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A base de muitas exclusões reside na falta de conhecimento sobre a diferença entre conceitos como sexo, identidade de género e expressão de género, fundindo erroneamente todos eles, normalmente com o significado de sexo.
Sacha Montfort, cofundador da Associação TransMissão, explica-nos a noção de sexo: «as ciências sociais, em particular os estudos de género, costumam definir o sexo como um conjunto de características sexuais (morfológicas, hormonais, genitais e cromossómicas), diferenciando o que se chama homens e mulheres/machos e fêmeas», o que deixa de parte as pessoas intersexo. Carmo Gê Pereira, educadora feminista LGBTQIA+, questiona o conceito de sexo que integra apenas estes dois lugares: «Gostaria de saber quantas pessoas realmente fizeram uma análise cromossómica, hormonal, e perceberam que corresponde às suas características sexuais visíveis. Acaba por ser um conceito de sexo que, quando o dotamos de verdade científica, estamos a dotar uma ficção que nós construímos como verdade.»
A identidade de género diz respeito «às características sociais que são apreendidas e estereotipadas pela sociedade em que crescemos e nos desenvolvemos», esclarece Paula Allen, uma das diretoras do centro Gis – centro de Respostas às Populações LGBTI, constituindo um «elemento de operação social» através do qual «atribuímos lugares de poder e daí falarmos, por exemplo, em conceitos como o patriarcado ou a hegemonia da masculinidade», acrescenta Carmo. Sacha reforça que, «segundo as normas binárias em vigor, sexo e género devem necessariamente alinhar-se para que existam somente homens e mulheres cisgénero». Porém, as pessoas trans «desafiam, com a mera existência, todas essas normas, e são punidas pela sociedade por tal.» Assim, por género podemos entender uma infinidade de designações desde pessoa não binária, pessoa agénero, pessoa de género fluído, homem (cis ou trans), mulher (cis ou trans), entre outros – «o que interessa é que o nosso sentimento de género é uma história individual e deve ser valorizada como tal», defende Carmo. Já a expressão de género diz respeito a comportamentos, formas de vestir ou outros detalhes que uma pessoa escolhe para expressar o seu género.
Refletindo sobre o sistema binário que rege a nossa sociedade, Sasha destaca ainda: «se as pessoas não binárias exemplificam a diversidade de género e a caducidade da binaridade de género, as pessoas intersexo sofrem na sua pele a tentativa de apagamento (através de secretismo, vergonha, mutilação, maus tratos médicos, assédio escolar) da sua diversidade corporal a fim de manter a ilusão de uma binaridade de sexo.»
Socialmente, a menstruação traz uma série de tabus e ideias preconcebidas, perpetuando o desconhecimento de que cada experiência de menstruação é diferente para todas as pessoas que menstruam. «Mesmo entre as mulheres cis, a menstruação, biologicamente, pode não ser igual para todas. Para umas pode ser uma coisa dolorosa, uma coisa tranquila, ou ser uma experiência redentora», avança Lisa Vicente, ginecologista-obstetra e autora do livro O Atlas da V. «Penso que, muitas vezes, à menstruação, é atribuído um significado, em que é de valor a pessoa menstruar, é-se mulher porque se tem ciclos e, realmente, a pessoa pode menstruar e não se sentir mulher, pode não menstruar e sentir-se mulher», esclarece Lisa. «Outra questão, é o valor que, às vezes, é atribuído às características da menstruação – o facto de ser certinha ou a questão de a menstruação abundante ser [vista como] fértil. Acho importante vermos que isto é um fenómeno biológico que acontece e que não atribui à pessoa que o tem mais valor pelo facto de menstruar ou não», acrescenta.
Em termos biológicos, a menstruação «é simplesmente o facto de existir útero, ovários e toda a parte da estrutura que inclui o hipotálamo e a hipófise e que permitem que, ciclicamente, o forro do útero cresça e, depois, caia, dando origem à menstruação», continua. No caso de pessoas que queiram deixar de menstruar, inclusive por questões de disforia de género, é importante perceber que este não é um processo igual para todas. Quando é feita uma terapêutica hormonal, a paragem da menstruação pode ser mais lenta ou, tomando doses baixas de testosterona, esse período de cessamento pode ser mais longo ou não acontecer completamente. Da mesma forma, para quem não faça uma histerectomia, pode voltar a haver sangramento em alguma altura. Por outro lado, existem pessoas que precisam de cessar a terapêutica por questões financeiras ou de saúde. É ainda importante notar que nem todas as pessoas trans, não binárias ou intersexo querem ou podem fazer a terapêutica.
O ciclo menstrual está ainda relacionado com a possibilidade de engravidar, mas não se trata de um processo linear. «Costumo chamar à atenção de que há pessoas trans, que mesmo a fazer terapêutica hormonal com testosterona, se têm relações com uma pessoa que tem espermatozoides e existe, de alguma forma, relações com penetração a nível da vagina, pode existir o risco duma gravidez. O facto de a pessoa não menstruar, fazer terapêutica hormonal com testosterona, não é uma forma garantida de estar protegida em termos de contraceção em algumas situações e em alguns comportamentos sexuais», clarifica. Por outro lado, é possível que um homem trans, que não fez uma histerectomia, engravide por opção, bastando, para isso, interromper a terapêutica hormonal e regredir parcialmente alguns dos carateres secundários. Para prevenir casos em que seja difícil voltar a ter espermatozoides (no caso de mulheres trans) ou óvulos (nos homens trans) é aconselhada a preservação de gâmetas para que tenham a possibilidade de ter material biológico para usar numa gravidez.
Internacionalmente, existem vários relatos de homens trans que decidiram engravidar. Lisa partilha que tem uma pessoa em consulta que lhe diz ser «um plano de vida possível». Sasha conhece «muitos homens trans que são pais, ou mães, como alguns deles continuam a se chamar, mas a maior parte deles tiveram es filhes antes da transição.» «É importante lembrar que antes de 2011, as pessoas trans deviam, por lei, realizar gonadectomia e, assim, ficar estéreis para poder mudar legalmente de nome e género», remata. Também Carmo conhece casos de homens trans e pessoas intersexo que engravidaram, em Portugal, e tem «amigos que querem preservar a saúde do aparelho reprodutivo porque estão numa fase em que querem engravidar, estando a menstruar. Sou fã dos papás cavalo-marinho, acho a coisa mais linda do mundo e que vai ser uma mudança social brutal ao nível da leitura toda que fazemos da parentalidade e da gestação.»
Sendo a experiência de menstruar, ou não, diferente para todas as pessoas, é importante dar voz a mais narrativas, de forma a perceber a variedade de conhecimento e de formas de nos relacionarmos com este processo. A menstruação é um assunto de todas as pessoas, não apenas das mulheres (cis). Dentro desta diversidade, inclui-se histórias de transição, em que pode ser feita uma terapêutica hormonal que serve de confirmação de género, em pessoas trans que sentem disforia. Nestes casos, «o que se altera, muitas vezes, é como a sociedade lê a pessoa, não a sua própria identidade», esclarece Sacha. Note-se que, no caso de homens e mulheres trans, a impossibilidade ou decisão de não fazer terapêutica hormonal ou cirurgias não es torna mais ou menos homens ou mulheres.
LUCAS, ©Raquel Mourão
CARMO GÊ PEREIRA, ©Ricardo Faria
TOTA ALVES, ©Diana Mendes
IVVI ROMÃO, ©Mariana Rocha
Lucas, pessoa trans não binária com uma identificação predominante com o género masculino, explica que, ao longo da sua vida, foi tendo consciência de que se «identificava com o género masculino em quase todas as vertentes da vida, em relação aos papéis que nos são atribuídos», mas não se permitia pensar sobre isso. Tendo começado o seu processo há cerca de ano e meio, e embora não se sinta homem ou mulher, optou «por fazer a transição, porque, nesta sociedade, temos de jogar um jogo, por termos um sistema binário, e, na verdade, nunca me identifiquei como mulher e sempre tive problemas com o meu corpo». Deixou de menstruar, naturalmente, aos 26 anos e, ainda hoje, não tem uma explicação para tal, apesar de ter recorrido a acompanhamento médico. No entanto, «nunca quis que voltasse.» Ao decidir avançar com a transição, quis «perceber todas as minhas dinâmicas internas, do masculino e do feminino», fazendo um ritual do útero, «em que a proposta é ires ao encontro do teu eu materno, feminino, perceber o que existe nessa feminilidade que todos temos». «Fiz esse ritual e, passado um mês, menstruei. Nada como antes, mas nesse mês e no seguinte aconteceu e, depois, parou», conta.
Carmo Gê Pereira, pessoa não binária, relata uma experiência ingrata na infância e adolescência, em que sofreu «bullying de género como se as pessoas estivessem a ver em mim uma coisa que eu não via, ainda». Conta-nos que a sua menstruação apareceu tarde, o que lhe provocou uma «angústia tremenda» por esperar da menstruação a validação de que era rapariga. «Lembro-me do alívio que foi [quando veio]. Precisava de uma suposta verdade científica para calar uma série de vozes que tinha dissonantes. E, quando apareceu, disse, pronto, então tudo o resto é disparate.» Aos 28 anos, ao cruzar-se com textos teóricos sobre género, encontrou a linguagem para, finalmente, se expressar: «[O acesso ao que é escrito permite] validar ansiedades e lugares de sofrimento das pessoas de uma forma positiva, transformando-os em lugares de força e empoderamento. E foi isso que me aconteceu.» Hoje, entende que a «tal confirmação supostamente científica», «não é mais do que um discurso social» e critica o «feminismo materialista ou marxista» que defende ser «um apagamento não dizer mulher e dizer pessoa menstruante, quando a própria crítica ao lugar de mulher tem que ver com ser este lugar assignado reprodutivamente, que começa com a menarca e que traz associado uma série de coisas, como a sexualização do corpo.» Da mesma forma, «falar em pessoas gestantes ou em pessoas parturientes não é o apagamento de nenhuma categoria, pelo contrário. Pode ser um lugar de destruição e de quebra de uma série de motores do patriarcado», defende o educador.
Tota Alves, mulher cis e autora do documentário O Meu Sangue, conta-nos que tem uma boa relação com a menstruação, embora seja particular. «Tenho quistos nos ovários, então a minha menstruação é muito irregular e espaçada, porque ovulo menos do que a maioria das pessoas.» Tota partilha que, na primeira fase do projeto do documentário, tinha a frase: «ser mulher é menstruar». Com o avançar da sua pesquisa, percebeu que «nem ser mulher é menstruar, nem menstruar é ser mulher. Há muitas mulheres cis que não menstruam, que tomam a pílula, e isso faz com que não menstruem. Sou mulher cis, estou grávida, e não estou a menstruar. Há muitas mulheres cis com 60 anos que não menstruam. Portanto, aquela frase, que na altura me pareceu importante para o projeto, acabou por ser desconstruída pelo caminho que fui fazendo».
Ivvi Romão, mulher trans, reconheceu que o seu género não coincidia com o sexo com que tinha nascido aos 15 anos quando, numa conversa, percebeu que um dos seus maiores sonhos não se iria realizar – engravidar –, motivando-a a entender melhor o seu corpo. Descreve um processo de sofrimento por «não poder menstruar e gerar vida». «É uma vontade muito minha, o ser mãe, mas é também entender outras possibilidades. Mãe não é só aquela que dá à luz. Mãe é aquela que cuida, que educa, que está ali do lado quando precisa, ou quando não precisa está ali dando um puxão. Mãe é aquela que se faz presente», declara. Ao fazer terapêutica hormonal, relata que sente tensão pré-menstrual: «Tenho o ciclo hormonal, em que todos os dias tenho de tomar o hormônio naquele horário, e quando chego ao final do mês tenho de começar um novo ciclo hormonal. E, aí, fico uma semana stressada, muito emotiva, tudo me irrita, tudo me emociona, tudo me incomoda.» Em breve, fará a sua primeira cirurgia. «Mas, atenção, não é pelo facto de fazer, ou não, as cirurgias que me torna mais ou menos mulher. Uma cirurgia é uma vírgula, não é um ponto final», assegura. Ivvi vê a transição como um processo que só termina com a nossa última respiração: «Tanto para mim, como mulher trans, como para você, como mulher cis, é uma experiência que nunca vai acabar.»
Ser mulher. Menstruar define uma mulher? Ter uma vagina? Ter mamas desenvolvidas? Ter útero? Ter um aparelho reprodutor feminino funcional? Ou estará o facto de se ser mulher relacionado com o tipo de vivências e a incorporação de determinados lugares e espaços num corpo?
Em O Segundo Sexo, Volume 2, Simone de Beauvoir escreve: «Entre rapazes e raparigas, o corpo é, em primeiro lugar, a irradiação de uma subjetividade, o instrumento que efetua a compreensão do mundo: é através dos olhos, das mãos, e não das partes sexuais, que eles apreendem o universo.» Talvez, seja, então, tempo de repensar uma série de conceitos e imagens que tomamos como verdade, mas que são, acima de tudo, construções sociais. Talvez, ser mulher tenha muito mais que ver com uma forma de viver do que com questões biológicas.
Lisa afirma que «existem mulheres trans, que se sentem mulheres, não têm um útero e, por isso, não menstruam. Não são menos mulheres pelo facto de não terem útero, como não são menos mulheres, mulheres cis que, por alguma razão, ficaram ou nasceram sem útero».
Ivvi partilha que «associava a menstruação à gravidez, ao ser mulher, ser feminina» até parar para pensar que a sua mãe não menstrua. «Ela teve câncer no útero, então tirou o útero, ovários e trompas. Minha mãe não menstrua e não é menos mulher ou feminina por isso. Vindo para o lado do ser trans, tem homens que menstruam e eles não são menos homens por isso. Então, foi um processo de alguns anos de, primeiro, aceitar e entender o meu corpo e, depois, lutar contra uma sociedade que prega justamente isso – você não menstrua, então você não é mulher. Não é bem assim. […] A sociedade é, quer queiramos ou não, muito machista, heteronormativa, muito preto no branco, quando a gente tem um prisma que pode ter um universo de cores – e, quando digo cores, falo de oportunidades, maneiras e formas diferentes de viver uma vida, que não seja definir a feminilidade pela menstruação.»
Embora reconheça que «para as mulheres trans que querem engravidar, pode ser uma dor não o poder», Sasha aponta que, «felizmente, existem outras formas de ser mãe, como com a adoção. Existe também a possibilidade de preservar as gâmetas e, assim, ter filhes com o seu material biológico.»
Embora existam relatos de boas experiências nos acessos a cuidados de saúde, como no caso de Lucas, a maioria des entrevistades ainda denota vários desafios no Sistema Nacional de Saúde no que diz respeito à integração de um conhecimento diverso nas práticas quotidianas. Paula Allen aponta que «os serviços raras vezes estão dotados de profissionais especializados que consigam dar respostas adequadas às pessoas trans. Para além da falta de especialização, es profissionais estão carregades de um viés hétero cis normativo que invisibiliza e discrimina as pessoas não cis e não hétero.» Por isso, «muitas pessoas trans evitam ou adiam consultas, mesmo quando precisam com urgência», aponta Sasha. «Os cuidados de saúde trans-específicos no [serviço] público têm filas de espera tragicamente longas, e custam muito dinheiro no privado, excluindo a maior parte das pessoas trans, tendencialmente marginalizadas economicamente», acrescenta.
Por norma, os processos de transição implicam a existência de ume psicólogue, ume psiquiatra e ume endocrinologista. Porém, poderá ser importante considerar outres profissionais de saúde como es ginecologistas, quer para homens trans, quer pessoas não binárias, intersexo ou mulheres trans (neste caso, para controlo de cancro da mama e cuidados após uma redesignação sexual, por exemplo). A frequentação de salas de espera em serviços de ginecologia pode ser angustiante pela sua genderização, quer na forma de apresentação do espaço, como pela predominância de mulheres cis.
Pensar em cuidados de saúde, é, também, pensar na qualidade e inclusão nos produtos de recolha menstrual disponíveis. Paula salienta que «importa que as empresas que produzem os tampões, pensos e copos coletores, comecem a fazê-los em cores e padrões mais diversos, e que os super e hipermercados não os comercializem na zona de higiene feminina».
Pantys, uma marca brasileira de cuecas menstruais absorventes sustentáveis, está a iniciar o seu caminho de inclusão e diversidade. Em desenvolvimento durante mais de um ano com o apoio de vários homens trans, lançou, em 2021, o seu novo produto – Boxer – direcionado para homens trans, pessoas não binárias e todes es que não se sintam representades por produtos femininos. «A menstruação não tem gênero! É extremamente importante levar saúde e inclusão para todas as pessoas que menstruam. Esperamos que o lançamento possa inspirar outras marcas a dar visibilidade a esse público», diz Emily Ewell, sócia fundadora da Pantys, em comunicado cedido ao Gerador. Procurando dar mais visibilidade a todes, a marca realizou ainda a primeira campanha fotográfica do Brasil feita exclusivamente com homens trans, em que podemos ver o publicitário Alexandre Kiyohara, o escritor e influenciador digital Jonas Maria e o DJ e produtor musical Joseph Rodriguez.
Outra questão comumente referida é a necessidade de se tornar os WC mais inclusivos, deixando disponíveis produtos de recolha menstrual e metendo baldes específicos para a colocação dos mesmos em cada cabine, quer em casas de banho femininas, quer masculinas. Sugere-se, ainda, a hipótese de deixar de ter WC genderizados.
A educação é um dos principais motores de mudança e conhecimento. Reconhecer, na sociedade, a existência de diversos tabus e desconhecimento no que diz respeito à menstruação e vida sexual é identificar a necessidade de um melhor sistema de educação menstrual e sexual para todes.
Paula defende que a menstruação «não deve ser abordada como a passagem abrupta da infância para a vida adulta – nenhuma rapariga deveria ouvir a velha frase “agora já és uma mulher”, simplesmente por ter menstruado; não deveria ser abordado como algo sujo ou menos positivo; não deveria ser impedimento ou justificação para a não participação em aulas de educação física; e deveria ser trabalhado peles profissionais de saúde para garantir que as pessoas tivessem consciência de que a menstruação não significa proibição de atividade sexual ou masturbatória». Sasha realça ainda que «não é necessário associar a menstruação a um género, mas que, pelo contrário, falar da diversidade dos corpos e das identidades daria uma melhor compreensão do mundo a todes es alunes e um sinal de aceitação para es alunes trans».
Em relação à educação sexual, Ivvi lembra que, na escola, aprendeu «sobre o corpo masculino ou feminino», mas não se lembra «de ver outras existências de corpos». «Aprendi a me defender das IST com um menino e uma menina. Como é que faço com uma menina e uma menina? E com um menino e um menino? E quando tenho um namorado/a que é trans? É da mesma forma? É bom preparar também para isso e levar com leveza e sabedoria.» Para garantir que existe uma educação sexual verdadeiramente inclusiva, Carmo defende que é preciso sê-la de base. «Quando falamos de sexo, falamos logo na questão intersexo; quando falamos de género, falamos logo no escopo de todos os géneros; quando falamos de orientação sexual, falamos de todas as orientações sexuais; quando falamos de IST, temos de o fazer mostrando as várias barreiras que se podem utilizar nas várias situações e para as várias práticas. Nem sequer temos de falar em orientação [sexual], só temos de falar em práticas.»
No estudo «Queering Menstruation: Trans and Non-Binary Identity and Body Politics», de Sarah E. Frank, publicado na Sociological Inquiry, Vol. 90, N.º 2 (maio de 2020), identificam-se três principais esferas sociais contestadas por pessoas trans e não binárias: a genderização de produtos menstruais, os WC masculinos e os cuidados de saúde, levando a que estas pessoas tenham de desenvolver estratégias para interpretar a menstruação e a forma como esta se relaciona com a sua identidade de género, tal como verificámos, também, ao longo desta reportagem. Por consenso maioritário, es nosses estrevistades defendem a utilização das expressões pessoas que menstruam ou pessoas menstruantes, como uma forma de se iniciar o diálogo e revisão na formulação deste processo biológico.
O processo de aprendizagem e crescimento cabe a todes, pois só assim poderemos desenvolver um espírito crítico em relação às verdades instituídas socialmente, nas variadas áreas da vida, desenvolvendo um conhecimento consciente acerca do que nos rodeia e define. Acima de tudo, mais do que conceitos e definições, é importante entendermo-nos enquanto seres individuais, cada qual com a sua vivência e história únicas. Afinal, a melhor forma de definir alguém é vê-le, com amor, enquanto pessoa.