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© Fotografia por Luiza Porto

Uma entrevista a Luiza Porto, autore de “Transmutável”, obra originalmente publicada nas Páginas Ocupadas da Revista Gerador 41.

Entrevista por: Amina Bawa

Luiza Porto © Fotografia por Márcia Bellotti

Luiza Porto é artista visual luso-brasileire, atualmente a viver e trabalhar no norte de Portugal, que centra a sua investigação na vivência queer e feminista, e manifesta-se predominantemente através de autorretratos em linho e outros suportes têxteis. Trabalhou durante 10 anos com ilustração e animação e, desde 2010, além de criação individual, integra o duo PORTO+BELLOTTI, com a artista visual Márcia Bellotti, ao elaborar projetos que perpassam pela videoarte, fotografia, esculturas e objetos sonoros.

No seu trabalho para a edição 41 da Revista Gerador, Luiza convida-nos a entrar num embate com as nossas perceções do que são corpos e vê-los por aquilo que são: diversas marcas de escolhas, traumas, vivências e tantas coisas que somente cada corpo pode contar. Luiza tenta mostrar-nos alguns lados do que também podem e devem ser considerados como arte numa sociedade repleta de padrões impossíveis de serem alcançados e, por vezes, não humanos. A proposta de Luiza Porto é trazer realidade às várias formas de encarar a arte sem barreiras para interpretá-las.

Transmutável

Ilustrações bordadas à mão
Fios de linho sobre linho ou algodão
Tamanhos variados

© Fotografia por Luiza Porto

Transmutável é uma série de (auto)retratos bordados em fios de linho rústico, que retratam as possibilidades do corpo trans. Procurei representar a angústia da disforia, o não pertencimento e o vislumbre da mudança.

«A identidade de gênero não é fixa nem imutável. É nômade.» (Santiago, 2015). Em Transmutável, parto da minha própria experiência como sujeite não-binárie, que faz uso de uma série de tecnologias – sejam estas modos de subjetivação, tais como postura, cortes de cabelo, impostação vocal, ou também intervenção cirúrgica – para desfazer o gênero designado e ampliar os limites do corpo para além da cis-heterossexualidade compulsória. O torso é construído sem cabeça, sem rosto, permitindo assim que espectadores trans percebam na imagem a hipótese de uma autorrepresentatividade e a viabilidade de um novo lar, um novo corpo.

Minha investigação como artista têxtil atravessa sempre os corpos que habito. Inicialmente tratando exclusivamente da forma feminina, as dores e processos de cura relacionados à abusos impostos sobre o meu corpo enquanto percebido como mulher (« Partes Públicas e Privadas»), posteriormente sobre o sentimento de não pertencer, e as transformações necessárias para que o corpo se torne habitável.

 

Foste convidade para compor as Páginas Ocupadas desta Revista Gerador. Quais foram os desafios para a criação do teu trabalho?

O principal desafio foi encontrar referências para estudo das imagens, de corpos como o meu. Esta dificuldade está relacionada ao fato de que a mastectomia masculinizadora geralmente é realizada em corpos de homens trans ou pessoas transmasculinas, sendo que no meu caso eu gostaria de abarcar o universo das pessoas não-binárias que não necessariamente transitam por ou atravessam o ser homem.
Comecei a desenvolver o projeto antes de passar pelo procedimento cirúrgico, então foi principalmente uma forma de buscar representar imageticamente o que meu corpo poderia vir a ser.

 

O teu trabalho, além de criar imagens através da linha e do tecido, evidencia marcas. Que marcas estão no teu corpo e por que colocá-las à mostra?

Na minha produção têxtil busco retratar traumas psicológicos nas relações entre os corpos percebidos como femininos e seus embates com a sociedade cishéteronormativa e patriarcal, e assim representar as marcas que ficam após os processos de superação e reestruturação frutos dessas relações. Transformar minhas próprias experiências de vida em imagens significa materializar minha autopercepção e edificação de meu próprio ser, sendo assim também meio de cura.

© Fotografia por Luiza Porto

© Fotografia por Luiza Porto

As linhas são exemplos de ligação, assim como a tua vida entre o Brasil e Portugal. Como essa relação acontece e é traduzida no teu trabalho artístico?

É impossível desassociar a minha formação cultural e vivência do trabalho que faço. Nasci e cresci no Brasil, queer e em um corpo percebido como feminino. As experiências que vivi lá vão sempre ser parte do que eu crio. Embora ser mulher e queer no Brasil carregue um peso e traumas diferentes de Portugal, lá temos uma presença muito forte e potente do ativismo e das vozes provenientes de corpos dissidentes. Por mais que eu tenha saído do Brasil em 2015, o meu pensamento enquanto artista é formado maioritariamente em cima das práticas contemporâneas brasileiras.

 

Como a arte pode ser espaço de troca, resistência e inserção dos diferentes corpos e géneros?

Pessoalmente, enquanto crescia dentro de um ambiente católico e conservador, só percebi que existiam possibilidades de ser e sentir de forma genuína, a partir das visões de mundo que me foram trazidas através da arte. Assim, as possibilidades de trocas entre a produção, mas também das vivências entre artistas, são fundamentais para a criação de caminhos de resistência que atravessam o espectro pessoal e coletivo de minorias, como aquelas das quais faço parte. Isso não significa que tais trabalhos estejam sujeitos a limitações temáticas, mas sim que se tornam capazes de promover questionamentos inclusive por meio da fruição artística.

 

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