana Matos conta ter tido a felicidade de estar em Estocolmo para assistir à atribuição do prémio, a 10 de dezembro de 1998. «As televisões, as entrevistas, as requisições constantes que ele tinha, tudo foi vivido com muito orgulho, muita alegria, foi um dos dias mais felizes. O Prémio Nobel é um reconhecimento, mas, para mim, o que foi completamente extraordinário foi aquilo que ele fez a seguir a ter ganhado o prémio Nobel. Podia simplesmente ter ficado à sombra do prémio, a dar entrevistas, falando de literatura, dos seus romances, mas aquilo que ele fez foi precisamente falar da vida, das causas, dos direitos humanos, daquelas pessoas que não tinham a possibilidade de ser ouvidas.»

Tanto a neta como a filha afirmam que, a partir do Nobel, existiu outro Saramago na esfera pública, mas não na relação com os seus, mantendo-se um homem simples «no seu trato, na sua maneira de vestir, de ser, de ter». Ana conta que a partir do Nobel, Saramago «começou a ser solicitado por uma série de intervenções políticas e sabendo ele o poder da palavra e o da sua palavra, nunca disse que não a esses convites e sempre usou, duma forma construtiva e positiva, o reconhecimento que o prémio Nobel lhe tinha dado para, precisamente, trazer essas questões para a agenda política, para o debate, para que o mundo pudesse ser mais justo».

De facto, para além da sua obra literária, Saramago fez várias intervenções relacionadas com a Declaração Universal de Direitos Humanos. Aliás, é o próprio escritor que evidencia a sua importância ao escrever a sua Autobiografia:

 

Discurso de José Saramago em Estocolmo no Banquete do Prémio Nobel (10 de dezembro de 1998).
Disponível via Youtube pela Fundação José Saramago

«Em consequência da atribuição do Prémio Nobel a minha atividade pública viu-se incrementada. Viajei pelos cinco continentes, oferecendo conferências, recebendo graus académicos, participando em reuniões e congressos, tanto de carácter literário como social e político, mas, sobretudo, participei em ações reivindicativas da dignificação dos seres humanos e do cumprimento da Declaração dos Direitos Humanos pela consecução de uma sociedade mais justa, onde a pessoa seja prioridade absoluta, e não o comércio ou as lutas por um poder hegemónico, sempre destrutivas.»

José Saramago em Autobiografia de José Saramago, disponível no site da Fundação José Saramago

 

José Saramago, na cerimónia da entrega do Nobel, em Estocolmo, a 10 de dezembro de 1998.
© Cedida por Violante Saramago Matos

 

Não obstante, Violante frisa que «não é a atribuição do prémio que introduz esses princípios e valores porque, se não, a escrita não os tinha refletido». «Acho que, num livro, está o seu autor, não o seu narrador. Portanto, essas preocupações, valores e princípios estavam lá e foram eles que o levaram até Estocolmo, também. Aliás, eles foram referidos nas razões de atribuição do prémio.»

«Há dentro de nós uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos»

Rapariga dos óculos escuros, em Ensaio sobre a Cegueira (1995)

 

Ao reler a obra de Saramago, Violante acredita que se «aprende tudo, porque qualquer releitura traz mais do que a leitura anterior». Ana acredita que, em muitas das citações das personagens criadas por Saramago, encontra-se um retrato do seu avô.

Se já na infância Saramago revelava ser uma «criança observadora e sensível», como nos relata Violante, em Ensaio sobre a Cegueira, vê, na mulher do médico, o seu pai. «A lucidez, a perspicácia, a luta, o sofrimento, a única pessoa que vê no meio de cegos tem muito que ver com aquilo que se passava com ele».

Saramago «era muito pouco conselheiro», conta-nos Violante, porque «achava que dar um conselho também era desrespeitar a opinião dos outros». Ana conta ainda que o seu avô costumava dizer que «isso era uma forma de contaminar e de colonizar o outro». Assim, no lugar dos conselhos, fazia perguntas. Violante recorda «a sua forma de comunicar» como «cheia de surpresas marcantes». A esse propósito lembra-se de quando foi presa numa cela em Caxias, no 1.º de maio de 1973, e o seu pai se ofereceu para pagar a caução, o que Violante recusou. «É normal que me tenham perguntado se eu queria que me pagassem a caução; é relativamente normal, naquela altura, dizer que não; o que não é normal é o que vem a seguir. Ele disse-me uma coisa completamente surpreendente – vais ter de ir buscar forças, nem que seja ao dedo grande do pé – e acho que era exatamente essa surpresa que ele, por vezes, incluía na sua linguagem, na sua forma de comunicar, que deixava a marca.»

Ana Matos e José Saramago em Lanzarote no verão de 2004.
© Cedida por Ana Matos

Ana Matos conta que foi quando veio estudar para Lisboa, em 1990, que estabeleceu uma relação com o seu avô, «muito adulta e muito de igual para igual». «Quando vou a Lanzarote, no início dos anos 2000, apercebi-me muito mais daquilo que era o mundo, do que eram estas culturas todas, estas diferenças que existiam, e isso foi-me dado pelo meu avô.» «Considero-me bastante privilegiada e honrada por ter tido a hipótese de descobrir muitas das grandes causas no mundo através do olhar dele.» A neta lembra ainda uma conversa que tiveram sobre «a ideia de tratarmos do nosso metro quadrado». «Ele dizia muitas vezes que em vez de estarmos tão preocupados em expandir-nos em largura, podíamos ir dando profundidade à nossa vida, às nossas relações e atitudes. Portanto, essa ideia de cuidar, não só dos outros que nos são próximos, mas também cuidar daquilo que é a nossa vida e do que nos propomos fazer.» Embora soubesse que não podemos mudar o mundo como um todo, considerava que «o importante é que o mundo não nos mude a nós».

Enquanto pai, Violante diz que Saramago é quem está no seu livro, «mais uma quantidade enorme de afeto, de ternura e de colo». Já Ana personifica Saramago numa oliveira, «no sentido daquilo que esta representa – a resistência, a sabedoria e a origem.»

«No dia seguinte ninguém morreu»

José Saramago, em As Intermitências da Morte (2005)

Saramago expressava «uma tristeza por já não existirem grandes olivais de oliveiras centenárias na Azinhaga», por isso, e para celebrar o seu centenário, surgiu a ideia de plantar 100 oliveiras, projeto iniciado em 2019 e terminado em 2022. A primeira oliveira foi batizada de Jerónimo, a última de Josefa, como forma de homenagear os avós de Saramago, que tiveram um papel determinante na sua vida e que ele relembrou, inclusive, nos Discursos de Estocolmo. Ambas são oliveiras centenárias. As restantes 98 são oliveiras com idades compreendidas entre os 30 e 40 anos e têm o nome de personagens da sua obra literária.

Rua das oliveiras, na Azinhaga.
© Cedida por Ana Matos

 

Se Saramago disse que «deixar coisas feitas pode ser uma forma de eternidade», o seu centenário veio confirmá-lo nos estudos académicos que se continuam a fazer, «no número de leitores que aumenta», «nos grupos de teatro amador ou profissionais» que interpretam os seus textos, ou «nos seus poemas que agora estão a ser mais musicados e se estão a tornar mais melodiosos e acessíveis».
Para o futuro, Ana Matos guarda o sonho de ver o verbo blimundar, que inventou com base na personagem Blimunda de Memorial do Convento, nos dicionários portugueses. É um verbo que traria «um sentido de gregário» em que «um sonho se pode concretizar, porque é coletivo». «E para ser coletivo temos de olhar para dentro e tentar perceber e conhecer o outro. Blimundar permite esta viagem: irmos à descoberta das outras ilhas desconhecidas, que são todos os outros para os quais nos disponibilizamos a olhar por dentro.»

Ana Matos termina a nossa conversa dizendo notar que «as pessoas estão, não à procura de respostas, mas com vontade de colocar perguntas» aquando da leitura da obra de Saramago e esse é o ímpeto mais importante para que o cheiro a alecrim não desapareça, mantendo vivo o escritor, e solidificando a noção de que a defesa dos direitos humanos é uma luta que se quer diária.

Este perfil foi publicado na Revista Gerador 40.

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