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INVESTIGAÇÃO
 DEMOCRACIA 

“Se não és lésbica, como te chamas?”: mutações e cruzamentos de uma identidade

Texto de Inês Rua
Edição de Débora Dias e Tiago Sigorelho
Ilustrações de Marina Mota
Produção de Sara Fortes da Cunha
Captação de imagem de Marcelo de Souza Campos
Edição de vídeo de Pedro Oliveira
Comunicação de Carolina Esteves e Margarida Marques
Digital de Inês Roque

20.01.2025

O termo lésbica passou por várias alterações ao longo do tempo. Da mesma forma que o género e a sexualidade são conceitos fluídos, também a lesbianidade o é. Se durante muito tempo foi utilizada como um insulto, à semelhança de outros termos como gay ou queer, tem-se invertido o sentido que quotidianamente lhe é atribuído, agora como uma forma de protesto e resistência. O Gerador esteve à conversa com 11 pessoas lésbicas que quiseram partilhar os contextos diversos da identidade lésbica e os desafios de quem, ainda hoje, tenta quebrar estereótipos e preconceitos enraizados.
Esta é a primeira de um conjunto de quatro reportagens apoiadas pela Bolsa Gerador Ciência Viva que exploram, em diversas perspetivas, a visibilidade lésbica.

 

As mutações e os cruzamentos de uma identidade

Se o termo lésbica surgiu derivado da ilha grega Lesbos onde se julga que a poetisa Sappho (630 a.C.- 570 a.C.) viveu a sua vida inteira, esta terminologia demorou bastante tempo a entrar na linguagem quotidiana. Nos finais do século XIX, quando os sexologistas europeus começaram a procurar estudar a atração sentida por pessoas do mesmo sexo, lésbica era visto como uma anormalidade patológica ou uma anomalia biológica e algo relacionado com insanidade. Só nas décadas de 1960 e 1970, com grande influência dos movimentos por direitos gays, é que a palavra lésbica passou a ser encarada como uma identidade. A Revolta de Stonewall, ocorrida a 28 de junho de 1969, em Nova Iorque, é considerada um dos principais marcos no movimento pela luta de direitos das pessoas homossexuais. O bar Stonewall Inn era um estabelecimento frequentado pela comunidade LGBTQIAP+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais/Transgêneros/Travestis, Queer, Intersexual, Assexual, Pansexual) e frequentemente perseguido pela polícia. Na noite desse dia, a perseguição policial encontrou finalmente resistência: pessoas queer juntaram-se para um protesto que originou uma onda de manifestações de vários dias. É o que conta o livro All The Things She Said: Everything I Know About Modern Lesbian and Bi Culture (2022, Coronet – sem tradução para português), de Daisy Jones, que discute a história de como a palavra tem sido entendida ao longo dos anos.

Em Portugal, foi lançado o livro Onde é que elas andam? (2024, Lisboa), organizado por Alexa Santos, onde constam um conjunto de textos (fanzine, peça teatral, artigo científico, poesia e texto literário) que procuram mostrar a história e a diversidade lésbica. Um deles foi recuperado do boletim Lilás (uma das primeiras publicações lésbicas em circulação a nível nacional), datado de 1993, com o título “Se não és lésbica, como te chamas?” da autoria de Rebecca, cuja identidade se desconhece. Falando da recusa em se utilizar este termo, a autora escreveu “Infelizmente, a palavra lésbica tem tido conotações negativas, o que torna difícil usá-la com orgulho, sobretudo quando os homofóbicos a usam quase como palavrão”.
Recuperando a ideia deste texto, a peça de teatro de Alice Azevedo “Se não és lésbica, como é que te chamas?”, que estreou em fevereiro de 2024 no Teatro do Bairro Alto, parte da premissa “três lésbicas entram num bar”. A partir daí, o espetáculo dá a conhecer a história do lesbianismo em termos internacionais e nacionais a partir da literatura.

Atualmente, tem-se procurado debater mais profundamente o uso da palavra lésbica. Para Carolina Moutela, de 27 anos, “é diferente dizer-me que sou homossexual do que dizer-me que sou lésbica. Para mim, é importante haver uma nomenclatura para me sentir… Como é que vou dizer isto? Para me sentir pessoa”. Já Mara Alexandre testemunha que: “o que quero dizer com lésbica é a recusa da heterossexualidade a partir de uma socialização que me foi atribuída enquanto mulher”, explica. Esta afirmação relembra-nos da famosa frase de Monique Wittig “Lésbicas não são mulheres”, proferida na conferência anual da Modern Language Association, em 1978. Dentro dos vários entendimentos que o pensamento de Wittig se rege para declarar esta frase, um deles advém do facto de considerar que ser-se lésbica quebra com todos os padrões que se encontram estabelecidos para uma mulher, quer em termos económicos, quer em termos políticos e ideológicos, dentro de um sistema heteronormativo.

Em Portugal, uma das caraterísticas das mulheres lésbicas e bissexuais é a tendência para um “coming out tardio”, tendo, no seu passado, já tido relações heterossexuais e/ou já serem mães fruto dessas relações, antes de se identificarem, já em idade adulta, como lésbicas ou bissexuais. É o que aponta o Estudo nacional sobre as necessidades das pessoas LGBTI e sobre a discriminação em razão da orientação sexual, identidade e expressão de género e características sexuais”, publicado pela Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG), em 2022. Histórias como a de Paula Monteiro relacionam-se com dados do estudo e apontam para um “coming out tardio”. Ou a de Thays Peric que estava noiva de um homem quando se descobriu como pessoa lésbica. Conheçamos as partilhas de onze pessoas lésbicas que estiveram à conversa com o Gerador sobre as suas vivências.

 

Mara Alexandre Veiga – Lesbianidade, transexualidade e binariedade

 

 

Mara Alexandre Veiga (nome fictício escolhido pela entrevistada), de 20 anos, é uma pessoa trans não binária. Relata que durante muito tempo teve aversão à palavra lésbica por, desde muito cedo, se identificar como “não mulher”. Após ter começado a compreender melhor o contexto histórico e de onde vem a luta lésbica, afirma que começou a ver a sua “identidade lésbica”. No entanto, realça que esta questão não é algo consensual, uma vez que acha “é muito difícil” organizar-se “com uma rede muito aberta de lésbicas, porque eu sei que vou encontrar muitas pessoas que simplesmente me vão tomar como mulher e tratar como mulher”. Por isso, em entrevista ao Gerador, fala-nos da necessidade de “transexualizar e desbinarizar a lesbianidade”.

A experiência de Mara Alexandre revela que o termo lésbica pode abranger cada vez mais realidades. Embora seja considerada uma identidade sexual, o sexo não precisa de ser o foco desta identidade. Para ela, é a possibilidade de estar numa rede de apoio, com um sentido político contra a violência patriarcal: “eu acho que por [eu] também ter essa componente assexual, disso não ser um peso muito grande na minha vida, aquilo que eu encontro mais e procuro mais na lesbianidade, por exemplo, é mesmo o encontro entre pessoas, uma rede, mais uma rede do que, tipo, uma coisa one-on-one”.

Ser-se lésbica pode extravazar a atração física e ser apenas um interesse romântico em mulheres. Daí que ele tenha alertado: a definição de lésbica não radica apenas em mulheres cisgénero que mantém relações sexuais e românticas entre si. Pelo que é importante termos presente que existem lésbicas arromânticas e assexuais.

Além disso, existem lésbicas que se identificam como mulheres conforme o género que lhes foi atribuído à nascença, mas também lésbicas que são pessoas transgénero e não binárias. Estando as pessoas lésbicas inseridas dentro da população LGBTQIAP+, o “L” frequentemente cruza-se com outras identidades que a comunidade inclui.

 

Paula Monteiro – Descoberta em idade adulta

 

Também sobre o sentido político que a palavra lésbica comporta, Paula Monteiro, de 34 anos, identifica-se como uma mulher queer e pansexual, mas utiliza o termo lésbica “por uma questão também de reivindicação política”. Neste sentido, Paula fala sobre o facto de a palavra lésbica não ter sido assim tão utilizada durante muito tempo: “então, é uma reivindicação política no âmbito de visibilizar as nossas existências, como exatamente mulher lésbica e não só como pessoa LGBTQIAP+. É, nesse sentido, uma reivindicação da minha existência política, quer eu queira ou quer não, quer eu faça algo com isso ou não, mas independentemente disso é uma existência política”. Paula faz também parte do Clube Safo que tem nos últimos tempo optado pela terminologia “lésbica*”, pretendendo abarcar “mulheres, cis e trans, e pessoas não binárias, que se identifiquem lésbicas, bissexuais, pansexuais, queer, sáficas”.

Descobriu-se enquanto pessoa queer aos 31 anos. Descreve que agora percebe que tinha “alguma lésbofobia internalizada, embora se calhar, se me perguntassem antes isso, eu diria que não”, pelo que considera que “foi um processo de desconstrução e de aceitação um pouco duro internamente”. Num primeiro momento, “quando percebi que estava a gostar de uma rapariga, eu lembro-me de pensar que eu era a única pessoa, provavelmente de todas, a única a quem isso estava a acontecer. Estar uma vida inteira a achar que era hetero e depois perceber que não”. Relata também que sentiu pressões externas com perguntas como “Então, quer dizer o quê? Que tu és bi? Quer dizer que tu és gay?” num momento em que ela própria ainda estava a assimilar e processar tudo o que estava a sentir.

Paula vem contrariar o ideal criado socialmente que as pessoas lésbicas sabem desde sempre que o são. Se por um lado há pessoas que o sentem logo desde a infância ou a adolescência, há outras que só, em idade adulta, descobrem essa identidade, o que, na verdade, corresponde à maioria da realidade portuguesa.

 

Inês Simões – Reforçar a existência política

 

Inês Simões – Reforçar a existência política

“A minha existência como lésbica acaba por ser também uma existência inerentemente política” é a afirmação marcada por Inês Simões, de 28 anos. Expressa que, além das suas experiências sexuais e românticas, ser lésbica é também “a posição que eu tenho na sociedade e dentro da própria comunidade”.

Sendo uma pessoa com deficiência motora e morando em Coimbra, alerta para o facto de que “estamos numa cidade completamente inacessível e pessoas LGBT que têm algum tipo de deficiência, simplesmente não conseguem chegar a esses bares”, onde, por vezes, ocorrem festas LGBTQIAP+. Lamenta, assim, que “não há nenhum bar que seja acessível, nem que eu possa dizer a uma pessoa que esteja de cadeira de rodas ‘sim, podes vir a esta festa, esta festa é acessível’”.

 

Beatriz A. – Processo de descoberta

 

 

 

Por outro lado, existe também a questão de que nem sempre as pessoas se percepcionam como lésbicas em primeira instância. Numa sociedade onde reina uma “heterossexualidade internalizada”, Beatriz A., de 23 anos, partilhou os pensamentos que tinha durante a adolescência: “Quem me dera não gostar de rapazes porque eu não quero namorar com eles. O que era bastante engraçado, do género: ah então, tu sentes-te atraída por rapazes, mas não queres namorar com rapazes porque te dá nojo ou pensar em imaginar beijar um rapaz ou casar com um rapaz ou ter uma família com um rapaz, por exemplo. Porque é que tu sentes atraída por eles? Porque é que te dá nojo mas quando pensas com raparigas é uau?”.

Quando se apercebeu que o que sentia por um género e por outro eram completamente diferentes, começou a pensar “então, se calhar, não sou bissexual. Se calhar, sou mesmo lésbica”. “Eu costumo dizer o facto de ser lésbica serve tanto como identidade de género como orientação sexual”, afirma Beatriz A.

 

Beatriz de Aranha – Os coming outs ao longo da vida

 

Beatriz de Aranha – Os coming outs ao longo da vida

 

Também Beatriz de Aranha, de 26 anos, se conheceu, num primeiro momento, como pessoa bissexual: “depois é que as coisas foram evoluindo e eu percebi que, na verdade, tinha uma preferência”. Para Beatriz, “a palavra lésbica funciona mais como uma preferência por mulheres e não uma coisa exclusiva”.

Descreve o seu percurso de descoberta como “uma pessoa enfrenta ou confronta primeiro o lado negativo e aceita, e depois percebe que há muita coisa boa”. Considera, ainda, que “eu acho que se não fosse uma mulher lésbica, não tinha tido contacto com outras realidades”.

Perante a afirmação de Beatriz de Aranha “os coming outs que eu fiz já foram inúmeros”, compreendemos que o coming out não é um momento que acontece uma única vez, enquanto um ato em que alguém revela a sua orientação sexual ou identidade de género. Existe uma primeira vez (ou que, para algumas pessoas, nunca chega a acontecer), mas a vida de pessoas lésbicas é ditada por constantes coming outs no seu quotidiano.

 

Carolina Moutela – Lesbianidade e religião

 

 

Para Carolina Moutela aceitar a sua lesbianidade não foi um percurso fácil. Mesmo sentindo-se, desde os 12 ou 13 anos como pessoa não heterossexual, afirma que por volta dos 17 anos tentou assumir-se hétero. “Eu tentei mesmo. Tinha uma expressão de género bastante feminina para tentar encaixar enquanto pessoa heterossexual. Porque eu achava que, sim senhora, se dá durante uns meses, também tem que dar para o resto da vida”, partilha.

Carolina confessa que andou sempre numa luta interna entre ser uma pessoa católica e lésbica. “Porque genuinamente acredito em Deus e em Jesus” e “porque é que isso não poderia estar interligado a eu ser uma pessoa homossexual?”. As dúvidas de como conviver mutuamente com estas duas vertentes da sua vida fizeram com que tomasse a decisão de se afirmar heterossexual durante um ano. “Senti mesmo que se eu não conseguia ser hétero, então eu tinha que deixar a Igreja por ser uma pessoa homossexual”.

Foram várias as fases em que voltava para a Igreja, mas passado uns tempos, tornava a afastar-se. Num desses afastamentos, afirma que mudou a sua expressão de género. “Torno a minha expressão de género mais masculina. E assumo mesmo isso. Corto o cabelo drasticamente. Começo a comprar roupa na secção masculina. E começo a fazer este caminho de… É esta a verdade”, relata. Quando fez esta transição, recebeu, entre pessoas conhecidas, comentários positivos que a fizeram acreditar “ok, se calhar, não estou sozinha como eu achava que estava”.

Após se assumir como pessoa lésbica e mudar a sua expressão de género, foi impedida de frequentar os retiros católicos que adorava ir. Conta que chegou a receber uma chamada onde a resposta dada foi “O retiro vai ser sobre sexualidade. Portanto é melhor não vires”. Carolina relembra: “Foi o maior balde de água fria que eu levei na vida. É uma dor gigante que eu tenho. Porque eram pessoas muito queridas e muito próximas a mim. Continuo a amá-las profundamente. Mas na altura foi super difícil”. Além disso, o episódio despertou nela e na família mais próxima o medo da rejeição. “Qual é o tipo de rejeição que eu vou ter? Onde e quando? E como é que eu vou lidar com ela?”, desabafa.

O ponto de viragem aconteceu quando, numa tentativa do “é o tudo ou nada”, foi a um convívio religioso misto, quatro dias hoje lembrados com muita ternura. “Foi-me transbordado amor do início ao fim. Foi mesmo a maior mudança que eu tive na minha vida”. A partir daí começou o seu ativismo enquanto pessoa católica LGBT, uma vez que percebeu “Há um Deus que nós acreditamos. Que é um Deus de amor. E é esse Deus que, muitas vezes, não é ensinado. Ou não é trazido para dentro daquilo que é a igreja em geral, a catequese e tudo mais”. Atualmente, ainda que com percurso de altos e baixos, considera que “para mim, é super importante fazer este caminho com a Igreja, com aquilo que eu acredito, e o Papa neste momento tem ajudado muito”.

 

Carolina Monteiro – Processo de conforto na afirmação lésbica

 

 

Carolina Monteiro, de 25 anos, descreve o seu percurso como “um bocadinho de percepção cedo, mas concepção tardia, conceptual e mais consciente de que era uma pessoa lésbica”. Partilha que, desde criança, ouvia comentários na escola de lhe chamarem lésbica e, segundo lembra, eram “obviamente era com um tom um pouco pejorativo”.

Foi quando se mudou de Castelo Branco para Lisboa que começou a contactar com mais pessoas e envolver-se também no meio político. Conta que foi neste momento em que se percebeu como uma “situação natural”. Mas considera que foi quando viveu em Berlim que teve “uma experiência queer e uma experiência como pessoa lésbica ainda mais confortável”. Para Carolina, “foi um processo de conforto e descoberta ao longo do tempo”.

Carolina associa a importância da visibilidade à representação. “Só me vem à cabeça a palavra invisível. Vou escavando e tenho de escavar, e mesmo assim, parece que as descobertas ou o encontro com esta representação é sempre tardio, muito mais tardio do que com outros tipos de representação, mesmo dentro da comunidade”, afirma.

 

Bibiana Garcez – Lesbianismo e interseccionalidade

 

 

Bibiana Garcez, de 27 anos, conta que, em criança, era chamada muitas vezes de “machorra”, um termo usado pejorativamente no Sul do Brasil. Sentiu que isso pode ter contribuído para lhe criar um bloqueio. Teve alguns relacionamentos heterossexuais e foi no último namoro mais longo que começou a pensar: “como eu seguiria naquela relação se eu não tivesse certeza que eu poderia explorar a minha sexualidade?”.

Quando se mudou do Brasil para Portugal, pensou que seria neste país que iria poder viver a sua sexualidade livremente. No entanto, ao chegar a Coimbra, “descobri uma outra realidade muito mais conservadora do que eu esperava e com muito menos espaços para pessoas LGBT do que eu imaginava inicialmente”, afirma. O facto de estar longe da sua família também a fez pensar que seria mais fácil passar pelo processo de assumir estando noutro país. Atualmente, “sou uma mulher lésbica assumida, não é uma questão com os meus pais, com meu irmão, com os meus familiares mais próximos. Eu consigo conversar com eles sobre isso”.

Bibiana considera que existem várias identidades que se cruzam na sua vivência enquanto pessoa lésbica em Portugal. Além de se percepcionar como mulher, lésbica, jovem e imigrante, fala também do facto “eu não costumo levantar muito essa bandeira porque eu não tenho muita certeza de como eu me posiciono racial, etnicamente, mas em Portugal eu sou lida como uma pessoa não branca, né? Acho que no Brasil não, mas em Portugal sim”. O conjunto destas identidades culminou em que já tenha sofrido diversas formas de discriminação.

 

Thays Peric – Ser lésbica não é uma fase

 

Thays Peric – Ser lésbica não é uma fase

Quando Thays Peric, de 39 anos, se apaixonou pela primeira vez por uma mulher, tinha 26 anos e estava noiva de um homem. Anos mais tarde, durante o processo de terapia, percebeu que já tinha tido anteriormente algumas paixões escondidas, mas considerava que “não era algo plausível na minha vida quotidiana, na minha educação, na minha cultura familiar. Então, eu nunca abri portas para isso”, conta. Com a percepção da primeira paixão e entre dúvidas iniciais por sempre se ter relacionado com homens, resolveu, finalmente, assumir o que sentia. “Eu falei que eu sou apaixonada por essa mulher, que eu vou viver isso e fui embora de casa”. Para a família de Thays, “era só uma fase” que ia passar. A verdade é que, embora considere a sua trajetória enquanto pessoa lésbica curta, “eu já me identifico enquanto mulher lésbica há muito tempo dentro de mim, psicologicamente”.

Nascida no Brasil, Thays afirma que foi em Portugal que se redescobriu “de várias formas”. ”Não só como uma mulher lésbica, mas também uma mulher lésbica imigrante. Tem uma diferença”. Assim, como foi refletido também na experiência de Bibiana Garcez, a interseccionalidade é um termo central para compreendermos as vivências lésbicas. Como escreveu Audre Lorde, no livro Irmã Marginal/Sister Outsider (2023, Orfeu Negro), “como mulher negra, lésbica, feminista e socialista de quarenta e nove anos, mãe de dois filhos, inclusive de um rapaz, e membro de um casal inter-racial, dou muitas vezes por mim incluída num grupo definido como outro, pervertido, inferior ou simplesmente errado”. Ser-se lésbica contempla múltiplas vivências, diversas identidades e diferentes camadas de opressão, pelo que cada pessoa vive a sua lesbianidade de forma diferente.

Para Thays, ser lésbica “é libertador. Ser o que eu sou, poder amar quem eu quiser amar. E eu sou apaixonada pelas mulheres, eu acho as mulheres fascinantes, mesmo”. Além disso, “ser uma mulher lésbica hoje é um lugar também de resistência”.

 

Larissa Jones – A desconstrução do machismo

 

 

Thays Peric – Ser lésbica não é uma fase

 

Larissa Jones, de 25 anos, percebeu-se como lésbica aos 10 anos e assumiu-se à família com 14 anos. Para Larissa, ser lésbica “começa primeiro por não ser um padrão na sociedade porque a mulher é vista como ainda um objeto”. Sente que nunca se encaixou na questão de “eu vou ter que crescer, casar e cuidar do meu marido”. Por esse motivo, sempre procurou desconstruir esses ideais perpetuados na sociedade para as mulheres: “eu não preciso casar, eu não preciso cuidar de ninguém, eu tenho minha vida, eu quero viver meus sonhos, eu posso ter um filho, uma filha, daqui a algum momento da minha vida, mas eu não preciso seguir um padrão”.

Além disso, reivindica também que ser lésbica “hoje nessa sociedade também é assumir papéis de que eu não sou um homem numa relação”. Por isso, reforça que “eu não preciso ser tratada como um homem, eu sou uma mulher. Eu sou lésbica, mas eu continuo sendo uma mulher e eu mereço o respeito de uma mulher”.

 

Simone Cavalcante da Silva – O olhar sobre a lesbianidade em três países

 

 

Simone Cavalcante da Silva, de 52 anos, recorda: “eu nasci em 1972, cresci no Brasil, em uma família tradicional, dentro do que se entende como uma família tradicional no Brasil”. Recorda que, desde o infantário, tinha uma “percepção de ser “diferente”. Mas somente após ter vivido dois anos nos Estados Unidos da América (EUA) e ter regressado ao seu país de origem, começou “uma caminhada para, digamos, sair do armário, de certa forma, no contexto social, no contexto académico”. Ela relata que não contou para a família: “nunca houve nenhuma conversa, nunca houve nenhuma pergunta, mas todo mundo sabia, todo mundo sempre sabe”.

Mudou-se, outra vez, para os EUA em 1999 e foi aí que começou a participar no associativismo lésbico. Atualmente, vivendo entre os EUA e Portugal (e também pelo Brasil), compreende que “nós temos toda uma legislação hoje que foi construída, mas ainda assim eu acho que eu vejo muito mais movimento associativo [lésbico], em Portugal, por exemplo, do que no Brasil”. Quanto aos EUA, “nunca senti nenhum tipo de limitação pelo fato de eu me apresentar como eu sou, dentro da minha orientação sexual e minha identidade de género”, afirma.

Para Simone, a questão da visibilidade tem ligação com a componente económica. “A questão económica afeta a nós mulheres, mulheres em geral, mulheres lésbicas, mulheres lésbicas negras, mulheres lésbicas trans… Isso afeta a própria construção da nossa sobrevivência económica e da nossa visibilidade, porque isso limita muita coisa, muito acesso a muitas coisas”, declara.

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A importância da visibilidade lésbica no combate de estereótipos e discriminação

31 de março

A realidade legislativa e associativa lésbica em Portugal

28 de abril

Espaços alternativos mediáticos: criar a própria representação lésbica

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