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REPORTAGEM
 SUSTENTABILIDADE 

Onde a mina rasga a montanha

Texto de Diana Neves
Edição de Tiago Sigorelho
Ilustrações de Frederico Pompeu
07.04.25

Esta é a terceira parte de uma investigação, apoiada pela Bolsa Gerador Ciência Viva, que dedicamos à problemática da exploração de lítio em Covas do Barroso. Clica aqui para leres as restantes.

Em 2016, foram feitas as primeiras prospeções em Covas do Barroso. Desde esse ano, já foram muitas as lutas travadas no território, nas instâncias governativas e nos tribunais.

A 31 de maio de 2023, a APA emitiu uma Declaração de Impacte Ambiental (DIA) favorável condicionada, para o projeto de exploração de lítio em Covas do Barroso, Boticas.

Serão 593 hectares de 4 minas a céu aberto para explorar depósitos minerais de quartzo, feldspato e lítio. Quase 50% deste espaço é em terrenos baldios. O projeto durará 17 anos, 12 em exploração.

A história da exploração de lítio no Barroso não se restringe àquela comunidade. Ressurgem de manifestações, leis, conversas e planos no papel uma discussão sobre os moldes de povoamento e desenvolvimento do Interior de Portugal, as perdas ambientais, os benefícios e prejuízos económicos para o país, a confiança nos Governos, a vida em democracia e o amor à Terra.

Em dezembro do ano passado, o Governo autorizou o acesso da Savannah aos terrenos privados, pelo período de um ano, através da constituição de uma servidão administrativa. Em fevereiro de 2025, foi noticiada uma providência cautelar notificada por três proprietários contra a servidão administrativa. Com os trabalhos parados, o Ministério apresentou uma resolução fundamentada, assinada pela ministra Maria da Graça Carvalho para anular a suspensão dos trabalhos, agora a ser apreciada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela.

Estão em tribunal 6 casos que envolvem a exploração de lítio.

Oh meu amor se me queres amar
Se me queres amar
Labuta
Oh meu amor se me queres amar
Se me queres amar
Labuta
Nada na vida se alcança sem dar sentido e amor à luta
Nada na vida se alcança sem dar sentido e amor à luta
E quando o amor aparece firme
Aparece firme
Eu espero
E quando o amor aparece firme
Aparece firme
Eu espero
Que nunca faças sentir-me, sentir-me fraco é como eu não quero
Que nunca faças sentir-me, sentir-me fraco é como eu não quero
Oh meu amor se me queres amar
Se me queres amar
Labuta
Oh meu amor se me queres amar
Se me queres amar
Labuta
Excerto da canção “Labuta”, dos Criatura com a participação especial do Coro dos Anjos
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Na montanha

Já pouco território em Portugal está salvaguardado da invasão dos eucaliptos. O centro do país é uma mancha de eucaliptal. Mas no Norte, atrás dos montes, sobrevive a floresta portuguesa. Verdejante durante o verão, devido à água abundante que rega as aldeias e passeia nos escombros da serra. E colorida durante o outono, como só a natureza sabe pintar a vida. Castanhos, laranjas, amarelos sobressaem entre as pedras graníticas gigantes da montanha e presenteiam qualquer visitante que percorra a estrada, mesmo no meio do nevoeiro, de Boticas até Covas.

Carvalhos, pinheiros, medronheiros, nogueiras, castanheiros, cerdeiras, sobreiros, amieiros, salgueiros, freixos, oliveiras, figueiras, pereiras povoam tanto aquelas aldeias e montanhas como os seus próprios habitantes humanos.

Quando a placa “Bem-vindos a Covas do Barroso” sinaliza que a estrada serpenteada nos leva pelo caminho certo, uma e outra casa começam a cumprimentar-nos quando entramos na aldeia. Covas repousa a uma terça-feira de manhã chuvosa de novembro. Só se ouvem os poucos pássaros que sobrevoam os ramos das árvores coloridas nesta altura do ano.

Faixas com o lema “Não à Mina, Sim à Vida” são estendidas desde a entrada da aldeia a todos os principais lugares comuns, como a praça da igreja. A calçada portuguesa e as casas de granito anunciam a rigidez de um povo singular da montanha.

O Barroso chegou a ser descrito em “Snapshots of Daily Life in a Remote Region of Portugal“, do The New York Times. Mas quem passar uma semana em Covas do Barroso facilmente perceberá, assim como aqueles que estudam a sua herança cultural e ambiental, que aquelas são aldeias que vivem sob um clima severo e um terreno vertical ao qual nem todos conseguiriam habituar-se.

Ali, os habitantes criaram raízes e tradições culturais baseadas num sistema de cultivo auto suficiente, adequado e alinhado à geografia regional e assente na partilha coletiva e respetiva gestão dos recursos naturais: a água, a floresta e a pastagem.

Engane-se quem acha que aqui “não acontece nada”. As vidas são ditadas pelo andar das estações. No tempo desta reportagem já se passaram: a apanha da batata, a apanha do milho, a apanha do cogumelo, a vindima, a apanha da azeitona, dos dióspiros, do feijão, do figo, da maçã, da pêra… Faz-se sidra, coze-se pão, enchem-se chouriços.

Os mais velhos reconhecem que “o tempo está diferente”. Há uns anos e até décadas, por esta altura (novembro), já estaria geada. Apesar disso, o solo ainda é fértil, a água ainda corre com abundância até aos lameiros calcados por ovelhas, cabras e vacas.

“Dizem que somos pobres, mas nós vemos a riqueza de outra maneira. A horta dá-nos tudo”, elucidou Maria Loureiro, habitante de Romainho.

As estruturas horizontais de pedra e madeira são canastros, como lhes chamam, ou hórreos (espigueiros). O milho é posto lá dentro a secar, para respirar, até março, altura em que será moído.

Lúcia Dias Mó, presidente da Junta de Freguesia de Covas do Barroso, garante ser praticada uma agricultura de excelência na região, biológica e sustentável.

“A gente sai da porta, e pode ir buscar qualquer coisa à horta. Isso é ser pobre? Não”, e por isso, “não temos de ser sacrificados em prol de alguns tostões para “«ajudar a economia»”, clama.

 

“A luta por um planeta melhor para as gerações futuras, é uma luta comum. Não é um problema das pessoas do Barroso. É um problema dos nossos filhos, e se não vamos lutar por eles, não sei o que estamos aqui a fazer.”
Godofredo Pereira

 

Um percurso de sete anos

 

Em 2016, foram feitas as primeiras prospeções em Covas do Barroso. Lúcia Mó garante que “ninguém os conhecia [à empresa], nem o que andavam a fazer. Nunca se apresentaram, nunca ninguém explicou o que vinham fazer, de onde vinham”. Não houve quaisquer acordos escritos com a Junta de Freguesia ou o Município. Inicialmente a Savannah Resources teria “dito que era para fazer um buraquinho”.

Quando souberam da “grandiosidade” dos projetos, alertados também por Catarina Scarrot, filha da localidade, mas a viver no estrangeiro, mandaram parar.

“Eu nunca assinei nada”, assegura, “apesar de na altura quererem ter feito um contrato (…) depois acabaram por pagar” à Junta de Freguesia sobre os trabalhos de prospeção que já tinham feito.

“A Junta de Freguesia de Covas do Barroso e a Câmara de Boticas estão contra a exploração desde o início porque concluíram, de forma independente, que nenhum benefício será colhido. Eventual aumento da receita seria largamente ultrapassado pela perda de qualidade de vida, habitantes, turismo rural e de natureza, aumento da poluição atmosférica, riscos para os cursos de água e perturbação de espécies em risco”, acrescenta Carla Gomes, porta-voz da UDCB (Unidos em Defesa de Covas do Barroso).

“Nós queremos proteger o que herdamos. Aos nossos antepassados custou-lhes tanto deixar Covas como está. Se o projeto avançar, os danos são irreparáveis, nunca mais vamos ter uma vida como temos hoje”, conclui a presidente da Junta.

Desde 2017, a população de Covas do Barroso disse já ter sido alvo de insinuações e negligência (afirmando terem sido abordados de forma estereotipada, como “seres de inteligência inferior”, pelas suas características demográficas e sociais).

Numa das sessões de esclarecimento públicas, organizadas pela Savannah em Covas, um dos representantes da empresa afirmou que iriam construir um corredor de árvores para evitar a propagação de poeiras da mina até às aldeias. População e organizações criticaram a medida de mitigação, uma vez que, já duas vezes em 2024, Portugal foi afetado pelas poeiras de África. “Se há poeiras a vir de tão longe, as da mina, que estão a 250 metros, também chegam aqui.”, concluiu «Carlita», como lhe chamam em Romainho, com quem o Gerador conversou em agosto de 2024.

Desde que a Savannah tem presença nas aldeias, os habitantes sentem-se inseguros e desconfiados quanto aos estranhos que os abordam. O Gerador foi também alvo dessa desconfiança. A primeira reação das pessoas quando são abordadas por jornalistas é não falar ou interrogarem logo os estrangeiros por estarem a fotografar, por passar um carro ou uma pessoa desconhecidos.

“Procuramos [a UDCB] fortalecer e proteger a comunidade local, que tem um papel fundamental na luta. Eles são o principal alvo do assédio da empresa, que procura semear discórdia e divisões na comunidade”, diz Carla Gomes. Ao longo de sete anos, certificam que o bem-estar social da localidade tem sido ameaçado por esta nova estrutura que ocupa o território.

As populações dizem ser alvo de uma constante “propaganda” e táticas de publicidade e relações públicas que a Savannah põe em prática de forma a conquistar a opinião pública, razão pela qual a empresa foi também sancionada pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social, pela sua presença suspeita nos media portugueses.

Tanto a APA como a Savannah asseguram ter existido um envolvimento com as populações. António Costa, responsável pela comunicação da Savannah fala em grupos que “se encarregam intencionalmente de espalhar informação que não corresponde à verdade”.

Há populares que são indiferentes aos projetos de exploração de lítio, porque se deparam com um território abandonado ao longo dos anos, com uma demografia mais idosa. Mas a grande maioria dos habitantes, que se tem juntado em formas de participação e contestação pública aos projetos, afirmaram já terem sido manipulados e negligenciados.

Catarina Scarrot, da UDCB, afirma que a Savannah Resources “auxiliou” particulares no registo dos seus terrenos na plataforma BUPI. Esse registo trespassou os respetivos terrenos para área dos baldios.

A empresa diz já ter adquirido mais de 100 lotes de terrenos, com “valores muito acima dos valores normais de mercado”. “A verdade é que muitos destes terrenos pertencem à mesma pessoa”, menciona Catarina que, com a presidente da Junta de Freguesia, alertam para uma forma subtil de “propaganda” e manipulação da opinião pública, usada pela Savannah para dizer que tem o apoio da população. “Faz entender que muitas pessoas se estão a desfazer dos terrenos, e isso não é verdade”, reclama Lúcia Mó. Em 2023, a empresa teria gasto 1,8 milhões de euros na compra de terrenos a 40 proprietários.

Quando questionados sobre os motivos por que alguns particulares venderam as suas terras, os membros do movimento Minas Não e da UDCB alegam que, embora essas pessoas estejam no seu direito privado, muitos fizeram-no por desconhecimento inicial do que seriam os projetos, por considerarem a mina como uma negócio inevitável ou por necessidade e recompensa económica.

Desde o início da luta popular no Barroso, muitos processos assentam, como antigamente, no saber popular. Os limites dos baldios são conhecidos por toda a comunidade, e qualquer proprietário conhece as fronteiras dos seus terrenos há gerações. Atualmente, está uma ação em tribunal sobre a qual a Comunidade de Baldios de Covas do Barroso e a Junta de Freguesia dizem terem sido usurpados terrenos baldios através de levantamentos topográficos que extravasam a sua área particular, e que foram vendidos à Savannah Resources.

“Importa referir que nesta região, como em muitas outras do interior do país, o esforço de identificação de proprietários de terras é muitas vezes desafiador”, ressalta Antonio Costa, da Savannah. “Muitas parcelas são bastante pequenas, ou não têm proprietário identificado, ou são resultado de partilhas e heranças, ou simplesmente não existem documentos que comprovam a sua posse. A Savannah tem-se deparado com várias destas situações e tem trabalhado com os proprietários e com as autoridades em esclarecer qualquer questão pendente e em ajudar os proprietários a resolver questões burocráticas”. António garante que seguem uma “abordagem inclusiva com todos os que pretendem falar diretamente connosco”.

Foram já feitas 135 perfurações, nos anos de 2017 e 2018, em terrenos comunitários que a população diz não pertencerem à empresa mineira.

Perfurações no Barroso. | © UDCB

Em abril de 2023, terminou a segunda consulta pública sobre o projeto da mina do Barroso, que contou com 912 participações. Os pareceres foram dirigidos ao Estudo de Impacto de Ambiental (EIA), reformulado pela Savannah Resources, com vista a dar resposta a preocupações levantadas pela Comissão de Avaliação da APA, nomeadamente: o impacto na saúde humana, devido à incomodidade e à poluição atmosférica provenientes de uma exploração continuada;o impacto na biodiversidade (como o mexilhão-de-rio, gralha-de-bico-vermelho e da atividade natural do lobo-ibérico), nos recursos hídricos (rio Covas, deterioração da qualidade das águas superficiais); e a ameaça à classificação da paisagem como Património Agrícola Mundial.

No resumo do projeto:

  • As atividades ruidosas ficaram concentradas nos dias úteis, entre as 12 e as 15 horas.

  • São apontados como efeitos “desfavoráveis significativos” o impacte na paisagem, sobretudo devido à lavaria, à extração de rocha e ao enchimento das escombreiras; o impacte nos recursos hídricos, alterando, maioritariamente, os padrões de drenagem e condições hidromorfológicas; e o impacte social, devido à aquisição de terrenos e deslocação económica.

  • Quanto aos impactes positivos, a empresa refere o “posicionamento estratégico de Portugal face às políticas europeias do lítio e o dinamismo do quadro socioeconómico”, a “revegetação das áreas afectadas e a implementação do Projecto Ambiental e de Recuperação Paisagística”.

  • A Savannah ainda alegou criar planos de monitorização da qualidade do ar, do lobo, das águas superficiais e subterrâneas.

  • Quanto ao consumo de água, Emanuel Proença disse que este projeto tem “um consumo de água bastante modesto” devido ao lítio ser extraído em reservas de espodumena.

A associação Unidos em Defesa de Covas do Barroso (UDCB) argumentou que o EIA foi apenas uma reformulação do anterior e não são dadas medidas de mitigação significativas. Por exemplo, mesmo que as atividades da mina sejam suspensas durante a noite, a “lavaria vai continuar a trabalhar 24 sob 24 horas, o que é pior ainda”.

Fernando Queiroga, presidente da Câmara Municipal de Boticas, reforçou que o avanço da mina “fará com que esta região perca a sua maior riqueza e nunca mais se consiga recompor, já que em poucos anos se irá destruir o que levou séculos a construir, levando o Barroso a perder a sua identidade e o caráter diferenciador da sua paisagem e das suas práticas comunitárias”.

A 31 de maio de 2023, a APA emitiu uma Declaração de Impacte Ambiental (DIA) favorável condicionada, com medidas de minimização e compensação para o projeto de exploração de lítio em Covas do Barroso, Boticas.

O Ministério Público pronunciou-se e defende a sua nulidade, uma vez que o considera um ato administrativo que “padece de vício conducente à anulabilidade”, por violação da lei.

Chamando a atenção para a página 15 da DIA, para a UDCB relembrou que “o conjunto das referidas afetações diretas e indiretas (…) pode comprometer a classificação de Património Agrícola Mundial” e que não existe “possibilidade relevante de integração paisagística do presente projeto no território”.

Em entrevista ao Público, dois dias depois de a APA emitir uma DIA favorável à Savannah, Nuno Lacasta, antigo presidente da APA, enumerou as alterações feitas ao projeto inicial da Savannah para a exploração da mina a céu aberto, nomeadamente: o enchimento da vala que iria criar impactos aos cursos de água; medidas técnicas de isolamento do som para a lavaria; compensações para o uso dos baldios; e o pagamento dos royalties, alegadamente, em benefício do município de Boticas.

Na DIA, estão também: a aprovação de construção de uma estrada de ligação à autoestrada A24; e as condicionantes de limitar a remoção de vegetação em alguns meses do ano, não captar água do rio Covas e promover a recuperação paisagística das áreas de extração de minérios. Lacasta ainda afirmou estarem “a preparar a constituição de uma comissão de acompanhamento ambiental [que] irá nos próximos anos acompanhar passo a passo a implementação dos diferentes elementos”.

Quanto a um possível acidente ambiental, sem responsabilização da empresa, Nuno Lacasta referiu, sem detalhes, que “será aplicada legislação em matéria de seguros e cauções pertinentes para este efeito”. Com a mesma postura, referiu estarem empenhados em manter o selo de Património Agrícola Mundial atribuído pela FAO.

Quais as fronteiras da exploração de lítio, quando um património agrícola mundial já foi submetido à violência mineira em nome de uma cadeia de valor?

 

O então presidente da APA, Nuno Lacasta, defendia o projeto da Savannah como uma “referência internacional”. O Gerador contactou a APA, mas ainda não obteve respostas até hoje.

No Chile e na Argentina, o lítio é extraído recorrendo a salmoura (ou seja, bombeado de águas subterrâneas que depois evaporam ao sol). Em Portugal, pelo contrário, o lítio encontra-se em rochas, no minério espodumena. Dependendo da concentração de lítio na rocha subterrânea, este pode ser explorada numa mina subterrânea (quando há grandes quantidades) ou, quando há baixa concentração de minerais, numa mina a céu aberto…

 

As promessas de uma mina

Serão 593 hectares de minas a céu aberto para explorar depósitos minerais de quartzo, feldspato e lítio.
Os furos terão uma dimensão de até 600 por 500 metros, e 150 metros de profundidade, extraindo 27 milhões de toneladas de rocha.
Quase 50% deste espaço é em terrenos baldios. As minas irão estender-se pelas freguesias de Covas do Barroso, Dornelas e Vilar e Viveiro, em Boticas.
Serão quatro minas a céu aberto, a maior de 38 hectares, uma delas a 200 metros da aldeia de Romainho. A área total das quatro corresponderá à soma de 70 campos de futebol, e poderá ser visível até 30 km de distância. “Projeta-se a abertura daquela que seria a maior mina de lítio a céu aberto do continente europeu”, realça Mariana Riquito.
O projeto durará 17 anos, 12 em exploração.
São prometidos cerca de 300 empregos diretos (e 2000 indiretos) pela empresa, sendo a grande maioria para camionistas, maquinistas, engenheiros, topógrafos, geólogos…

“Que empregos são estes? São empregos para alguém ficar ali ou para pessoas que vão embora? São temporários ou de longa duração?”, questiona Godofredo Pereira. O investigador ressalta que nestes números existem os empregos “hiper qualificados”, como os dos engenheiros que, acredita, continuarão nas cidades com uma gestão à distância, e os empregos menos especializados, como a equipa de segurança ou de limpeza. “na estrutura destas coisas, quanto mais local menos relevante o emprego é”, e consequentemente menos vantajoso a nível salarial.

Além disso, acrescenta o investigador, a partir do momento em que o laço aos saberes agrícolas e pecuários é quebrado, e passa a haver uma massa de população ligada a um trabalho industrial, quando chega o fim da atividade mineira, esse saber ancestral não é recuperado. Um saber que, de acordo com Lúcia Dias Mó, presidente da Junta de Freguesia de Covas do Barroso, e a população pretendem preservar. “[Passas a ter] uma população que deixa de conseguir viver em harmonia com o ambiente, e quando perder o emprego industrial só pode arranjar outro emprego industrial, provavelmente numa situação muito precária”, ressalva o investigador.

A empresa vende o projeto de lítio como atrativo e retentor de população, “uma oportunidade única para o desenvolvimento da nossa região” para “impulsionar o progresso económico e social do concelho de Boticas (…) esta região tão carenciada, bem como representando uma oportunidade única para Portugal enquanto país”, referiu António Costa, da Savannah Resources.

Preveem também o pagamento de “mais de 10 milhões de euros anuais para a Câmara Municipal de Boticas” em royalties, o que “permitirá quase duplicar o orçamento municipal”; um investimento superior a 300 milhões de euros nos próximos dois anos”; a criação de empregos que “não se limitarão às operações do projeto, mas também incluirão oportunidades para empresas e negócios locais”, que ajudará a “fixar novas gerações em Boticas”; a “construção de uma variante de 17 km que ligará à A24, melhorando os acessos a Chaves e a outras cidades”; “uma fundação será criada com um orçamento anual de 500 mil euros, destinada a financiar projetos que beneficiarão diretamente as comunidades locais”.

“Por muito que apregoem que vão dar muitos empregos, não vão. A quem? Quem trabalha não vai sair dos seus empregos para ir para a empresa meia dúzia de anos. (…) Temos a autoestrada aqui muito perto, [outros trabalhadores] vêm e voltam para casa. Vão ficar em Covas? Não vão”, acrescenta Lúcia Mó.

Como poderá, então, existir um povoamento consistente do Interior?
Conforme as estratégias governamentais para o Interior do país, como pôr em prática um desenvolvimento de médio e longo prazo na região?

“Prefiro tentar arranjá-los de forma mais sustentável e duradoura, do que estes empregos que chegam aqui e passado uns anos vão-se embora”, disse Fernando Queiroga, presidente da Câmara de Boticas, em declarações ao “Público”, em 2019.

“O Governo fala em milhões de investimento na região e criação de postos de trabalho, mas o dinheiro não compra tudo”, reivindicou Vítor Barroso Afonso, presidente da Associação Povo e Natureza do Barroso, ao Expresso, em 2021.

Uma mina prolonga os seus riscos e impactos ambientais mesmo depois do tempo de exploração, o que significa, por consequência, que não afeta apenas as gerações do presente, mas as vindouras também. Partindo desse pressuposto, Godofredo reforça que, neste momento, os projetos de exploração de lítio no Barroso impactam mais “o próprio modelo e projeto de desenvolvimento do Interior de Portugal que os sucessivos governos têm tido”.

Para o investigador é claro o paradoxo sobre o desinvestimento no turismo, na agricultura sustentável e da promoção de sistemas ecológicos que podem ser únicos para a ciência (setores em que “conseguimos competir”) para se abrir espaço à mineração, que “é extremamente destrutiva a nível dos impactos diretos que possa vir a ter para a saúde das pessoas e para a saúde dos ecossistemas”.

“É também destrutiva de outros sistemas económicos, porque é muito difícil tu trazeres investimento, por exemplo, para as tua plantações de mirtilos, que hoje em dia, no Norte, o pessoal está muito investido nisso, é é preciso muitas certificações, e de repente tens uma mina à tua beira. Portanto, isto gera imensos problemas de investimento futuro”, conclui.

Quando se chega a Boticas, apesar do silêncio, do ladrar dos cães e do correr da ribeira quando nos aproximamos dela, é possível compreender a urgência daqueles habitantes em preservar a sua paz. Os estrangeiros àquele sítio poderão sentir-se quase claustrofóbicos, rodeados de montes tão altos, que não deixam ver o horizonte. De repente, encontram-se numa gaiola quase utópica e estranha. Sentimento provavelmente desconhecido aos que sempre ali viveram ou, possivelmente, muitas vezes confrontado pelos que nunca saíram dali.

Covas do Barroso, Vila Real
Fases de uma mina:
1) estudo,
2) prospeção,
3) exploração,
4) refinação.

No artigo Social Warfare for Lithium Extraction, fala-se de apropriação privada da terra em nome da transição energética. Os autores caracterizam o extrativismo “verde” como uma forma de aquisição de matérias-primas que servem benefícios empresariais e governamentais, a nível nacional e global, descartando as relações socioecológicas do território e a degradação ambiental, o extrativismo tem numerosas consequências socioeconómicas.

As minas não têm causado apenas um conflito direto entre duas posições opostas: a de apoio ou a de contestação. A opinião popular nasce no seio de relações sociais e interdependências. São mais as pessoas que se guiam pela visão das suas ligações familiares; pela opinião do outro; pelo sentimento de inferioridade (vendo a mina como um negócio inevitável para a região); pelos vizinhos da mesma idade (restando 100 pessoas idosas “a quem é que a mina vai realmente afetar”); pela riqueza porque “um país só é rico se aproveitar os recursos que tem”; pelo proteção de uma terra que sempre foi sua e que pode, agora, desaparecer…

Em Covas do Barroso, os impactos das minas são visíveis mesmo antes da sua exploração. Tanto a população como a freguesia têm-se debatido pela falta de poder de decisão. Entre a comunidade foi crescendo um sentimento de desconfiança e insegurança pela presença de estrangeiros à terra. A população sente-se invadida por formas subtis de exercício do poder corporativo, como a colocação de uma placa com o logótipo da Savannah no centro da aldeia de Covas – mesmo quando a sede da empresa está em Boticas.

Nesta aldeia, a passagem de um carro estranho ou a presença de pessoas em coletes amarelos tornou-se de tal forma incómoda que o bem-estar da comunidade é alterado, o stress instala-se pelo processo demorado e por todas as preocupações futuras. A própria coesão da comunidade é posta em causa pela organização de resistência popular, originando conflitos e divisões entre os que são a favor e os que são contra.

Em Romainho e Covas do Barroso, quase todas as casa têm pequenas placas, muitas vezes feitas de telhas, com reivindicações “Não à Mina”.
Quando se abre uma mina, as preocupações levantadas não são apenas em relação à paisagem, mas abrangem:
  • resíduos resultantes da mineração, os chamados rejeitados, cheios de químicos
  • degradação do solo e destruição da paisagem
  • destruição de habitats e ameaça à biodiversidade, nomeadamente ao lobo-ibérico.
  • utilização excessiva de água
  • poluição do ar
  • ruído
  • todo o espaço utilizado para funcionamento da mina, como estradas e outras infraestruturas.

 

Estimam-se explosões diárias para extrair toneladas de rocha da montanha, sendo que 80% é considerado material estéril, lixo que vai para barragens de rejeitados.

“Um dos números que a Savannah apresenta é a remoção de 80 milhões de toneladas de rocha, que é estéril; só depois 17 milhões de toneladas é que são de facto rocha onde se encontra lítio, mas aí só depois numa percentagem de 0.6% é que corresponde ao metal. Portanto estamos a falar de números avassaladores para percentagens muito pequenas. (…) E toda a transição energética tem uma data de outros minerais”, aponta o investigador.

Entre 15 e 19 de agosto de 2024, aconteceu o terceiro Acampamento em Defesa do Barroso, por onde passaram mais de 500 pessoas. Aqui, população, ativistas, investigadores, associações e membros dos órgãos de poder locais juntaram-se para refletir sobre um mundo sem minas, para lutar com a população e reunir meios para aprender e debater.

A poluição gerada pela mina do Barroso, por exemplo, afetará os rios circundantes que albergam o mexilhão-de-rio (Margaritifera margaritifera), em vias de extinção, e a espécie de libelinha Macromia splendens, considerada vulnerável.

Numa audição especial no Parlamento Europeu, em 2021, o hidrologista Steve Emerman esclareceu as instâncias europeias sobre as deficiências técnicas do projeto. A barragem de rejeitos prevista para a mina terá 140 metros (97 metros mais alta que o limite tecnológico atual para o nível de precipitação local).

A instalação estaria apenas a mil metros do rio Covas. Comparando com a falha da barragem de rejeitos na mina de Pau Branco, no Brasil, em 2022 – cuja instalação tinha 48 metros de altura e o deslizamento de materiais percorreu 828 metros -, uma falha na instalação de armazenamento de rejeitados no Barroso faria com que os resíduos percorressem 2.415 metros, ao contrário do que a Savannah afirma (um deslizamento de apenas mil metros).

Em 2019, ocorreu um acidente com a barragem de rejeitos em Brumadinho, no Brasil. Morreram 272 pessoas. Uma quantidade de 9,7 milhões de metros cúbicos de resíduos acabaram no ecossistema do rio Paraopeba.

Em caso de falha, 7,1 milhões de metros cúbicos de rejeitos da mina do Barroso chegariam até aos rios Tâmega e Douro e ao Oceano Atlântico, impactando biodiversidade, habitats e populações além do Barroso.

A colocação de uma instalação de armazenamento de rejeitados tão perto de um rio não é considerada uma boa prática e é ilegal em algumas jurisdições, como a China.

Em audiência pública no Parlamento Europeu, o hidrologista falou como uma instação desta envergadura e caracteristicas tão perto de um rio não é uma boa prática e é ilegal em algumas jurisdições, nomeadamente na China, refutando a ideia de que a União Europeia tem legislação de altos padrões aplicada à sua exploração de recursos minerais.

A Savannah garante que a estrutura projetada conta “com um sistema de drenagem altamente eficaz(…), foi projetada com base em estudos de estabilidade e em conformidade com as normas internacionais, e a sua localização respeita rigorosamente as exigências ambientais”. “Em caso de encerramento, o plano de recuperação garante que a área será estabilizada e integrada no ambiente. A probabilidade de os rejeitados afetarem o rio Covas, a bacia do Douro ou chegarem ao Oceano Atlântico, como de forma alarmista o Sr. Emmerman pretende fazer crer, é extremamente baixa devido a todas estas medidas preventivas”.

**

A Savannah enumera um conjunto de medidas para minimizar o impacto do funcionamento das minas no bem-estar das populações, entre elas: “não será realizada extração de água do Rio Covas”, mas “da chuva e das áreas de exploração”, “um novo sistema de estradas será construído”; “um sistema de monitorização contínua dos níveis de ruído, água, vibrações e qualidade do ar, cujos dados serão disponibilizados ao público”; “o controlo das poeiras provenientes das atividades do projeto será assegurado através da utilização de aspersores de água durante as descargas de materiais pelos camiões”; “a nível social serão desenvolvidos dois planos fundamentais para assegurar que os benefícios económicos e sociais do projeto sejam partilhados de forma transparente: o Plano de Partilha de Benefícios e o Plano de Boa Vizinhança”.

Cientificamente, existem algumas formas de atenuar os impactos ambientais de uma mina.
  • evitar que resíduos atinjam fontes de água
  • os resíduos podem ser usados para tapar parte do corte feito pela exploração
  • reflorestação progressiva desde o início
  • acumular água das chuvas em charcas
  • sistemas de aspersão para manter o solo úmido e minimizar a passagem de camiões
  • por lei, a exploração mineira é obrigada a reservar um fundo monetário a favor do Estado para reparação da zona afetada.

 

Contudo, a mesma região do país conta uma história diferente.

A Mina da Borralha, para a exploração de volfrâmio, fechou há quarenta anos e ainda os seus impactos ainda são visíveis.

Quando fechou, em 1986, o território e o património foram abandonados. Os trabalhadores foram despedidos sem indemnizações. Aos operários tinham sido dadas casa, água e eletricidade. Nasceu uma aldeia da mina, com escola, correios, autoridades, cinema, posto médico, além de todas as infraestruturas de refinaria do volfrâmio. Na escola, as crianças aprendiam o que fazer numa profissão na mina. Depois, a mina fechou, e a aldeia ficou vazia.

 

“Hoje, temos uma população da Borralha com uma enorme dependência do Rendimento de Inserção Social, uma enorme taxa de crime e de precariedade social. Se a nível global, estamos a participar numa luta para ir transitando os nossos modos de existência para modos mais sustentáveis (…) converter população que sabe viver com a agricultura, de forma sustentável, numa população de trabalho industrial é a pior coisa que se pode fazer. Não é só impacto sobre estas 200 pessoas [em Covas do Barroso], é impacto sobre os filhos deles. Se o governo português e os governos europeus estão a investir em trazer populações novas para ir para o Interior, não é através da mineração que o vão conseguir.”
Godofredo Pereira

 

Mina da Borralha ao abandono. | © BALTAZAR RIBEIRO

Na literatura académica, relaciona-se historicamente o extrativismo ao aumento da criminalidade, da violência, da prostituição, da corrupção, do contrabando, à desorganização da produção locais; e às disparidades salariaas e deterioramento das condições de trabalho.

Além disso, de acordo com o Observatório Ibérico de Mineração, ainda hoje se deteta a poluição por metais pesados, 30 anos depois de a mina fechar.

Em resultado da drenagem ácida da mina da Borralha, estes metais têm poluído “os rios Caniçó, Borralha (Amiar) e Rabagão que desaguam no rio Cávado dentro do Parque Nacional do Gerês” e a barragem de Venda Nova. Além disso, os solos na região têm evidenciado uma grande contaminação por arsénio, cádmio, chumbo e mercúrio e outros metais, “extremamente tóxicos para o ambiente, [biodiversidade] e saúde humana”.

Quando fechou, foi acordado um plano para reduzir a poluição da mina à responsabilidade do Estado português, apesar de a legislação dos anos 90 atribuir a responsabilidade aos concessionários. O plano nunca foi implementado, nem os concessionários – a EDM (Empresa de Desenvolvimento Mineiro), que deveria gerir o passivo ambiental – contribuíram financeiramente para ele.

A legislação sobre os solos tem tido a orientação da Comissão Europeia, no âmbito do Pacto Ecológico Europeu. Mas, em caso de acidentes ambientais e/ou gestão negligente da empresa concessora, não há qualquer legislação que proteja o ambiente (e, consequentemente, as populações) de impactos severos, como já aconteceu no passado com a Mina da Borralha com a desresponsabilização do Estado e da empresa concessora.

A Savannah garante que a “proteção da paisagem e a recuperação do território após a exploração são componentes fundamentais do Projeto de Lítio do Barroso”, e garantindo que a “gestão ambiental seja uma prioridade contínua”. “Isto significa que, assim que as operações em uma determinada área forem concluídas, o processo de recuperação será iniciado imediatamente”, explica António Costa.

“Esse enfoque gradual assegura que as cortas sejam progressivamente restauradas, preenchendo-as e reabilitando-as paisagisticamente conforme o progresso do projeto. (…) Este processo de reabilitação da paisagem inclui o armazenamento e reutilização da rocha e o solo retirados das cortas, o armazenamento e reaplicação da camada de solo superficial nas áreas, a revegetação com espécies nativas e posteriormente a devolução dos terrenos à comunidade local em condições ideais para diversos usos.”

Falta de transparência e “usurpação”: os casos legais

A mina do Barroso tem tido o seu espaço na Assembleia da República, com duas petições parlamentares; na Assembleia Municipal de Boticas, que levantou uma moção contra o projeto; e no Parlamento Europeu.

A luta do povo do Barroso também se trava nos tribunais. E são vários os casos legais em curso que trazem à mesa vários nomes e entidades envolvidos na exploração mineira em Portugal.

A DGEG e a mina da Borralha (Montalegre)

Em 2012, a Minerália obteve direitos de prospeção na Borralha, e em 2017, fez um pedido de concessão experimental. Em 2021, deu-se início a uma consulta pública, que só viria a ser concluída em fevereiro do ano seguinte. No entanto, em outubro de 2021, o contrato de concessão foi assinado e os detalhes do projeto, que envolve a extração a céu aberto em Santa Helena (a metros de distância das aldeias de Caniçó e Paredes, numa região que é Património Agrícola Mundial) foram ocultados.

Durante a consulta pública e após a assinatura do contrato de concessão, foi negado acesso aos respetivos documentos pela DGEG – Direção-Geral de Energia e Geologia, o que foi fortemente contestado por organizações ambientais, como a ZERO.

Como autoridade administrativa independente, o Comité de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), estabeleceu que o acesso à informação deveria ser facultado. Avançou-se para uma acção judicial no Tribunal Administrativo de Lisboa (Processo 58/22.1BELSB) pela fundação galega Montescola, e o caso foi levado ao conhecimento do Comité de Cumprimento da Convenção de Aarhus, da ONU.

Em 2015, a Câmara Municipal de Montalegre, que já tinha apoiado o projeto da mina, abriu um museu mineiro (Centro Interpretativo das Minas da Borralha), obra que custou cerca de 2 milhões de euros de fundos públicos, inclusive da União Europeia.

Não houve qualquer quantidade monetária, pública ou privada, aplicada à remediação dos passivos ambientais da antiga mina.

Uma mina explorada por um jovem empresa. A Lusorecursos e a mina do Romano (Montalegre)

Em março de 2019 é assinada a concessão para a exploração de lítio e outros metais na Mina do Romano, em Montalegre, entre a DGEG e a Lusorecursos Portugal Lithium, empresa constituída três dias antes da assinatura do contrato, o que levantou suspeitas de um alegado favorecimento no contexto do negócio do lítio.

Na altura, a empresa era administrada por Ricardo Pinheiro, investigado por crimes económicos devido a fraudes com fundos comunitários. O CEO previa um investimento de 500 milhões de euros e a criação de 500 postos de trabalho.

João Galamba, antigo secretário de Estado da Energia, e João Matos Fernandes, então Ministro do Ambiente, defenderam o prosseguimento da concessão e o interesse no lítio. O presidente da Câmara Municipal de Montalegre nesse ano, Orlando Alves, apoiou a assinatura do contrato.

Em setembro de 2023, a APA emitiu uma DIA favorável condicionada à mina do Romano.

Em novembro desse ano, no âmbito da Operação Influencer, a sede da Lusorecursos, em Braga, foi uma das instâncias alvo de buscas.

Mina do Barroso: usurpação e transparência (Covas do Barroso e Romainho, Boticas)

Há três processos judiciais a decorrer sobre a exploração de lítio no Barroso.

Junta de Freguesia de Covas do Barroso vs Estado

Em 2022, a junta de freguesia de Covas do Barroso interpôs uma ação judicial contra o Estado Portugês e o Ministério da Economia, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela.

Lúcia Dias Mó diz que exigem o cancelamento da licença de prospecção e exploração.

Comunidade de Baldios de Covas do Barroso vs Savannah Lithium

Está em tribunal, desde 2022, uma ação judicial interposta pela Comunidade de Baldios de Covas do Barroso que pede a investigação ao uso abusivo da plataforma BUPI pela Savannah Lithium para “usurpar os terrenos” comunitários para a exploração de lítio, através de registos fraudulentos.

De acordo com os populares, partes de terrenos baldios foram “indevidamente apropriadas através de registos dos terrenos” particulares para venda à Savannah e pretende o restabelecimento da totalidade da área dos baldios.

A Savannah Lithium é acusada de contratar entidades e pessoas para proceder aos trabalhos de medição dos terrenos, em nome dos proprietários.

Em outubro de 2024, o presidente executivo da empresa disse que a acusação “não tem fundamento”.

“Ao dia de hoje já temos mais de 100 parcelas adquiridas de forma amigável e temos também utilizado todos os instrumentos legais que normalmente são aplicados nestes processos, como as expropriações”, disse em entrevista.

Junta de Freguesia de Covas do Barroso vs APA

A Junta de Freguesia está a seguir uma ação administrativa para anular a Declaração de Impacte Ambiental favorável condicionada emitida pela APA, em maio de 2023, para a mina do Barroso.

O Ministério Público pronunciou-se defendendo a anulação da DIA, uma vez que esta “padece do vício de violação da lei”.

Entre as preocupações e os aspectos levantados pelo Ministério Público estão:

  • a descaracterização do SIPAM (Sistema Importante do Património Agrícola Mundial) do Barroso, devido à ampliação da atividade mineira. Deste modo, o Estado Português estará a violar os compromissos que assumiu perante a FAO de proteger e apoiar a qualidade e a forma de vida nesta região, e as minas irão pôr em causa os financiamentos comunitários do programa SIPAM.

  • a violação de legislação sobre o aproveitamento de recursos minerais em território com o selo da FAO; da Política Agrícola Comum (PAC) da União Europeia; e do Plano Estratégico da PAC 2023-2027 (PEPAC) para Portugal.

  • o facto de que o projeto final da mina não se trata de uma ampliação, mas de “um conjunto de novos subprojetos, que não foram analisados pela DIA, e cujo efeito, intensidade e complexidade vão muito para além da área a ampliar”.

  • a falta de avaliação minuciosa sobre o risco de acidentes e catástrofes nas seis barragens de rejeitos previstas, e sobre a contaminação do rio Covas e águas subterrâneas.

  • a falta de ponderação sobre o impacto conjunto de dois projetos em proximidade: a mina do Barroso e a mina do Romano.

  • a ponderação da China como possível destino do minério, o que vai contra o argumento de uma independência externa do fornecimento de lítio da União Europeia.

“Desde o início, contestamos declarações e decisões da DGEG e da APA que não se coadunam com a participação livre de cidadãos em processos democráticos, e que envolveram desrespeitos claros pela Lei, desvios de competências e falta de transparência. A APA vedou-nos acesso, repetidamente, a informação que deveria estar no domínio público. Também procurou contornar prazos legais e legítimos para a manifestação dos cidadãos em consultas públicas sobre o projeto”, garante a barrosã.

Em 2021, a APA já teria sido ultimada em tribunal pela fundação espanhola Montescola que visava o acesso à documentação sobre a avaliação de impacte ambiental da Mina do Barroso, em Boticas, não disponibilizada na consulta pública. A Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) determinou que a APA deveria fornecer os documentos, entregues pela Savannah.

Nelson Gomes, presidente da UDCB, garante que a APA já foi condenada a pagar 15 mil euros por negar acesso a documentos do processo, no qual, assegura, as entidades locais e a população nunca tiveram oportunidade de opinar.

Operação Influencer

No quadro da Operação Influencer, que levou à demissão do ex-primeiro-ministro, estão incluídos os processos da Mina do Barroso e do Romano; um projeto de hidrogénio em Sines; e a construção de um ‘data center’ pela sociedade Start Campus.

Em novembro de 2023, no seguimento das investigações, os grupos Associação Montalegre com Vida, Povo e Natureza do Barroso, Unidos pela Natureza – Associação de Desenvolvimento de Dornelas, Unidos em Defesa de Covas do Barroso, Movimento Não às Minas Montalegre, Colectivo Minas Não, Extinction Rebellion Portugal e Grupo de Investigação Territorial, exigiram o cancelamento de todos os projectos de mineração de lítio em Portugal.

As associações e as autarquias dizem que esta investigação veio reforçar as desconfianças sobre a falta de transparência nos processos de licenciamento mineiro da APA.

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bate o pé, bate o pé amigo !
bate o pé, que eu bato contigo !
Bem Bonda o pão que está caro
quanto mais a fome
Bem Bonda as carnes
quanto mais o que a gente come
bate o pé, bate o pé amigo !
Bem Bonda !
bate o pé, que eu bato contigo !
Bem Bonda !
Bem Bonda a gente que fala
e não se chega à frente
Bem Bonda p’ra dar voz ao corpo
que aconchega a gente
Bem Bonda que o peito bate
e a gente não fala
quanto mais o que o corpo sabe
e a gente cala
e agora se é hora
se a hora te diz
outrora só chora
só chora quem quis
que a Aurora é agora
bate o pé e diz:
Bem Bonda!
Bem Bonda!
Bem Bonda, que é como quem diz já chega
porque me aperta o peito e falta-me o jeito
quando o mundo me deixa assim, desfeito
na sugestão perfeitamente natural
de que o atrito e o afecto
são supostamente um casal perfeito
já chega! Bem Bonda!
e tudo mais é respeito
que é como quem diz
outra coisa qualquer
que não se dê ao efeito
de se fazer ser
p’ra que eu diga:
eu aceito.
quando aquilo que eu queria dizer é:
já chega!
e o preceito, qual preceito?
e tudo isto é feito, por quem?
tudo isto é gente, tudo isto é sentir
já chega, Bem Bonda!
que é como quem diz
já chega, Bem Bonda!
que é como quem diz:
estamos juntos!
estamos juntos!
mas não tem jeito se nos querem impor e ditar o fazer
e o que faço com o meu peito se nos querem impor e ditar o sentir
porque eu sou uma Criatura que sente.
e nós, chegamos à frente e dizemos:
Bem Bonda, Bem Bonda, Bem Bonda, Bem Bonda

Excerto da canção “Bem Bonda”, dos Criatura com a participação especial do Coro dos Anjos

 

Ano 1: 2024 foi considerado como o ano mais quente alguma vez registado, segundo os dados do Copernicus, ultrapassando, pela primeira vez, um aumento da temperatura média global de 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. Estamos, agora, oficialmente, em incumprimento do Acordo de Paris (2015).

 

A luta continua

Mariana Riquito disse que o povo de Covas é como as formigas. Seguem o ritmo das estações, sabem quando recolher para o inverno e quando aproveitar os dias longos de verão. Mas tal como a formiga consegue carregar algo muito mais pesado que ela, este povo carrega uma luta muito maior do que eles. Veem a terra não só de uma perspetiva de “sobrevivência mas de afetividade”.

 

“O território e os habitantes são peças de um mesmo ecossistema que depende de cada uma das suas partes para funcionar em pleno. Pessoas, animais, plantas, água, movem-se dentro deste sistema de forma completamente co-dependente e simbiótica. A terra e a água são fundamentais para a agricultura e criação de gado, duas das atividades mais comuns. Fauna e flora colaboram no controlo de espécies, na preservação da integridade dos solos, na polinização. As pessoas desempenham um papel de preservação de habitats, controlo de espécies invasoras, proteção da água. Todos os processos são circulares, servem um propósito, e colaboram para que o ciclo se tenha mantido ininterrupto por séculos. A maioria das pessoas destas aldeias teria de escolher entre viver ao lado de uma mina. Ou sair, sem nada ou muito pouco, e depender da boa vontade de familiares ou estranhos. As ligações afetivas de familiaridade e vizinhança quebrar-se-iam para sempre, e todas elas ficariam orfãs de uma comunidade onde tinham um lugar respeitado e enriquecedor. Acho que não é justo pedir das pessoas que protegem territórios que tenham as soluções para a transição energética. O problema é complexo, por isso espanta a aparente simplicidade da “solução” que nos tem sido imposta.”
Carla Gomes

 

“Há lições que podemos aprender de comunidades que historicamente sempre tem conseguido manter esta relação de harmonia com o meio envolvente. e portanto ensinam-nos que é possível enquanto ser humano também fazer parte de um ecossistema saudável, e também nos dão pistas para esse futuro de transformação. na questão da transição, temos de falar a uma escala global, mas também a uma escala que reconheça as diferenças e particularidade de cada território, de cada geografia. E, por isso, não podemos nunca ter uma resposta unívoca e universal e hegemónica sobre o que é a transição. (…) Há lições a tecer de cada território, e a luta no Barroso também mostra que a transição não pode ser imposta de cima para baixo e igual para toda a gente. E também daí a recusa em aceitar este projeto de mineração é também uma recusa em aceitar esta ideia de progresso verde, que tem de ser às custas de certas pessoas e certos territórios. Há muito para aprender e há muito para desaprender sobre a transição.”
Mariana Riquito

 

Engane-se quem acha que o som de uma enxada é constante. Tem a partitura da força e cansaço humanos. De longe poderá comparar-se ao som da máquina, com milésimas de segundo contadas e programadas ao pormenor para quebrar a pedra. E é assim que está o povo do Barroso, à frente das máquinas, na montanha, onde a enxada se funde com a terra. Onde a população é território.

À medida que coloco o último ponto final neste texto, passou-se meio ano desde o início desta reportagem. As árvores verdes que me acolheram em agosto, despiram-se da sua roupa. Janeiro banha o Barroso com gelo e sol de inverno. Sinto que ainda está lá, o Barroso, ainda não foi descaracterizado. Mas eu estou diferente. E com certeza, as árvores também estarão, um ramo poderá ter sido cortado, o tronco poderá ter sido riscado, os carreiros de formiga poderão ter-se desenhado ao seu colo. Mas o Barroso ainda sobrevive. Provavelmente será tempo de celebrar o que sempre tivemos, o que sempre foi nosso, e nunca nos faltou. Por enquanto. A Terra.

Esta é a terceira parte de uma investigação, apoiada pela Bolsa Gerador Ciência Viva, que dedicamos à problemática da exploração de lítio em Covas do Barroso. Clica aqui para leres as restantes.
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