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Ao longo dos últimos anos, vários estudos concluíram que a liderança ambiental feminina na governança pública, nas indústrias ambientalmente sensíveis e na sociedade civil tem sido fulcral no combate à crise climática. No entanto, as mulheres continuam sub-representadas na liderança ambiental em todos os setores e nas negociações climáticas de alto nível, as soluções apresentadas ignoram com frequência as necessidades femininas e as mulheres continuam a ser largamente mais afetadas pelas mudanças no clima global, ficando desproporcionalmente vulneráveis a todo o tipo de impactos.

 

«A crise climática não é uma questão abstrata, distante, algures acima das nossas cabeças, sobre a qual não podemos fazer grande coisa, ou uma questão puramente técnica ou científica. A crise climática é uma questão profundamente humana que afeta o nosso dia a dia, é uma questão de justiça social, e também é uma questão de género.» As palavras são de Caterina Sarfatti e abriram a sua TedTalk de junho de 2021. Em entrevista por videochamada com o Gerador a partir de Milão, a especialista em relações internacionais e políticas urbanas sociais e ambientais comenta que esta comunicação, intitulada Porque é que as mulheres vão salvar o planeta tem como foco, precisamente, a importância que as mulheres têm na luta contra a crise climática.

Atualmente, a italiana é diretora administrativa de inclusão e liderança global da C40, uma rede internacional de cidades comprometidas na ação contra a crise climática, tendo sido diretora do programa de ação climática inclusiva até recentemente. Antes de se juntar ao movimento em 2015, trabalhou no gabinete do presidente do governo municipal de Milão, coordenando projetos europeus e iniciativas regionais concentradas «em cidades inteligentes e meio ambiente, inovação social e coesão social, migração e integração». Também colaborou com várias ONG (organizações não governamentais) de direitos humanos, como a Federação Internacional para os Direitos Humanos (FIDH) em Paris e o Conselho Italiano para os Refugiados (CIR) em Roma, é membro ad honorem da ONG italiana CESVI e faz parte do comité científico da associação Rede Climática Italiana. Tem ainda duas licenciaturas (uma em Filosofia e outra em Teoria Política e Ciência Política) e dois mestrados (em Direitos Humanos e Direito Humanitário e em Políticas Ambientais Globais), atribuídos por universidades italianas e francesas, e continua a fazer investigação sobre alterações climáticas, cidades inteligentes e migrações humanas.

Mais à frente na comunicação, Caterina Sarfatti defende que «a crise climática é profundamente injusta. Torna os mais pobres ainda mais pobres, torna os desfavorecidos ainda mais desfavorecidos, acelera e exacerba a discriminação onde ela já existe». Numa segunda TedTalk, desta vez em novembro de 2022 e com o título Justa, a única transição possível, apresenta quatro categorias de injustiça climática: desigualdade entre gerações, desigualdade de género, desigualdade entre classes e desigualdade interterritorial. Para ilustrar esta realidade, a italiana usa um lema de campanha dos movimentos ativistas Fridays For Future e Extinction Rebellion: «Parem de dizer que estamos todos no mesmo barco. Estamos todos na mesma tempestade. Mas não estamos todos no mesmo barco.»

Num relatório publicado em abril de 2022 pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE), intitulado Liderança feminina na ação ambiental, é referido que «a igualdade de género e os objetivos ambientais se reforçam mutuamente, com os progressos na igualdade de género a apoiar a ação ambiental e vice-versa», uma conclusão que já surgia num relatório anterior da organização. «As ligações entre género e ambiente são reconhecidas tanto na Agenda 2030 das Nações Unidas como nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável(ODS) que a acompanham. Um princípio subjacente ao vínculo género-ambiente é que a degradação ambiental pode ter impactos diferentes nas mulheres e nos homens. As características físicas, os níveis de vulnerabilidade económica e os papéis e comportamentos nas sociedades contribuem todos para experiências diferenciadas de género com, e respostas aos, impactos ambientais», refere ainda a OCDE, acrescentando que «outro aspeto do vínculo género-ambiente é que mulheres e homens têm comportamentos e atitudes diferentes em relação às escolhas que afetam o ambiente», bem como «em relação aos riscos e danos ambientais».

Para complicar ainda mais, está tudo a acontecer mais rápido do que era previsto. Ainda na palestra Justa, a única transição possível, Caterina Sarfatti lembra previsões de temperatura para o Reino Unido em 2050 feitas há uns anos na BBC. «Este ano, a BBC transmitiu a mesma peça durante um boletim meteorológico em tempo real, para dizer que cometeram um erro. Chegámos aos 40 graus, mas este ano. Isso significa que a ciência estava errada, mas não sobre a verdade fundamental e incómoda. O clima está a mudar, e a mudar por causa da atividade humana. Os cientistas simplesmente se enganaram no timing. O clima está a mudar muito mais rápido do que tínhamos previsto, e os impactos estão a ser sentidos bem antes do que esperávamos.» Se há quase um ano isto era verdade, agora ainda mais o é, e os impactos estão por todo o lado. A 27 de julho, António Guterres, secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas), avisou que «a era do aquecimento global acabou» e «a era da ebulição global chegou». Estas declarações surgem depois do que já se estima ter sido o mês mais quente de que há registo, de acordo com os dados ERA5 do Copernicus Climate Change Service (C3S), programa implementado pelo Centro Europeu de Previsões Meteorológicas de Médio Prazo (ECMWF) em nome da União Europeia.

Como é que tudo isto funciona na prática, e como é que as mulheres vão «salvar o planeta»? Antes de lá chegarmos, é preciso recuar um pouco.

 

Cidades C40 e iniciativa Women4Climate

 

 

A C40 é uma rede global de cidades comprometidas na ação contra a crise climática. O grupo em si é constituído pelos presidentes de câmara de cada cidade, unidos pela missão comum e pela abordagem inclusiva, colaborativa e apoiada na ciência, com o fim de reduzir as respetivas emissões nacionais de gases com efeito de estufa (GEE) para metade até 2030, lutar para que o planeta se mantenha no caminho certo para limitar o aumento global de temperatura a 1,5 ºC (graus Celsius), como prometido no Acordo de Paris, e construir comunidades saudáveis, equitativas e resilientes.

Segundo website da C40, a rede ajuda as cidades ao «aumentar a ambição climática através do apoio a planos de ação climática de 1,5 °C, aceleradores de alto impacto e promoção à inovação», «construir comunidades equitativas e prósperas através de programas globais e regionais», «construir um movimento global através de forte defesa de direitos e diplomacia internacional», «ampliar a ação climática e partilhar as melhores práticas em setores de alto impacto», e «facilitar o acesso ao financiamento para investimentos em empregos verdes e projetos que melhorem a resiliência nas cidades».

Fundada em 2005, a C40 ganhou o nome atual um ano depois, com a junção da C20 (ou Large Cities Climate Leadership Group), uma união de 18 megacidades unidas num acordo de cooperação de redução de poluição climática, encabeçada pelo (na altura) autarca de Londres Ken Livingstone, e a iniciativa climática da Fundação Clinton (a CCI, Clinton Climate Initiative), presidida pelo ex-presidente dos Estados Unidos da América, Bill Clinton. De 40 em 2006, a rede reúne atualmente 96 cidades, espalhadas por todos os continentes. Para se juntarem, os territórios têm de demonstrar capacidade de ação, e a C40 rege-se por cinco padrões de liderança. Em primeiro lugar, a cidade tem de ter adotado um plano de ação inclusivo e resiliente em linha com o objetivo dos 1,5 ºC. Em segundo, a cidade está no caminho certo para cumprir as metas desse plano e para reduzir as emissões para metade até 2030. Depois, a cidade usa todas as ferramentas disponíveis (financeiras e regulamentais, por exemplo) para enfrentar a crise climática e integra as metas climáticas nos principais processos de tomada de decisão. Em quarto, a cidade é inovadora e já inicia ação para fazer frente às emissões fora do seu controlo direto, como as associadas a bens e serviços consumidos. Por último, a cidade demonstra liderança climática e inspira outras a agir para cumprir o Acordo de Paris.

Lisboa é a única cidade portuguesa integrada na C40, tendo aderido em 2019. Neste momento, a capital tem dois aceleradores principais (ar limpo e energias renováveis) e 13 redes ou áreas de foco a melhorar: eficiência de construção privada, eficiência de construção municipal, eficiência de construção nova, energia limpa, veículos com zero emissões (os ZEV), transportes públicos, planeamento do uso de terrenos, caminhada e ciclismo, sistemas alimentares, resíduos para recursos, inundação urbana, cidades frescas, e qualidade de ar. Lisboa tem ainda a categoria de megacidade, o que significa que demonstra «excelente liderança climática a nível global» e que a sua população já tem ou irá passar os três milhões até 2030; as outras categorias de cidade são inovadora, observadora ou inativa.

 

Onde é que a igualdade de género se integra nisto? Na Women4Climate. Criada em 2016, a iniciativa procura integrar a luta pela justiça climática com a da igualdade de género; para isso, a rede procura «capacitar e inspirar a próxima geração de líderes climáticas através de um programa global de mentoria dedicado às mulheres das cidades C40» e «aumentar a consciencialização através de investigação focada no género, nas cidades e no clima para destacar o papel fundamental que as mulheres desempenham na defesa da ação climática nas cidades». O programa de mentoria da iniciativa junta autoridades municipais, líderes empresariais, organizações internacionais e a sociedade civil a líderes climáticas emergentes nas áreas da política, organizações sem fins lucrativos, negócios, media, grupos comunitários e outras, esclarece Caterina Sarfatti ao Gerador. Lisboa é uma das 22 cidades que já passou por ciclos de mentoria. A Women4Climate disponibiliza também um curso online gratuito, destinado ao desenvolvimento de aptidões de liderança em ação climática, bem como investigação intensiva sobre o papel proeminente que as mulheres têm na ação contra as alterações climáticas, da qual já saíram vários estudos de caso.

Caterina Sarfatti explica que, «devido às desigualdades da crise climática e à necessidade de uma transição justa e equitativa, a única maneira de a ação climática ser aceite e posta em prática é torná-la o mais inclusiva e equitativa possível». Recorda uma investigação publicada na revista científica Nature em março de 2022, na qual se «identificou a justiça como o fator número um para a aceitação pública da ação climática, e a eficácia como número dois». A representante da C40 aponta que «isto é muito mais evidente agora do que antes, principalmente na Europa e no norte global, com o aumento da polarização e dos conflitos climáticos». «As cidades estão a tornar-se em importantes campos de batalha, com as políticas urbanas sempre no centro desse conflito, quer sejam sobre zonas de emissões reduzidas, cidades de 15 minutos, ou até dietas sustentáveis em edifícios públicos», acrescenta. A justiça climática é, assim, cada vez mais essencial.

O programa de mentoria da Women4Climate já vai no seu quinto ano, ano que completa o primeiro ciclo de trabalhos, com «44 programas de mentoria a serem lançados em 22 cidades entre 2017 e 2023, criando uma comunidade de mais de 1000 mulheres em todo o mundo». Este trabalho é importante, acredita a especialista italiana, por «garantir mais visibilidade, compreensão e consciencialização sobre o que as mulheres estão a fazer em relação à sustentabilidade – o que pode até ser o tipo mais básico de mudança, como o simples facto de, se se vê, existe –, mas também para as mulheres mais jovens verem que é possível criar mudanças e ter um papel poderoso na sustentabilidade e na ação climática, para garantir que mais mulheres estejam conscientes e cientes das possibilidades e das aptidões necessárias». Os programas de mentoria são uma das medidas recomendadas pela OCDE para promover a liderança feminina na ação ambiental.

 

Business as Nature e movimento Mulheres pelo Clima

 

 

Business as Nature (Associação para a Produção e Consumo Sustentável e a Economia Circular, abreviada para BasN) «é uma associação sem fins lucrativos que tem estatuto de ONGA – portanto, de organização não governamental de ambiente. Foi criada em maio de 2019 por um grupo de pessoas com experiências diversas e que pretendem mobilizar as mulheres e as meninas em prol da sustentabilidade, permitindo agir pelo exemplo, realizar ações concretas que mobilizem as mulheres e as meninas nesta economia verde, circular e de baixo carbono, que permitam também promover a igualdade de género e a liderança no feminino.» As palavras são de Susana Viseu, a presidente da ONGA, que acrescenta ainda, em entrevista ao Gerador, que têm «várias linhas de atuação de envolvimento com mulheres, quer seja pelo clima, pelo oceano, pela água, ou pela natureza», e que conseguem articular «todos, ou praticamente todos, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável».

 

 

A proposta de valor da BasN, segundo o seu website, passa por «alterar padrões de consumo das famílias, protegendo o ambiente e promovendo o uso eficiente dos recursos e a economia circular e de baixo carbono», «promover o desenvolvimento de processos e produtos sustentáveis e responsáveis, a economia circular e de baixo carbono e as simbioses industriais», «desenvolver métodos de produção mais eficientes e sustentáveis», «dar acesso aos mercados globais a pequenos produtores de produtos no âmbito da economia circular», «permitir a localização de comércio sustentável e respetivos produtos ou serviços», «apoiar o empreendedorismo, o crescimento e a independência económica das mulheres» e «promover a igualdade de género, o empoderamento e empreendedorismo feminino».

 

Para lá de fundadora e presidente da associação, Susana Viseu é também consultora da presidência da República Portuguesa para temas como a transição climática, ambiente, oceanos, energia, ordenamento do território e desenvolvimento do interior. Com vasta experiência em gestão associada a sustentabilidade, transição climática, economia circular e economias azul e verde, já passou pela direção de inúmeras empresas e organismos. Tem uma licenciatura em Geologia Aplicada e do Ambiente pela Universidade de Lisboa e um mestrado em Engenharia Sanitária pela Universidade NOVA de Lisboa, tendo feito diversas especializações desde então, sempre na área do ambiente. É também presença assídua nos órgãos de comunicação portugueses.

Susana Viseu explica que começaram por definir seis grupos de trabalho na associação, mas no último ano têm concentrado todos os esforços no movimento Mulheres pelo Clima – Dos Países de Língua Portuguesa para o Mundo. Lançada em setembro de 2022, a iniciativa «junta mulheres de todas as geografias e das mais diversas áreas – cientistas, empresárias, dirigentes, ativistas, educadoras, mães, políticas, jornalistas, influenciadoras – num movimento integrado, atuante e comprometido com o progresso e bem-estar das comunidades e a sustentabilidade do planeta, realçando a necessidade de um maior equilíbrio e aproximação entre os direitos humanos e a ação climática, com foco na implementação de modelos de desenvolvimento sustentável», refere o manifesto.

O movimento «dá resposta aos compromissos assumidos pelas Partes na COP 20 [Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas], em Lima, através do Lima Working Program on Gender», indo também «ao encontro da Resolução n.º 76/300, de 2022, da Assembleia Geral das Nações Unidas relativa à declaração do meio ambiente limpo, saudável e sustentável como um direito humano» e «está empenhado no cumprimento da Agenda 2030 das Nações Unidas». Isto significa, por outras palavras, que Mulheres pelo Clima se concentra no vínculo género-ambiente, reforçando «a necessidade de divulgação e promoção da importância do trabalho desenvolvido pelas mulheres enquanto agentes ativos, incontornáveis na ação climática, na ligação indissociável entre água, energia e alimentos e na promoção da sustentabilidade». O manifesto ainda está aberto para assinaturas, destaca a Susana Viseu, e «não é para ser subscrito apenas por mulheres, é para toda a gente, independentemente do género, das culturas, das crenças e afins».

Desde a sua fundação, a ONGA «tem estado presente em praticamente todos os momentos relevantes de conferências das Nações Unidas, e com organização de eventos paralelos próprios», avança a presidente. «Estivemos na Conferência dos Oceanos das Nações Unidas com o movimento das Mulheres pelo Oceano, estivemos em Sharm El Sheikh, na última COP no Egito – também com o evento paralelo das Mulheres pelo Clima, em que envolvemos mulheres de língua portuguesa –, estivemos recentemente na Conferência da Água em Nova Iorque, com a declaração das «Mulheres pela Água», que mobilizou mulheres de diferentes geografias e de muitas organizações internacionais no setor da água, e iremos estar na próxima COP no Dubai, também com a organização de um evento e com várias reuniões que iremos fazer com os países de língua portuguesa.» Outra iniciativa que estão a desenvolver agora é a criação da «Rede de mulheres guardiãs da natureza e desenvolvimento sustentável do mundo rural», que está a ser levada a cabo em parceria com o ICNF (Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas) e de norte a sul do país em oito áreas protegidas: Serra da Estrela, Ria Formosa, Vale do Guadiana, Estuário do Sado, Paul da Arzila e Dunas de São Jacinto, Montezinho e Litoral Norte de Esposende. A intenção é «ter, nestas áreas e nas suas áreas limites, pelo menos doze guardiãs em cada uma, que possam querer desenvolver – ou já estejam a desenvolver – a sua atividade nestes territórios, quer sejam atividades económicas, projetos de educação ambiental, de conservação da natureza ou de regeneração de ecossistemas».

Susana Viseu acrescenta ainda que desenvolveram um projeto com a Câmara de Ovar, entitulado #fishingtheplastic, que envolveu as mulheres da comunidade piscatória e teve como foco o upcycling (reutilização) de plástico marinho, têm feito diversos workshops e têm várias iniciativas de educação ambiental nas escolas – o programa Embaixadoras da Sustentabilidade – Escola & Bairro, integrado no âmbito da Academia Act4OurFuture. No fundo, a BasN tem «uma atuação muito transversal», indo desde a «mobilização dos mais jovens até à intervenção mais política ao nível das Nações Unidas», convidando, ainda, «todos e todas a participar: ouvimos as várias ideias que possam ter de iniciativas que queiram realizar connosco, juntamos as várias pessoas e as várias organizações que possam contribuir para que o projeto aconteça, e tentamos arranjar financiamento para essas mesmas iniciativas».

 

Emancipação feminina?

 

 

Porque é que iniciativas como a Women4Climate e a Business as Nature são necessárias? Porque as desigualdades persistem na liderança ambiental em todos os setores e em todos os países, e essas desigualdades são consideravelmente significativas. «Por exemplo, apenas 15 % de todos os ministros de transição ecológica ou de ambiente do mundo são mulheres», diz Caterina Sarfatti. «E continuamos a ter muito poucas mulheres em posições de liderança, nomeadamente em Portugal, que temos apenas 15 % de mulheres na gestão de topo», aponta Susana Viseu; a nível de lugares de chefia, «ainda temos muito caminho para andar». A presença das mulheres nas negociações climáticas de alto nível também está fortemente sub-representada; «ainda nos dois primeiros dias da última COP, que é quando são feitas as declarações de alto nível pelos diferentes chefes de estado, deu para ver isso na foto de grupo». Segundo a Organização das Mulheres para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (WEDO), que integra uma plataforma (a Gender Climate Tracker) para monitorizar a evolução da participação feminina a nível de diplomacia climática, apenas 7 dos 110 líderes presentes eram mulheres e, da mesma forma, apenas 34 % dos membros das delegações dos mais de 190 países presentes eram mulheres.

Caterina Sarfatti fornece mais alguns dados: «apenas 15 % (a mesma percentagem, por coincidência) dos proprietários de terras – que têm uma participação muito forte na transição climática – são mulheres. A maioria dos empregos perdidos após desastres e crises são perdidos por mulheres – 90 % dos empregos perdidos em Itália durante a pandemia foram perdidos por mulheres; depois do furacão Katrina, dois terços dos empregos perdidos foram perdidos por mulheres e, especificamente, por mulheres afro-americanas. O setor da construção, que representa uma grande porção de empregos verdes para o futuro, ainda põe bastantes entraves ao acesso das mulheres». E, muitas vezes, o problema nem é o acesso em si. A especialista italiana comenta que em muitos dos projetos desenvolvidos pelas cidades C40 a grande preocupação é «garantir que as mulheres não apenas tenham acesso aos empregos, mas também que os consigam manter». Há muitas áreas profissionais em que não é socialmente aceite as mulheres trabalharem e, portanto, «as mulheres até podem ter acesso aos empregos com estes programas, como empregos em mobilidade, mas, por causa disso, depois sofrem mais discriminação em casa e na comunidade, sofrem violência doméstica dos companheiros, não têm onde deixar os filhos durante o dia ou não têm ninguém que possa ajudar quando eles ficam doentes», portanto, «é preciso ampliar os programas» de forma a criar redes de apoio.

A presidente da ONGA portuguesa fala igualmente do impacto de desastres naturais: «segundo as Nações Unidas, as mulheres e as crianças estão entre os grupos mais vulneráveis, e constituem inclusivamente 80 % dos refugiados climáticos». E porque é que as mulheres estão entre as mais afetadas? Caterina Sarfatti respondeu a essa pergunta em 2021: «Não é porque as mulheres são vulneráveis e frágeis por natureza, mas porque os sistemas patriarcais do mundo, os padrões sociais, as desigualdades existentes, as tornam, por um lado, mais expostas» a perigos e, «por outro lado, têm menos meios» para fazer frente às adversidades. A segunda parte é fácil de compreender: se as mulheres têm menos acesso à propriedade, se as mulheres são «vítimas da diferença salarial e ganham menos que os homens», se as mulheres «têm menos acesso aos sistemas públicos de saúde», qualquer tipo de choque ambiental, «pode destruir as suas casas, fazê-las perder o emprego, deixá-las mais vulneráveis e menos capazes de reagir».

Relativamente à exposição a perigos, a italiana exemplifica com uma imagem: «A mulher com o vaso que vai buscar água num país do sul global.» Se as mulheres são quem mais se ocupa com trazer água e comida para casa, quanto mais perigosa for essa deslocação, maior é a fragilidade – e, claro, as mulheres mais vulneráveis são as dos países mais pobres, que são precisamente quem menos contribui para o estado ambiental atual. Susana Viseu também fala desta questão, apontando que as mulheres «estão na linha da frente, não só do combate às alterações climáticas, mas também naquilo que é o assegurar o acesso à água e à alimentação por parte das comunidades», mas a portuguesa consegue encontrar aqui uma oportunidade. «As mulheres têm um papel fundamental naquilo que é, não só a ação climática, mas também naquilo que é a conservação dos recursos naturais e da adequada gestão desses mesmos recursos, seja de água, seja da biodiversidade, seja na promoção de uma agricultura mais sustentável. E, também, as mulheres são quem tem a decisão de compra em 85 % das casas, por isso também são fundamentais quando falamos na promoção de consumo e estilos de vida mais sustentáveis. Não se consegue fazer esta mudança sem envolver em primeira linha as mulheres – e através das mulheres chegarmos às famílias e a toda a comunidade.»

O que nos traz de volta ao outro lado da moeda: as mulheres são um eixo central nos esforços para combater as mudanças climáticas. Esta conclusão já foi apresentada num relatório do Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA) de 2009, mas têm sido vários os estudos feitos ao longo dos últimos anos a chegar justamente à mesma conclusão. Segundo o relatório da OCDE já mencionado, a «presença de mulheres na tomada de decisões políticas está ligada a metas e políticas climáticas mais ambiciosas. As mulheres nos conselhos corporativos priorizam consistentemente questões ambientais, sociais e de governança, incluindo clima e sustentabilidade. Na sociedade civil, as mulheres de todo o mundo estão a criar redes poderosas para combater a degradação ambiental e enfrentar as desigualdades relacionadas com o clima».

Nos últimos anos, em particular, o mundo tem assistido a «um enorme progresso nas mulheres a assumir a liderança na sustentabilidade e no ambiente». Caterina Sarfatti dá ao Gerador alguns exemplos: Greta Thunberg, que fundou o movimento Friday’s for Future e se tornou na cara da luta contra a crise climática a nível mundial; Christiana Figueres, que foi uma das principais responsáveis pelo Acordo de Paris em 2015; Alexandria Ocasio-Cortez, que foi e continua a ser a principal impulsionadora do projeto de um Green New Deal americano; e diversas mulheres fulcrais para a interseção entre a consciência ambiental e a consciência feminista, como Vandana Shiva, Jane Goodall, Wangari Maathai e Rachel Carson. E também tem havido uma amplificação do trabalho feminino em indústrias ambientalmente sensíveis, como o setor renovável, e na sociedade civil, como aponta a diretora administrativa da C40. «Normalmente, quem lidera a reconstrução após desastres climáticos são mulheres – por exemplo, no pós-furacão Katrina, quem liderou os esforços de reconstrução foram organizações da sociedade civil lideradas por mulheres. Nos povoados informais nos países do sul global, as associações que trabalham para uma melhor sustentabilidade são normalmente lideradas por mulheres», acrescenta. Nas negociações para se chegar a um consenso relativamente ao que viria a ser o Acordo de Paris, destaca ainda Susana Viseu, «os maiores avanços foram feitos quando as mulheres estiveram à frente dos processos».

É fácil perguntarmo-nos: porquê as mulheres? Caterina Sarfatti responde ao Gerador (salientando que esta é uma opinião pessoal e não a posição oficial de nenhuma organização) que «não diria necessariamente que as mulheres são melhores», mas sim que «a sociedade precisa de garantir acesso igualitário à liderança e à tomada de decisão». Mais importante do que «garantir a liderança feminina em cargos de decisão (o que é definitivamente importante), é garantir que as necessidades e desejos e contribuições de todos os tipos de pessoas e todos os grupos de mulheres são incluídos no processo de tomada de decisão». Isto significa assegurar que os processos são inclusivos não apenas para as mulheres já no topo, mas «para mulheres de diferentes origens e contextos sociais, como mulheres das classes trabalhadoras ou com baixos rendimentos, mulheres imigrantes, mulheres que enfrentam discriminações por outros motivos, mulheres forçadas a emigrar por causa das alterações climáticas, mulheres do setor dos cuidados de saúde e sociais (que é tão crítico no que toca a lidar com os impactos da crise climática), mulheres que normalmente não têm acesso à tomada de decisão em geral».

A especialista italiana defende que «a diversidade é sempre essencial para se poder fazer melhores escolhas para todos», porque as experiências de vida são distintas e, como tal, os cidadãos têm necessidades diferentes entre si. Se as mulheres – ou qualquer outro grupo tratado como minoritário – são sistematicamente discriminadas, as suas necessidades são menos respondidas e o seu bem-estar é mais afetado; no entanto, como são mais discriminadas, é-lhes garantido um menor acesso a processos de decisão, e as suas necessidades continuam a ser ignoradas, incluindo no que toca a políticas ambientais. Caterina Sarfatti chama a isto «um poderosíssimo ciclo vicioso». E se a maioria das cidades foi pensada tendo em conta as necessidades populacionais segundo uma filosofia em que o padrão é o masculino, e se a maioria das cidades foi pensada sem qualquer tipo de noção sobre o que seria o melhor para o planeta, esta é a oportunidade para repensar e reformular as cidades tendo em conta o ambiente e todas as pessoas que nelas habitam, acredita a presidente da BasN.

A especialista italiana defende que «a diversidade é sempre essencial para se poder fazer melhores escolhas para todos», porque as experiências de vida são distintas e, como tal, os cidadãos têm necessidades diferentes entre si. Se as mulheres – ou qualquer outro grupo tratado como minoritário – são sistematicamente discriminadas, as suas necessidades são menos respondidas e o seu bem-estar é mais afetado; no entanto, como são mais discriminadas, é-lhes garantido um menor acesso a processos de decisão, e as suas necessidades continuam a ser ignoradas, incluindo no que toca a políticas ambientais. Caterina Sarfatti chama a isto «um poderosíssimo ciclo vicioso». E se a maioria das cidades foi pensada tendo em conta as necessidades populacionais segundo uma filosofia em que o padrão é o masculino, e se a maioria das cidades foi pensada sem qualquer tipo de noção sobre o que seria o melhor para o planeta, esta é a oportunidade para repensar e reformular as cidades tendo em conta o ambiente e todas as pessoas que nelas habitam, acredita a presidente da BasN.

Paris, Londres e Barcelona são três da principais cidades do programa. Anne Hidalgo, a autarca da capital francesa, conseguiu juntar «um exército» de mais de 30 000 «Voluntários pelo Clima», cuja ação passa por divulgar informação sobre o Plano de Ação Climático de Paris e gerar maior consciencialização. A ex-presidente da Câmara de Barcelona, Ada Colau, criou um dos primeiros planos de ação com «uma componente muito forte na justiça climática com metas muito específicas», como a «meta de eliminação da pobreza energética até 2030, e suas prioridades giravam em torno da eficiência energética, habitação social, preparação de assistentes sociais, e também questões climáticas e energéticas para melhor lidar com a resiliência de comunidades vulneráveis – por exemplo, os idosos».

Várias das cidades envolvidas no programa de mentoria da Women4Nature já começaram processos de mudanças sistémica, e outros adotaram o programa permanentemente, revela Caterina Sarfatti. Explica que Lima incorporou o programa de mentoria na lei municipal como um compromisso para empoderar as mulheres. Vancouver adotou metas mais justas e equitativas – relacionadas à equidade de género – nos seus planos de ação climática. Bogotá escolheu a equidade de género e as mulheres na liderança como o tema da Convenção Internacional da Emergência Climática no final de 2023, e a sua autarca, Claudia López, ajudou a criou um programa de preparação de mulheres para se tornarem condutoras da nova frota de autocarros elétricos (sendo este um dos programas que foi selecionado para o fundo para ação climática inclusiva da C40). A Cidade do México conseguiu reformular o sistema de partilha de bicicletas e de mobilidade sustentável para ter em conta as necessidades das mulheres. A presidente da câmara de Cidade Quezon, Joy Belmonte, tem sido fundamental na criação de programas de empregos verdes e de melhor acesso a empregos verdes para comunidades vulneráveis.

Regressando à comunicação Porque é que as mulheres vão salvar o planeta, Caterina Sarfatti aponta que a transição ecológica corre o risco de ser «tão injusta quanto a crise que deseja superar» se os sistemas não forem «totalmente repensados sob outros pontos de vista e de um ponto de vista mais inclusivo». Já a concluir, cita o jornalista e ativista Alexander Langer, que defendia que «para ser eficaz, para ser possível, a transição ecológica deve ser “socialmente desejável”», acrescentando que, para ser desejável, «deve também ser justa. Deve também ser inclusiva. E deve também ser feminista sem ter medo dessa palavra».

Outra pessoa que a especialista italiana refere é precisamente Anne Hidalgo, aludindo à comunicação de abertura da convenção onde foi lançado o Women4Climate em 2016, altura em que a política francesa também assumia o cargo de presidente da C40, no qual se manteve até 2019. Anne Hidalgo concluiu o seu discurso com as seguintes palavras: «Hoje temos de aprender a construir juntos os espaços que vamos partilhar amanhã. Reinventar as nossas cidades implica também reinventar as nossas formas de governança. Implica trazê-las para uma nova era, onde irão desempenhar o papel de catalisadores das ideias, projetos e desejos dos cidadãos. Nas nossas cidades, a transição ecológica e energética deve ser acompanhada por uma nova evolução democrática. Tal perspetiva deve deixar espaço para as mulheres que lideram a luta contra o controlo do clima. Esta luta precisa de líderes conscientes de que os objetivos só podem ser alcançados quando as responsabilidades são assumidas sem esperar recompensas; líderes que sabem combinar perseverança, precaução e humildade. A luta pelo clima precisa, numa palavra: mulheres. A história das mulheres é uma história de batalhas e vitórias. A transição ecológica será seu próximo desafio. E também será a próxima vitória!»

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