Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.
A descoberta e disputa por recursos naturais tem sido o pano de fundo de grandes encenações históricas, frequentemente alterando o curso da própria História, reflete Bill Laws1.
De facto, as matérias-primas minerais têm a capacidade de afetar a cooperação internacional, criando tensões geopolíticas ou alianças intergovernamentais, de estar envolvidas em grandes polémicas ligadas a abusos de direitos humanos e à perpetuação de crimes contra a humanidade, podendo, contudo, estar tão intrincadas no nosso dia-a-dia, nos nossos objetos de uso diário, como um telemóvel ou computador, que colocam tremendas decisões sobre o curso da humanidade, nas escolhas quotidianas dos cidadãos, escolhas tão discretas que cabem num bolso das calças ou do casaco – sem consciência alguma termos sobre isto.
A última e quarta revolução industrial, conhecida como a Revolução Verde, nasceu da necessidade de descarbonizarmos a economia e a energia, criando sistemas energéticos mais eficientes e limpos, evitando o agravamento da atual crise climática, sendo Portugal “das zonas mais vulneráveis da europa às alterações climáticas”, acrescenta Carlos Santos Silva, académico e investigador no IN + do Instituto Superior Técnico de Lisboa.
Em 2015, o “primeiro acordo universal da história”2, o Acordo de Paris, foi assinado por 195 países que se comprometeram a limitar o aquecimento global, mantendo-o abaixo dos 2ºC, e idealmente dos 1.5ºC, relativamente aos níveis pré-industriais – compromisso esse reforçado na COP263 em 2021.
De modo a concretizar os esforços necessários para cumprir as metas mundiais estabelecidas, a União Europeia propôs um roadmap, de nome Pacto Ecológico Europeu (PEE), delineando um caminho para a Europa transitar para um futuro sustentável, com o objetivo de “ser o primeiro continente com um impacto neutro no clima”, tendo por prioridade, tornar nulas as emissões líquidas de gases de efeito de estufa até 20504.
Entre as diversas áreas cobertas pelo PEE, a Transição Energética e Digital tem sido apresentada como a panaceia para a atual crise climática, sendo atualmente o “próprio motor do desenvolvimento económico da Europa” segundo Carlos Santos Silva.
Tal como nas anteriores revoluções industriais, também esta depende de matérias-primas para alimentar a transição energética e digital, sendo estes, um conjunto de minérios apelidados de metais raros. Segundo a Comissão Europeia, existem 30 metais raros, de acordo com a última lista publicada em 2020 sobre as matérias-primas críticas7 (CRMs), isto é, matérias-primas economicamente e estrategicamente relevantes para a economia europeia, cujo fornecimento se encontra em risco8.
Entre o conjunto dos 30 metais raros, podem-se encontrar as terras raras, as mais prioritários de todas as CRMs para as economias europeias e para a agenda política verde, segundo a Aliança Europeia de Matérias-Primas (ERMA).
“É um problema que nós cientistas, e também as indústrias, conhecemos muito bem”, reflete Ana-Maria Martinez, investigadora e coordenadora de projeto da REE4EU e parceira no projeto SecREEts, “somos extremamente dependentes de metais”.
Guillaume Pitron, jornalista e documentarista francês, autor do livro “A Guerra dos Metais Raros” (não editado para português), afirma que “as energias e recursos verdes abrigam um segredo obscuro”, fazendo referência aos paradoxos e externalidades negativas inerentes à atual “revolução verde”.
De facto, apesar de no seu tempo de vida, as energias renováveis não terem um impacto negativo no clima, uma vez que não emitem gases de efeito de estufa, a produção da tecnologia necessária para gerar energia renovável, combina uma série de processos extremamente poluentes, entre eles, a necessidade de extração de enormes quantidades de metais raros.
O ativista ambiental chinês Ma Jun, sublinha que “já não é suficiente olharmos para os produtos finais verdes e não poluentes”, referindo que temos também de confirmar que o processo de manufatura destas tecnologias é sustentável em termos do seu impacto social e ambiental.
Segundo o Serviço Geológico dos EUA e a Comissão Europeia, a China é a maior produtora da maior parte dos metais raros mundiais, e acima de tudo, dos metais “verdes” supremos, cujas propriedades intrínsecas ultrapassam em performance e reconhecimento mundial, todos os outros metais raros: as terras raras.
As terras raras são metais agrupados num conjunto de 17 elementos químicos da tabela periódica. É a sua relevância no processo magnético que torna estes minerais essenciais para as energias renováveis, possibilitando motores elétricos de alta performance, sendo que uma dose mínima de terras raras emite um campo magnético capaz de gerar mais energia do que a mesma quantidade de petróleo ou carvão (em “A Guerra dos Metais Raros”).
As terras raras detêm propriedades eletromagnéticas, eletrónicas, catalíticas, óticas e químicas indispensáveis para uma série de indústrias, como a eletrónica, militar, e a das energias renováveis, utilizadas na produção das tecnologias verdes como as turbinas eólicas e veículos elétricos (National Geographic Portugal, março de 2022), estando também profundamente entranhadas no nosso dia-a-dia, constituindo os componentes nos nossos telemóveis que possibilitam a sua vibração, sendo partes constitutivas dos discos rígidos dos nossos computadores e elementos vitais para os nossos auriculares.
Novas aplicações para estes metais são encontradas todos os dias, tendo a sua exploração ultrapassado os limites da terra e avançado para o oceano, com diversos países a pedirem extensões das suas zonas económicas exclusivas.9
Além-mar, a corrida pela extração de terras raras foi também redirecionada para o espaço, quando em 2015, o ex-presidente norte-americano Barack Obama assinou o “Commercial Space Launch Competitiveness”, que garante a qualquer cidadão americano, o direito de possuir, transportar, usar ou vender qualquer recurso do espaço. Apesar de ainda ser uma realidade longínqua e para já, utópica, a ideia da mineração e exploração comercial espacial passou assim, a ser uma hipótese.
De facto, Hollywood também já cobriu esta nova “corrida ao ouro”, no filme satírico “Don’t Look Up”, baseado no asteroide 2011 UW-158, também chamado de “Trillion-Dollar Asteroid”10, que passou junto à Terra em 2015, atraindo o olhar dos cientistas da NASA, estimando-se o valor da sua composição, de 90 milhões de toneladas de metais raros, em 5.000 mil milhões de euros.
Em 1992, o ex-presidente chinês Deng Xiaoping, precursor da reforma económica e desenvolvimento atual da China, afirmou: “O Médio Oriente tem o petróleo. A China tem as terras raras”, aludindo ao poder que estes elementos viriam a ter como o “ouro do século XXI”.
Ao contrário do que o paradigma atual parece ditar, as maiores reservas de terras raras não se encontram nas minas operacionais mais ativas, como as chinesas, estando espalhadas pelo planeta em concentrações diferentes.11
De facto, de 1952 a 1980, a maior mina operacional de terras raras encontrava-se nos Estados Unidos, em Mountain Pass na Califórnia, e França detinha em La Rochelle, uma empresa química que purificava 50% das terras raras do planeta.
Os efeitos ambientais nefastos da exploração de terras raras começaram a ser incomportáveis para as populações locais, que através da pressão pública exercida sobre os governos locais, conseguiram regulamentações ambientais mais restritas, obrigando o investimento na modernização das instalações, tornando os processos mais custosos e por isso menos rentáveis (segundo o relatório “Mineração de terras raras em Mountain Pass”, Desert Report, Março de 2011).
Perante legislações e standards ambientais e laborais menos restritos na China, permitindo uma produção a menor custo, tanto os EUA como França, decidiram abandonar a posição de liderança mundial na indústria de terras raras, nos anos 2000, e deslocalizá-la para a China, usufruindo de preços mais competitivos e não sofrendo diretamente as consequências ambientais inerentes à mineração de terras raras, explica Guillaume Pitron em “A Guerra dos Metais Raros”.
Já a China, por sua vez, conseguiu posicionar-se de forma estratégica na questão energética, tornando-se atualmente a principal, e por vezes, única fornecedora dos mais estratégicos metais raros para a transição energética e digital, como é o caso das terras raras.
“A China controla-nos. A China sabe que se controlarem o fornecimento de matérias-primas minerais, controlam o mercado”, diz Ana-Maria Martinez.
A estratégia chinesa, combinada com a do ocidente, permitiu à China deter o controlo de 90% de toda a cadeia de produção de magnets de terras raras e 98% do fornecimento de terras raras para a União Europeia, segundo dados da Comissão Europeia.12
Hoje em dia, a China, não só detém o monopólio mundial do fornecimento de terras raras, como o expertise e know-how tecnológico necessário à produção das mais sofisticadas tecnologias, cruciais à transição energética (segundo o NewsScientist, 2021; e “Minerais de Conflito Verdes”, um estudo e relatório do Instituto Internacional para o Desenvolvimento (IISD), de 2018).
Segundo o relatório “Rare Earth Magnets and Motors: A European Call for Action”, o Governo Central Chinês é o proprietário da maior parte das empresas dentro do setor das terras raras, o que lhe atribui o controlo sobre a oferta destes metais, levando a distorções sobre o preço de mercado das terras raras.
O documento acrescenta ainda que, em dezembro de 2021, a China aplicou a “Lei de Controlo sobre a Exportação”, que implica a aplicação dos direitos de exportação13 e consequentemente de quotas que limitam a exportação de terras raras para o resto do mundo.
Esta intervenção no mercado internacional de terras raras tem gerado queixas14 junto da Organização Mundial do Comércio, por parte dos EUA, da União Europeia e Japão, acusando a China de violação das leis do comércio internacional, por distorção de preços.
Além disto, a não divulgação de informação por parte do Governo chinês, revela, segundo o relatório do “European Call for Action”, uma falta de transparência relativamente aos standards e impacto social e ambiental da cadeia produção de terras raras, assim como quanto aos níveis de governança destes recursos, tornando o mercado de terras raras opaco e pouco regulado.
A dependência mundial da China, em toda a cadeia de produção de terras raras, tem afetado a harmonia da cooperação internacional e a segurança da sustentabilidade das economias europeias, criando tensões geopolíticas, com o uso da China do monopólio de terras raras como arma comercial contra o resto do mundo, de modo a reafirmar o seu poder político, com já tem vindo a acontecer em diversos episódios, desde 2010.
Segundo a Agência Internacional de Energia (IEA), esta insegurança face ao fornecimento de terras raras irá acentuar-se com a crescente procura mundial pelas mesmas, estimando-se que, de modo a atingir-se a meta europeia de emissões nulas de gases de efeito de estufa até 2050, a procura de terras raras será 6 vezes maior do que a atual, em 2040.
Para a União Europeia, o impacto político da recuperação do controlo sobre a cadeia de produção de terras raras é uma prioridade, por vários fatores, mas particularmente, porque esta dependência, “limita-nos a capacidade enquanto região política de exercermos a nossa voz noutras matérias”, afirma Carlos Santos Silva.
Os processos de extração e refinação de terras raras são imensamente prejudiciais para o ambiente, produzindo elevados níveis de lixo tóxico, com altos riscos de radioatividade, sendo que a refinação de 1 tonelada de terras raras produz 2000 toneladas de lixo tóxico não tratado (The Guardian, 2014).
Na China, as terras raras são tendencialmente extraídas em zonas rurais, sendo as principais áreas responsáveis pela maior percentagem de mineração e exportação de terras raras, as cidades de Ganzhou, na província de Jiangxi e Baotou, na Mongólia Interior, responsável pela extração de 75% das terras raras exportadas para o resto do mundo, segundo o South China Morning Post (The Guardian, 2014).
Segundo depoimentos recolhidos na obra “A Guerra dos Metais Raros”, os moradores da província de Jiangxi afirmam que a terra está envenenada, uma vez que os químicos usados na refinação das terras raras se entranham na terra, e os ácidos sulfúrico e clorídrico poluem as fontes de água mais próximas, tornando impossível que qualquer planta prospere.
Contudo, a realidade de Jiangxi não se compara com a de Baotou.
Na entrada dos parques da cidade de Baotou podem-se encontrar posters a representar uma família com crianças sobre um fundo verdejante e imaculado, com o título “Construindo uma cidade limpa para o nosso país” – o postal perfeito sobre uma realidade distópica.
A destruição ambiental causada pela indústria de terras raras, não só se concretiza nos níveis de poluição tóxicos, como na desfiguração da fisionomia das paisagens: Baotou, uma cidade assente na base das montanhas Yin, no lado norte do magnifico Rio Amarelo, onde há 65 anos atrás habitavam paisagens verdejantes até perder o horizonte e ares límpidos e revigorantes, um local com significado espiritual para a população mongol, encontram-se hoje, 3000 empresas e fábricas, segundo o China Daily, assim como a maior mina mundial de terras raras a céu aberto, com 48 km2 de comprimento e 1000 metros de profundidade, minas cobertas com espessas correntes de ares tóxicos – considerado dos maiores desastres ambientais da China, por diversos ambientalistas chineses (The Guardian, 2014).
A 20 km do centro de Baotou, encontra-se a Barragem Weikuang, um lago artificial de 11.5 km2 que regurgita torrentes de água preta, espessa, com ares tóxicos e irrespiráveis, para onde são despejados os rejeitos metálicos e tóxicos das refinarias circundantes, nomeadamente as das terras raras.
Segundo o relatório do Environmental Justice Atlas15 sobre Bayan Obo, ocasionalmente, o Rio Amarelo, que providencia água potável a 155 milhões de habitantes é inundado pelos afluentes tóxicos da Barragem que contém 150 milhões de toneladas de rejeitos.
O Centro de Pesquisa para o Controlo e Prevenção de Doenças da China, em 2004, concluiu a ligação dos rejeitos de tório (um metal radioativo) com o aumento de taxas de cancro e mortalidade junto de trabalhadores mineiros de terras raras.
Tal se verifica nas aldeias que rodeiam o lago artificial, intituladas “Aldeias de Cancro”, como é o caso de Dalahai, designada “Aldeia da Morte”, devido às elevadas taxas de cancro cerebral, dos pulmões, doenças respiratórias e cardiovasculares nos habitantes locais, segundo o artigo “Protegendo o meio ambiente e a saúde pública da mineração de terras raras” (2016). Segundo o mesmo artigo, Dalahai apresenta uma concentração de tório no solo de 36 vezes mais do que a cidade de Baotou, o que significa que os habitantes destas aldeias respiram, bebem e comem a descarga tóxica e radioativa do lago, que se entranha nos solos e consequentemente nos lençóis freáticos, assim contaminando tudo o que toca. A terra já não é capaz de produzir as culturas locais, e o pouco gado que nasce, tem deformações graves, sendo que a maioria já foi morrendo aos poucos.16
Por sua vez, as minas ilegais são uma grande agravante dos níveis assustadores de poluição na China, escapando até à pouca regulamentação ambiental e socio-laboral existente, entrando numa espécie de “zona cinzenta” onde as suas ações passam despercebidas sob a cortina da falta de legislação e controlo, relatam ativistas locais da província de Guangdong.17
Ao longo dos últimos anos o Governo Central Chinês tem concentrado esforços com vista a banir as atividades ilegais ligadas à indústria de terras raras, tal como minas ilegais onde são extraídos elementos de terras raras, diz o Los Angeles Times, em 2019.
Contudo, os esforços têm sido frustrados pelos donos das minas ilegais que mantém o secretismo do negócio, com o apoio das autoridade locais, através do policiamento das zonas de extração, em troca de um pagamento.
A mineração ilegal alimenta o mercado negro chinês de terras raras, permitindo a lavagem da origem destes minerais na cadeia de produção, tornando-se complicado rastreá-los e assim compreender as condições da sua extração e processamento, uma vez exportados para o estrangeiro, pois entram para o mercado legal internacional, estimando-se que o mercado negro de terras raras comporte 1/3 da oferta oficial de terras raras na China.18
Julian Hilton, expert em gestão de recursos, presidente do SDG Delivery da UNECE Working group19 e consultor na IAEA20, defende que vivemos um período de um profundo paradoxo: “queremos todos os benefícios; queremos segurança de abastecimento e de acesso; o que não gostamos é dos meios de produção e as consequências que daí advém”.
De facto, segundo dados do Statista22 para 2021, a Europa é a maior produtora mundial per capita de lixo eletrónico, sendo o lixo eletrónico uma fonte secundária rica em terras raras (segundo a plataforma The Urban Mine).
Apesar disto, segundo o artigo cientifico “Lixo Eletrônico, um problema ambiental exportado para países em desenvolvimento: o BOM, o MAU e o VILÃO” (2021), menos de 1% das terras raras são recicladas na Europa e a União Europeia estima que 50% do total do seu e-waste23 (cerca de 1.5 milhões de toneladas24), de onde se poderiam recuperar terras raras que minimizassem a dependência europeia da China e garantissem a segurança do seu fornecimento, é exportado ilegalmente para países em desenvolvimento, como é o caso do Gana, onde existe o maior e mais poluente depósito de lixo eletrónico mundial, e a Nigéria.
Amir Lebdioui, académico na SOAS University of London na área da Política Económica do Desenvolvimento, afirma que, para avaliarmos verdadeiramente o comportamento ambiental da União Europeia, é necessário fazermos uma análise do ciclo de vida25, incluindo as emissões indiretas de gases de efeito de estufa das cadeias de produção europeias que advém do consumo de produtos importados. De acordo com essa análise, há um crescimento de 11% das emissões de CO2 do conjunto de estados-membros, face à análise das emissões diretas, segundo o artigo “Europe’s Carbon Loophole”, de 2017.
No entanto, Clara Boissenin, coordenadora do projeto SecREEts na área da aceitação social no setor de terras raras, explica que essa análise do ciclo de vida dos projetos financiados pela União Europeia, representa um grande problema para os mesmos, devido à falta de informação sobre a China, que “não está disponível ou então está muito bem escondida”.
“Temos grandes desafios do lado ambiental e metas extremamente exigentes ao virar da esquina. As novas tecnologias precisam de minerais. E de onde vêm estes minerais? Da mineração. E o que é a mineração? É (uma indústria) suja. Não a quero no meu backyard”, reflete Ana-Maria Martinez. A cientista e investigadora explica que esta tendência levou a que nos últimos 50 a 60 anos se tenha parado a mineração na Europa.
“Não penso que a culpa é da China. A culpa é apenas nossa”, reflete Ana-Maria Martinez, sobre a dependência europeia da China e o estado atual da cadeia de produção de terras raras, em termos do seu impacto ambiental. O mesmo afirma Julian Hilton: “O Ocidente tem o hábito de culpar os outros pelos problemas que ele próprio criou” – sendo as terras raras um caso disso.
A transparência e confiança nos dados fornecidos pelo Governo chinês sobre a sua performance ambiental têm-se revelado um problema para a comunidade internacional, uma vez que o Governo Central Chinês bloqueia a informação para o exterior, encobrindo a realidade chinesa. O mesmo acontece com o que se passa ao nível da sociedade civil. A repressão do governo chinês contra os defensores dos direitos humanos, jornalistas e ativistas, assim como as restrições ao acesso de informação e meios de comunicação, tornam difícil obter informações precisas sobre as políticas e ações do governo, diz o Human Rights Watch em 2020.
“Quem tiver dúvidas sobre o que é que a China espera da sua sociedade, olhe para Hong Kong. Para mim é um bom barómetro de expectativa em relação ao que se pode esperar com a atual dinâmica de poder de Xi Jinping”, afirma Raquel Vaz-Pinto, doutorada em ciência-política, investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI) e professora convidada da Universidade Nova de Lisboa, fazendo referência à crescente repressão da sociedade, supressão do regime democrático e inerentes liberdades individuais no território autónomo de Hong Kong desde as marchas pacíficas pró-democracia em 2019, segundo o relatório do Human Rights Watch sobre a China (2020).
Os protestos ambientais contra as empresas estatais de terras raras e as críticas ao governo são recebidas com repressão, incluindo sentenças prisionais dos protestantes, sobre o pretexto de “provocação de conflitos e criação de problemas”, diz o Los Angeles Times em 2019, cobrindo os protestos na província de Guangxi.
Devido à importância das terras raras enquanto setor estratégico, Raquel Vaz-Pinto afirma “não estou muito otimista quanto àquilo que está a acontecer no local dessas cidades”, referindo-se à repressão das manifestações antipoluição em zonas afetadas pela extração e refinação de terras raras.
Acrescenta ainda que, o nível de repressão durante o segundo mandato de Xi Jinping aumentou consideravelmente, caracterizado por um maior controlo e repressão, seja ao nível dos direitos humanos, quer ao nível dos direitos civis.
As Regiões Autónomas de Xinjiang, Tibete e Mongólia Interior, são regiões estratégicas geopoliticamente e economicamente para a China, devido à abundância de recursos naturais, sendo contudo regiões de conflitos, devido a questões étnicas.
Temendo, há décadas, a proliferação dos movimentos separatistas, o Partido Comunista Chinês (PCC) tem implementado estratégias que visam a homogeneização étnica, substituindo gradualmente as minorias étnicas das regiões autónomas pela maioria Han, que hoje representa 90% da população chinesa e a maioria da população26 das três regiões. As estratégias utilizadas têm passado pela utilização de vias comerciais, usando as ligações férreas, não só para transportar mercadorias, mas a própria população étnica Han27, uma limpeza cultural étnica, como está a acontecer na Mongólia Interior, ou implementando estratégias ainda mais brutais, como no caso de Xinjiang onde está a ocorrer um genocídio e crimes contra a humanidade contra os Uigures e membros de outras minorias étnicas e religiosas, diz o relatório28 de 2021, de Consultoria de Negócios da Cadeia de Produção de Xinjiang, do Governo dos EUA.
O estudo35 do Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais – Iniciativa de Direitos Humanos, de julho de 2020, sobre os campos de concentração em Xinjiang e o genocídio Uigure, explica que o trabalho industrial forçado é visto pelo Governo Central como o melhor método de assimilação da cultura Han, pelas minorias étnicas. No mesmo estudo está comprovado a submissão de minorias étnicas a programas de trabalho forçado, tendo sido identificadas diversas empresas ocidentais que importavam produtos originados pelo trabalho forçado de Uigures, sendo uma das indústrias prioritárias deste trabalho forçado, a indústria mineira de extração e refinação de terras raras (confirmam o Human Rights Watch em 2020 e o Projeto “Save Uighur” em 2021).
A Organização sem Fins Lucrativos WOIPFG36, publicou a 20 de Julho de 2019, um relatório intitulado “A Indústria de trabalho escravo prisional do Partido Comunista Chinês (PCC) – a arma secreta do PCC na Guerra Comercial”.
O documento expõe que as empresas chinesas que utilizam trabalho escravo de prisões chinesas, são na sua maioria empresas-estatais, e são usados como tática agressiva económica e comercial para manter a China na liderança do comércio internacional, através da produção a custos muito reduzidos, com os quais o ocidente não consegue competir.
Estas compõem um sistema de empreendimento prisional37, de gestão centralizada e unificada, monitorizada, financiado e sob o sistema judicial do PCC.
O documento comprova a utilização de trabalho condenado ou forçado por parte da empresa “Inner Mongolia Hengzheng Group Baoanzhao Agriculture, Industry, and Trade Co., Ltd”, confirmando também que “por meio de sua investigação, o CBP determinou que há evidências suficientes que apoiam a conclusão de que Baoanzhao é uma prisão/instalação de trabalho forçado”.
De acordo com o anexo 2.12 – “Região Autónoma da Mongólia Interior”41 do relatório do WOIPFG, referente às prisões estatais que são instalações de trabalho forçado na Mongólia Interior, a empresa “Inner Mongolia Hengzheng Group Baoanzhao Agriculture, Industry, and Trade Co., Ltd” consta no documento, como empresa propriedade da prisão de Baoanzhao, localizada em Jalaid Banner (Hinggan League, Mongólia Interior) administrada pelo Departamento de Justiça da administração Prisional da Região Autónoma da Mongólia Interior, que por sua vez é controlada pelo PCC.
De acordo com os dados do anexo, a dita empresa faz parte do grupo industrial estatal “Inner Mongolia Hengzheng Industrial Group Co., Ltd.”, afiliada do Departamento de Administração Prisional da Região Autônoma da Mongólia Interior, a organização funcional do governo da Mongólia Interior responsável pelas prisões da província, grupo que é proprietário de 22 unidades de empreendimentos prisionais.
Documentação sobre os Laogai42 existentes por província chinesa até 1992 , reunida no livro “Laogai, o Gulag Chinês”, confirma que a prisão de Baoanzhao já fazia parte do sistema de reforma pelo trabalho (forçado) do PCC em 1992.43
O anexo 2.12 do relatório do WOIPFG, indica também que a prisão de Baotou, uma prisão-chave do município de Baotou – a “capital das terras raras”44 – é proprietária da empresa “Inner Mongolia Hengzheng Group Baotou Industry and Trade Co.,Ltd.”, responsável pela produção de componentes eletrónicos – onde as terras raras são elementos cruciais – e processamento de metal (entre outros produtos).
O apêndice VI do relatório “Continuação da Repressão na Mongólia Interior”, intitulado “Campos de trabalho, Prisões e outras Unidades de Detenção na Mongólia Interior” até 1992, confirma a existência de uma destas unidades prisionais que utiliza trabalho forçado, no Distrito Mineiro de Bayan Obo (nome: Bayun E’bo Kuang Qu; localizado sob a administração do município de Baotou), dedicado à mineração de terras raras, confirmando o uso de trabalho forçado nesta indústria.
No Distrito Mineiro de Bayan Obo, encontra-se a maior mina e complexo industrial de extração de terras raras do mundo (a Fábrica de Siderurgia Baogang), propriedade do grupo “Baotou Ferro e Siderurgia”.45
O apêndice VI indica ainda a existência do “Centro Municipal de Reeducação pelo Trabalho de Baotou”46, que fornece trabalhadores para o grupo “Baotou Ferro e Siderurgia”, empresa estatal encarregue da produção de terras raras em Bayan Obo.
Segundo a Radio Free Asia, em fevereiro de 2019, foram tornados públicos relatos de oficias chineses que confirmam a transferência de prisioneiros da minoria étnica Uigure, de “campos de reeducação” em Xinjiang, levados secretamente e off-the-record, para outras localidades e centros de detenção, como as prisões de Wutaqi e Salaqi (ambas incluídas no anexo 2.12 do relatório da WOIPFG) na província da Mongólia Interior e Sischuan (províncias de onde são extraídas terras raras), de modo a encobrir do público e da sentença internacional as proporções do genocídio de Xinjiang – processo de realocação que terá sido iniciado em outubro de 2018, diz o Serviço Uigure da RFA.
Nos dias de hoje, no meio da Revolução Verde, surge uma grande preocupação com os minerais de conflito verdes, que englobam os combustíveis necessários à transição para uma economia de baixas emissões de carbono – como é o caso dos metais de terras raras.
Apesar dos minerais de conflito48, ligados à origem de conflitos internos e a abusos graves de direitos humanos, já serem sujeitos a mecanismos de governança das cadeias de produção, para garantir a sua segurança ética e ambiental, o mesmo ainda não foi aplicado aos minerais de conflito verdes, cujas cadeias de produção poderão originar tensões exacerbadas, ressentimentos e conflitos ligados à extração dos minerais.
Em países em que existe instabilidade política no que toca à governança do setor mineiro, por abusos do poder estatal ou por atividades ilegais, a extração destes minerais poderá estar ligada a violência, conflitos e abusos de direitos humanos.
De facto, segundo os dados do relatório do IISD, as minas de terras raras na China têm sido consideradas “locais de exploração” com incidentes ligados ao uso de trabalho infantil, exposição dos trabalhadores a elevados níveis de substâncias toxicas e condições de trabalho perigosas (Schlanger, 2017).
Esta realidade é particularmente preocupante no caso das minas ilegais (em abundância na província de Jiangxi) que fornecem os mercados negros, incorrendo em severos abusos de direitos humanos, uma vez que não se encontram debaixo de nenhuma legislação, ameaçando a segurança dos trabalhadores e comunidades locais (segundo o New York Times em 2010; e o da Quartz em 2017).
A OCDE aprovou em 2010 o guia sobre o “Dever de Diligência para Cadeias de Aprovisionamento Responsáveis em Minerais Provenientes de Zonas de Conflito ou de Alto Risco” de modo a garantir a transparência e responsabilidade ética das cadeias de produção. No entanto, não fazendo parte da OCDE, a China não tem o dever de cumprir estas diretivas, nem de partilhar a informação sobre o que ocorre ao longo das cadeias de produção de terras raras.
Face aos esforços europeus para garantir um desenvolvimento sustentável, mas também responsável, Raquel Vaz-Pinto diz, “a União Europeia tem feito um esforço muito grande, contrariamente a outras zonas do globo, mas não é de todo suficiente, precisamos de fazer mais e melhor sobre todo o processo, seja em matéria ambiental, seja em matéria de direitos humanos”.
Perante o cenário apresentado, torna-se necessário rastrear as cadeias de produção ligadas às terras raras, de modo a impedir processos de greenwashing e o compactuar com abusos dos direitos humanos.
Contudo, o processo de rastreio é um processo complexo devido à diversidade de fases da cadeia de produção dos minérios, tornando-se difícil garantir que as empresas são verdadeiramente transparentes e verdes, assim como controlar os minerais não declarados que são introduzidos no mercado internacional através de contrabandistas, indica Guillaume Pitron em “A Guerra dos Metais Raros”. O caso agrava-se quando o grande fornecedor é a China, de onde há uma imensa dificuldade de obtenção de dados oficias por parte do Governo chinês, revela Ana-Maria Martinez.
Vítor Correia, Secretário-Geral do Observatório Internacional de Matérias-Primas (INTRAW), afirma, perante a crescente procura por minérios, que “precisamos de um acordo transcontinental, não basta um europeu, pois não há nenhum país no mundo que tenha todas as matérias-primas que a sua indústria necessita”. Nem mesmo a China. No entanto, este acrescenta que a cooperação internacional é posta em causa perante o crescente nacionalismo com que cada país procura resolver os problemas de gestão de recursos.
Julian Hilton acrescenta que se “seguirmos pelo percurso do nacionalismo dos recursos, enfrentaremos terríveis dificuldades em termos de conflitos”, pelo que o caminho deverá passar pela cooperação internacional e responsabilização de quem deve ser responsabilizado, aplicando uma série de ferramentas que possibilitam o rastreio das cadeias de produção, e que visam garantir o direito e dever, não só aos consumidores ocidentais, como a toda a população mundial, de reforçar a garantia por cadeias de produção sustentáveis e éticas, lutando contra os conflitos que advém da exploração de minerais – ferramentas como as tecnologias do Blockchain, que estão neste momento a ser desenvolvidas por grupos de trabalho da ONU.
A atual transição energética assente nos metais raros tem tido repercussões a nível geopolítico, com a restruturação das parcerias politico-comerciais com países exportadores de petróleo, como é o caso dos Estados Unidos com os países do Golfo Pérsico. Já no caso da União Europeia, uma menor dependência da Rússia, Qatar e Arábia Saudita relativamente à importação de combustíveis fósseis, significaria o aumento da soberania energética dos seus estados-membros.
De facto, Thierry Breton49, Comissário do Mercado Interno Europeu e responsável pela redação do “European Call for action” para a indústria de terras raras, fala da necessidade da União Europeia adquirir uma “autonomia estratégica” através de alianças, como com o Canadá e Austrália, sem o prejuízo da mineração na Europa.
O relatório “Rare Earth Magnets and Motors: A European Call for Action”, criado em 2021 pela ERMA e o Cluster “Magnets e Motores de Terras Raras” da ERMA, em parceira com a União Europeia e o EIT Raw Materials, reflete sobre o problema ambiental grave presente na forma como a mineração de terras raras é realizada na China, sublinhando o potencial da Europa enquanto líder mundial de uma produção sustentável de materiais de terras raras, sendo o grande objetivo deste “European Call for Action”, transformar a Europa num líder mundial do fornecimento de terras raras e dos magnets de terras raras.
Uma das soluções encontradas para isto, encontra-se na aplicação do conceito de economia circular50 à produção de terras raras, através da gestão de desperdício e da criação de um mercado de matérias-primas secundárias, neste caso de terras raras, apostando na recuperação de terras raras a partir de fontes secundárias.
Segundo o “European Call for Action”, incluídas nestas medidas, encontra-se a necessidade de garantir que os produtos em fim de vida, ou seja, o lixo eletrónico que contem terras raras, não saem da Europa, introduzindo regulamentações e standards que facilitem o reprocessamento e reciclagem destes produtos.
Guillaume Pitron, em “A Guerra dos Metais Raros”, perante a implementação das técnicas de reciclagem de terras raras, oferece um vislumbre do futuro: “um mundo em que as powerhouse da mineração, não são os países com os mais ricos depósitos minerais, mas aqueles com os depósitos de resíduos mais abundantes”, apontando para a reorganização geopolítica, de acordo, não com as cadeias de produção dos minerais, mas da reciclagem dos mesmos.
O trabalho-chave da ERMA, passa por dar resposta a esta dependência europeia da cadeia de produção chinesa, identificando um conjunto de projetos na União Europeia que cubram a necessidade de fornecimento de terras raras, através do abastecimento doméstico ou da reciclagem. A ERMA identificou 14 projetos que poderão constituir a fundação da indústria de terras raras europeia, capazes de cobrir 20% da procura por terras raras até 2030. Os projetos, alvo de investimentos europeus, estão ligados à promoção da economia circular, nomeadamente através da recuperação e reciclagem de terras raras, a partir de diferentes fontes secundárias, como o lixo eletrónico e utilizando diferentes técnicas, como a mineração urbana51 – “uma espécie de solução fantástica, porque ao mesmo tempo que trata de resíduos, encontra as matérias-primas que fazem falta”, diz Vítor Correia.
Entre estes projetos, podemos encontrar o REE4EU, um projeto financiado pela União Europeia, dedicado à recuperação de magnets de terras raras a partir de produtos em fim de vida útil, considerado pela Comissão Europeia, como o projeto de reciclagem de terras raras mais avançado da União Europeia, segundo o relatório do Joint Research Centre52 em 2020.
O REE4EU oferece uma alternativa tecnológica a partir de fontes europeias, para as empresas obterem terras raras a partir de desperdício reciclado, garantindo que a cadeia de produção destas empresas é sustentável e ética.
Ao contrário de muitos outros projetos, este consegue fechar o ciclo completo da reciclagem de magnets permanentes, sem gerar desperdício, uma vez que usam o material residual na produção de um novo produto, conseguindo produzir magnets com os materiais reciclados, exatamente com as mesmas propriedades dos produtos iniciais. “A nossa pegada ambiental é muito boa, e a nossa tecnologia é competitiva face aos preços chineses, pelo que nos foi atribuído o prémio de solução eficiente da Fundação Solar Impulse”, diz Ana-Maria Martinez.
Um outro projeto com grande relevância na área, financiado pela União Europeia, é o SecREEts (Securing European Rare Earth Elements), que se foca na reutilização de terras raras a partir de materiais industriais da indústria de fertilizantes, sendo o objetivo desenvolver e assegurar toda a cadeia de produção de magnets permanentes de neodímio na Europa, sem a necessidade de mineração, explica Clara Boissenin.
Por sua vez, a N9VE, um projeto nascido em Portugal, desenvolve tecnologia relacionada com algas para separar, concentrar e recuperar elementos tecnológicos críticos, principalmente terras raras, tendo por grande guia de operações a sustentabilidade ambiental, diz José Pinheiro-Torres, fundador e CEO da startup N9VE.
Numerosos projetos diretamente ou indiretamente relacionados com a reciclagem de terras raras foram fundados na União Europeia. Vários destes projetos já estão concluídos, alguns culminado em patentes, empresas ou sujeitos a outras oportunidades de investimento.53
Apesar do potencial dos projetos de reciclagem de terras raras, as tecnologias de muitos destes projetos ainda não são economicamente viáveis, nem escaláveis a níveis industriais, de modo a fazer concorrência ao mercado chinês, diz o relatório do IISD sobre “Minerais de Conflito Verdes” de 2018.
Vários dos investigadores entrevistados, ligados aos projetos de recuperação e reciclagem de terras raras, indicam ainda que o tempo entre os cidadãos e indústrias colocarem o lixo eletrónico para reciclagem é elevado, atrasando o processo de reciclagem dos mesmos, criando assim obstáculos à sustentabilidade da indústria de terras raras na União Europeia (segundo o EURACTIV em 2019).
Relativamente aos obstáculos operacionais José Pinheiro-Torres refere a lentidão burocrática enquanto impedimento ao ritmado desenvolvimento dos projetos e do idealismo do PEE, que apresenta uma série de medidas, ideais e valores que elevam o espírito, faltando a concretização do plano através de investimentos e medidas concretas. O mesmo afirma Maria da Graça Carvalho no Público, em 2021, referindo que o grande desafio do PEE não está no documento em si, “a Europa nunca teve dificuldades em delinear boas estratégias. Onde por vezes fica aquém das expectativas é na sua concretização”.
Com o fecho progressivo das minas em território europeu ao longo das últimas décadas, a Europa passou de produzir cerca de 60% dos metais pesados mundiais em 1850, para 3%, segundo o ICMM.54
Tendo em conta a procura exponencial por metais raros e as necessidades presentes e futuras por terras raras, considerando a capacidade de fornecimento atual da União Europeia, torna-se necessário repensar as fontes de fornecimento de terras raras, uma vez que a União Europeia não poderá apenas sobreviver do mercado de matérias-primas secundárias de terras raras, sem abrir minas, explica Ana-Maria Martinez.
Segundo o “European Call for action” para magnets e motores de terras raras, a Europa detém reservas significativas de terras raras, contudo, esta sofre de falta de infraestruturas mineiras, não estando estas minas operacionais, e sendo o tempo médio de arranque de um projeto comercial mineiro de 16 anos.55
Relativamente ao receio da poluição inerente à indústria mineira, as técnicas mineiras sofreram grandes progressos nas últimas décadas, possibilitando a mitigação do “impacte ambiental”, explica António Mateus, Geólogo da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa56. No próprio “European Call for Action” está exposto como a crescente utilização de energia renovável na mineração e refinação de terras raras, poderá diminuir significativamente o impacto ambiental da extração de matérias-primas primárias.
No entanto, a falta de informação ou desinformação face a estas técnicas e sobre o que implica abrir um mina, gera reações negativas e dificuldade de aceitação por parte da sociedade civil, no que toca a abrir minas perto dos seus locais de residência.
O “Greenland Project”, em Kvanefjeld, na Gronelândia – “a esperança da União Europeia para a mineração de terras raras”, diz Ana-Maria Martinez – era o maior projeto de minas de terras raras da Europa, tendo sido cancelado por decisão governamental devido ao descontentamento social e pressão pública (Reuters, 2021).
Clara Boissenin, que trabalha na área da aceitação social das terras raras, explica a importância de explicar aos cidadãos a necessidade de abertura de minas e o que implica não o fazer em território europeu. “A deslocalização das indústrias sujas ajudou a manter os consumidores ocidentais na escuridão sobre os custos ambientais do nosso modo de vida”, refere Guillaume Pitron, apelando à urgência do ocidente, e neste caso, da União Europeia, assumir os custos de produção aliados à indústria de terras raras, uma vez que, produzir na Europa, segundo elevados standards ambientais e sociais, permitiria atenuar os danos causados pela indústria de terras raras na China.
A eurodeputada Lídia Pereira, com quem conversei dias após a invasão da Rússia na Ucrânia, refere a importância de repensarmos o mix energético e de se reestruturarem as fontes energéticas a nível europeu, apelando à necessidade de, por exemplo, França abrir-se ao consumo de energias renováveis portuguesas, dada também a dificuldade de armazenamento de energias renováveis e necessidade de exportar a energia excedente.
À luz dos eventos recentes a nível mundial, dadas as sanções impostas por diversos países à Rússia, nomeadamente quanto às importações energéticas de petróleo, gás natural e carvão, este repensar da estrutura do fornecimento energético ao nível da Europa, torna-se uma questão de ainda maior relevância, uma vez que, diversos países europeus são imensamente dependentes das fontes energéticas russas, demonstrando-se assim necessário diversificar as fontes energéticas, de modo a garantir a subsistência energética, perante o clima global atual.
“As sanções que aplicamos à Rússia, como temos visto, acarretam custos para os países e para as famílias, como o caso do gás natural, cujos preços subiram muito, revelando, em termos de gestão política energética, as más escolhas que a Europa fez em matéria energética ao longo destes anos”, diz Lídia Pereira.
Contudo, a inclusão da energia nuclear no mix energético europeu, cujo um dos principais obstáculos à sua aceitação generalizada, é o tratamento dos resíduos radioativas, é ainda recebida com grande dúvida.
Carlos Santos Silva explica como a Europa há mais ou menos 30 anos, investe no desenvolvimento da energia nuclear por fusão, de modo que, para “chegarmos aos objetivos das emissões nulas de gases de efeito de estufa até 2050, vamos ter de passar pela energia nuclear, se não, a transição não é sustentável e não vamos conseguir atingir os objetivos”.
Segundo Vítor Correia, para a transição energética ser fazível são necessárias duas condições: “um mix energético que não exclua nada e uma abordagem centrada no consumidor, em que todas as pessoas estejam disponíveis para reduzir o seu metabolismo de consumo”.
De facto, a sustentabilidade de um produto não é de graça, e como visto, a extração e processamento de terras raras deixa uma pegada ambiental, devendo e podendo os consumidores europeus estarem numa posição em que são capazes de efetuar as suas decisões de compra informadas através de instrumentos que os ajudem a garantir a transparência das cadeias de produção e o cumprimento dos standards ambientais e sociais, instrumentos esses, que têm vindo a ser desenvolvidos (diz no “European Call for Action”).
Vítor Correia, defensor de que os consumidores são o melhor exército contra a crise climática, os abusos de direitos humanos e os atentados ambientais inerentes a certas práticas de exploração dos recursos do nosso planeta, explica o porquê da sua tese: a escolha de compra do consumidor ou o boicote tem o poder de redirecionar os mercados e as suas práticas.
“Dizer às pessoas que nós vamos sentir na pele os efeitos das alterações climáticas, porque nestes países a extração não é feita da melhor forma, e somos nós que compramos os produtos que eles extraem, ou seja, eles estão a extrair para nós”, pode ajudar a mudar a atitude das pessoas, diz Vítor Correia.
Francisco Veiga Simão, investigador ligado à área da Economia Circular e cofundador do Fórum da Energia e Clima, fala assim, da importância de investirmos não só na Economia Circular, como num pensamento circular: “passarmos do conceito económico de economia circular para o pensamento e ação circular, enquanto indivíduos na sociedade”.
A concretização disto encontra-se estampada numa frase de Lavoisier “Na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma” – “é o que temos de aplicar nas nossas vidas”, diz. Clara Boissenin durante a nossa conversa, introduz a necessidade de consumirmos menos, “para mim, a principal alavanca está na redução das nossas necessidades por estes elementos (terras raras), quer através da substituição por outros minerais – o que nem sempre é possível – ou diminuindo o nosso consumo de energia”.
Já Carlos Santos Silva coloca a situação atual de outra forma, “se não repensarmos e baixarmos o nível de consumo, nós vamos perder esta guerra da transição energética; o planeta não aguenta”.
Julian Hilton, perante a questão sobre o risco e a criticalidade das terras raras, diz-me o seguinte “o conceito de criticalidade depende muito das tuas necessidades críticas”, pelo que, neste momento, perante o panorama mundial, “o mais critico dos materiais são os nossos cérebros” – encontramo-nos assim, num tempo de fazermos escolhas, escolhas que cabem num bolso das calças ou do casaco, escolhas que têm impacto no destino de indivíduos concretos, escolhas que têm impacto na nossa casa comum – o planeta, na nossa vida concreta, e na história presente e futura da humanidade.
Mongólia Interior e a limpeza étnica
Chineses e Mongóis, incluindo os da Mongólia Interior, têm diferentes perceções sobre a História. Segundo uma tese de doutoramento intitulada “Desafio Nacionalista Étnico Ao Estado Multiétnico: Mongólia Interior e China” (2000), a nação chinesa moderna pode ser vista como uma entidade construída com base em certas raízes históricas e culturais, inventadas ou manipuladas, envolvendo a interpretação de factos históricos, heróis nacionais, relações étnicas ao longo da história, e a invenção de tradições, de modo a criar evidências que comprovem um sentido de união e identidade comum chinesa, homogeneizando as diferenças culturais e étnicas, forjando o conceito da nação Chinesa (Zhonghua minzu) criando assim um mecanismo “racional” que permite unir esforços para o desenvolvimento económico onde não há espaço para a noção de progresso social, culminando na eliminação de todas as etnias e diferenças nacionais (obstáculos ao progresso económico), impondo uma única identidade, a Han. Para Pequim “a unidade e progresso económico são muito mais prioridade do que os princípios democráticos”, diz Tim Marshall.29
Tal como Xinjiang, também a Mongólia Interior, é uma zona estratégica geopoliticamente para a economia chinesa, detendo 45% do fornecimento mundial de terras raras (em 2019, segundo o relatório sobre Bayan Obo no EJA).
O relatório “Continuação da repressão na Mongólia Interior”30 de 1992, do grupo Human Rights Watch/Asia, reporta sobre a campanha de repressão e perseguição, iniciada a Maio de 1991 pelo Governo Central chinês31, contra a etnia mongol na Mongólia Interior, nomeadamente intelectuais ligados a movimentos de regeneração da identidade e cultura mongol, destruída ao longo de décadas, e dissidentes políticos, particularmente contra cidadãos pró-democracia.
O Documento nº 13, um documento confidencial do PCC, disponibilizado no relatório do Human Rights Watch/Asia, confirma as diretivas para a campanha de repressão na Mongólia Interior, apresentando listas de organizações consideradas ilegais e targets individuais do PCC, catalogados como “políticos radicais”, confirmam testemunhos no relatório.
O padrão de 1992, parece estar a repetir-se atualmente: “temos vistos sinais muito fortes de um maior nível de controlo por parte de Pequim na Mongólia Interior”, explica Raquel Vaz-Pinto.
A 3 de setembro de 2020, foi promulgada uma lei na Região Autónoma da Mongólia Interior, que substitui o ensino de três disciplinas centrais nas escolas, até então lecionadas na língua local, o mongol, substituída pelo mandarim (The Observers, 2021).
Em setembro de 2021, o Ministério da Educação da Mongólia Interior anunciou a implementação de novas regras mais restritas, com a remoção de livros de história e cultura mongol do ensino primário e secundário, diz o South China Morning Post.
Críticos destas políticas, apontam-nas como “o último golpe de uma longa campanha de décadas, destinada a apagar a cultura mongol” (em Intellinews, 2021).
As novas leis despoletaram receios antigos de supressão étnica e grandes manifestações em várias cidades da Mongólia Interior – o maior movimento de protestos da última década da etnia mongol, segundo o Financial Times – recebidas com forte repressão por parte das autoridades e ameaças por parte do Governo, diz o Los Angeles Times em 2020.
O Governo Central chinês tem aumentado a repressão na Mongólia Interior, usando táticas já familiares contra as minorias étnicas perante a ameaça à “estabilidade social”, como a vigilância de suspeitos, ameaças financeiras e despedimentos, detenções, inclusão de indivíduos na lista negra de crédito social, controlo dos media, diz uma testemunha que participou num protesto em Xilingol, na Mongólia Interior, ao Los Angeles Times (segundo também o The Economic Times em 2020).
O medo da supressão da cultura tem gerado uma consciência comum no povo da Mongólia Interior: “Poderemos ser os próximos Uigures” (em The Observers).
Ativistas mongóis, afirmam não ter conhecimento de campos de concentração ou de aprisionamentos em massa, mas são testemunhas de fortes sinais de assimilação forçada, a marginalização da língua mongol, destruição de símbolos e monumentos culturais e introdução de aulas de patriotismo, onde os alunos têm de provar que aceitam a nacionalidade e cultura chinesa e a ideologia do partido comunista (segundo o The Observers, em 2021).
Tendo conseguido obter um documento que contem o conteúdo ensinado nestas “aulas de patriotismo”, podem-se ver incluídas várias frases de Xi Jinping sobre Xinjiang, como o exemplo a não seguir, caso não pretendam o mesmo destino, “tornando claro, que teoricamente, podemos ser os próximos uigures”, diz Engehebatu Togochog, Presidente do Centro de Direitos Humanos da Mongólia do Sul32, com sede em Nova York.
Relativamente à restrição da liberdade de expressão e difusão de informação, que levou ao bloqueio de diversos canais de comunicação da Mongólia Interior, a propaganda constante da cultura nacional chinesa, em desenhos animados, anúncios, todos em mandarim, ameaçam a perda total de relação da próxima geração, com a cultura mongol, diz Togochog.
Segundo uma notícia em Abril de 2020 no Bitter Winter, um canal de media dedicado aos direitos humanos e liberdade religiosa, enquanto os protestos se multiplicavam devido às reformas nas escolas na Mongólia Interior, o PCC lançou a campanha “Mês da Prevenção de Propaganda Xie Jiao33”, reivindicando que os grupos religiosos banidos na China, estavam a ameaçar a estabilidade da região. Segundo o Bitter Winter, estas campanhas contra o Xie Jiao, um termo usado para categorizar movimentos religiosos proibidos na China, como o Falun Gong, têm sido usadas pelo PCC, ao longo de décadas, como justificação para exercer o controlo e a repressão.
O documento oficial do Governo norte-americano, da Comissão Executiva do Congresso para a China, intitulado “Perspetivas Públicas sobre as Práticas de Direitos Humanos na China”, de 2002 reporta que os praticantes do Falun Gong eram submetidos às maiores atrocidades, incitadas ativamente pelo PCC e seus líderes, com o objetivo de eliminar a crença dos Falun Gong: desde o abuso sexual de mulheres; torturas durante semanas (por vezes até à morte), como o aprisionamento dos prisioneiros em gaiolas, de tamanho inferior aos corpos dos indivíduos; exposição de prisioneiros, sem vestimentas, a temperaturas negativas no exterior; repetidas sessões de abusos físicos.
O documento referido, centra-se num importante depoimento de um exilado político da Mongólia Interior, de nome Oyunbilig, que foi para os EUA em 1995, 3 anos depois da publicação do relatório do Human Rights Watch/Asia, que expõe a campanha de repressão na Mongólia Interior até 1992, indicando uma perpetuação deste panorama de opressão até 2002.
No seguimento do depoimento realizado por Oyunbilig, este afirma que durante meio século, os mongóis da Mongólia Interior sofreram a morte em massa de cidadãos inocentes, a destruição de estabelecimentos religiosos, e a assimilação cultural forçada, que levou a cultura e tradição mongol ao limite da extinção, assim como a destruição dos campos de pastagem, para exploração dos recursos minerais da região, para interesse do Governo Central chinês.
Os novos regulamentos na Mongólia Interior, que começaram a ser implementados em 2020, são assim parte de uma politica étnica mais abrangente que começou há 3 décadas atrás, e que ganhou impulso num discurso do presidente chinês Xi Jinping em 2014, que apelava a uma “nova fase” de trabalho étnico, com aceleração do emprego, politicas de educação, mistura interétnica e uma “consciência comum sobre a nação chinesa” (segundo o Los Angeles Times, 2020).
Assim sendo, o padrão de repressão que dominou a Mongólia Interior em 1992, 2002, parece estar a ocorrer hoje, assim como o presente caso da Mongólia Interior, segue um padrão semelhante ao de Xinjiang relativamente à política étnica, confirma-me rapidamente, via twitter, Adrian Zenz, Diretor e Senior Fellow em Estudos da China na Fundação Memorial das Vítimas do Comunismo, tendo vindo a desempenhar um papel de liderança na análise dos documentos vazados do governo chinês, sobre o caso da campanha dos campos de concentração de Pequim em Xinjiang.
“Não tenho dúvidas de que esse maior controlo também está relacionado com a localização dessas terras raras, ou seja, um maior controlo e uma maior vontade de que não haja nenhuma areia na engrenagem que possa pôr em perigo esta cadeia de produção”, afirma Raquel Vaz-Pinto que diz ver com grande pessimismo a evolução da situação da Mongólia Interior.
De facto, no relatório34 de Consultoria de Negócios da Cadeia de Produção de Xinjiang, do Governo dos EUA, publicado em 2021, numa nota de rodapé está escrita a seguinte declaração: “O governo dos EUA também está ciente de relatórios que documentam a expansão de campos de concentração no Tibete e na Mongólia Interior para deter arbitrariamente outras minorias étnicas e religiosas e documentam o uso de trabalho forçado além de Xinjiang”.