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Pode ser mais fácil pensar nas alterações climáticas como algo distante – temporalmente, com consequências apenas num futuro indefinido, e espacialmente, com consequências para habitantes sem rosto de uma outra zona do planeta. No entanto, os efeitos são bem reais, e estão a ser sentidos atualmente por milhões de pessoas um pouco por todo o mundo. Estas pessoas têm um rosto, e também têm uma voz.

O Gerador contou com o apoio das equipas internacionais da Scientist Rebellion, da Greenpeace e da Extinction Rebellion para recolher testemunhos – ou histórias do clima – à volta do mundo. Esta é a sexta e última parte da grande reportagem “Repensar o sistema em que vivemos” para garantir um futuro mais sustentável e justo, que começou a ser publicada a 17 de novembro no Gerador.

 

Um ponto de situação: 2023, o início da “era da ebulição global”

 

O Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, conhecido como IPCC, divulgou a 20 de março um relatório que António Guterres, secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas), descreveu como “um guia de sobrevivência para a humanidade”. Este relatório síntese do Sexto Ciclo de Avaliação, formado por vários grupos de cientistas de diversos países que trabalharam sob a égide da ONU e avaliaram ao longo dos últimos anos as alterações no clima do planeta, resume os resultados de seis outros publicados entre 2018 e 2022. Cada grupo de trabalho contribuiu com um relatório diferente (com os subtítulos A Base da Ciência Física, Impactos, Adaptação e Vulnerabilidade e Mitigação das Alterações Climáticas), tendo sido desenvolvidos ainda três relatórios especiais (Aquecimento Global de 1,5°C, Alterações Climáticas e o Solo e O Oceano e a Criosfera num Clima em Mudança).

O documento desenvolve extensivamente as consequências das alterações climáticas desencadeadas pelo ser humano e as medidas necessárias para limitar o aquecimento global a 1,5ºC (graus Celsius) acima dos valores pré-industriais, salientando que tal ainda é possível, mas cada vez mais improvável, e que a humanidade deve lutar por uma meta o mais próxima possível desse valor. Ainda assim, já no final do ano passado, relatórios da UNFCCC (Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas) e do UNEP (Programa das Nações Unidas para o Ambiente) apontavam para uma possível subida global da temperatura de 2,5ºC até 2100, com estimativas no intervalo de 2,1 a 2,9.

Um ano depois, o Emissions Gap Report do UNEP de 20 de novembro (a 14.ª edição deste relatório de avaliação anual) tem logo como subtítulo Broken Record – Temperatures hit new highs, yet world fails to cut emissions (again). Estes relatórios estão de facto a tornar-se num ‘disco riscado’, verificando repetidamente que as temperaturas continuam a aumentar e que os cortes de emissões continuam a não ser suficientes. Apesar de algum progresso ter sido conseguido desde a assinatura do Acordo de Paris em 2015, mesmo que as nações cumpram as contribuições incondionais, o aquecimento global só será limitado a 2,9ºC, descendo esse número para 2,5 na eventualidade de os países implementarem também as contribuições condicionais.

Com o fim do ano a aproximar-se, já se tornou bastante claro que 2023 está a ser um ano preocupantemente atípico. A Organização Meteorológica Mundial (OMM) e o programa Copernicus Climate Change Service (C3S) da União Europeia estimam que julho tenha sido o mês mais quente de que há registo. Estes dados foram imediatamente acompanhados por declarações de António Guterres, que os classificou como “um desastre para todo o planeta”. “E para os cientistas, é inequívoco – os seres humanos são os culpados”, acrescenta o secretário-geral da ONU: “Tudo isto é inteiramente consistente com as previsões e os repetidos avisos. A única surpresa é a velocidade da mudança. As alterações climáticas estão aqui. É assustador. E é apenas o começo. A era do aquecimento global terminou; a era da ebulição global chegou.”

O último boletim mensal do C3S prevê que 2023 seja o ano mais quente desde que há registo. A cientista Samantha Burgess, vice-diretora do serviço de monitorização, diz que estamos “atualmente 1,43ºC acima da média pré-industrial”, frisando que a “urgência de uma ação climática ambiciosa na COP28 nunca foi tão grande”. A 28.ª Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, que vai decorrer do dia 30 deste mês até 12 de dezembro no Dubai, é o espaço de negociação anual para o qual a comunidade científica olha sempre sem grandes expetativas e da qual sai, ainda assim, desiludida ano após ano.

Ainda, na sequência do artigo “World Scientists’ Warning of a Climate Emergency”, publicado em janeiro de 2020 por cientistas membros da Alliance of World Scientists e que já conta com mais de 15.000 assinaturas, uma equipa internacional de 12 cientistas publicou a 24 de outubro um novo relatório em jeito de atualização. “A vida no planeta Terra está sob cerco”, escrevem logo na abertura. Salientam que a comunidade científica anda a alertar há décadas e que, “infelizmente, o tempo acabou. Estamos a assistir à manifestação dessas previsões à medida que uma sucessão alarmante e sem precedentes de recordes climáticos são ultrapassados, provocando o desenrolar de cenas de sofrimento profundamente angustiantes. Estamos a entrar num domínio desconhecido no que diz respeito à crise climática, uma situação que ninguém jamais testemunhou em primeira mão na história da humanidade”.

 

 

De acordo com um relatório dedicado à reflexão sobre refugiados climáticos, conduzido pelo Serviço de Investigação do Parlamento Europeu (o EPRS, da sigla em inglês), mais de 376 milhões de pessoas à volta do mundo foram forçadas a abandonar as suas casas desde 2008 devido a desastres climáticos, o que “equivale a uma pessoa a ser deslocada a cada segundo”. Estima-se que em 2022 mais 32,6 milhões de pessoas tenham passado a integrar esta categoria de ‘refugiado climático’, e o Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho prevê que a quantidade de pessoas afetadas duplique até 2050. Já o relatório Groundswell do Banco Mundial prevê que 216 milhões de pessoas em seis regiões do mundo possam ser forçadas a deslocar-se dentro dos seus países até 2050.​

Nas palavras do EPRS, “as alterações climáticas vão continuar a ter um efeito enorme em muitas populações, especialmente as que vivem em zonas costeiras e de baixa altitude. Só em 2023, centenas de milhares de pessoas foram afetadas por riscos naturais e  catástrofes climáticas severas em todo o mundo. Em setembro de 2023, a tempestade Daniel ceifou mais de 12.000 vidas na Líbia e 40.000 pessoas foram forçadas a abandonar as suas casas. No verão de 2023, as temperaturas na região do Mediterrâneo e nos EUA atingiram recordes máximos e as inundações na Emilia-Romagna, em Itália, mataram 14 pessoas e deslocaram 50.000. Em 2022, as inundações no Paquistão deslocaram mais de 10 milhões de pessoas, e o Corno de África sofreu a pior seca dos últimos 40 anos, o que levou à fome generalizada e à migração. Ainda em 2022, os EUA sofreram 18 desastres climáticos distintos na categoria de ‘mil milhões de dólares’, que infligiram danos que custaram mais de 165 mil milhões de dólares e ceifaram 474 vidas. O mais notável deles, o furacão Ian, que atingiu a Florida em setembro de 2022, tornou-se o terceiro desastre climático mais caro alguma vez registado, com 113 mil milhões de dólares em danos e 161 mortes. Entre 13 e 14 de julho de 2021, pelo menos 243 pessoas morreram em inundações em zonas do oeste da Alemanha, nordeste de França, leste da Bélgica, leste dos Países Baixos e Luxemburgo.”

“Acontecimentos como estes”, continua o documento, “devem servir como uma advertência grave de que as catástrofes relacionadas com o clima não se limitam simplesmente ao Sul Global, e que os efeitos das catástrofes de grande escala tradicionalmente observadas nos países em desenvolvimento, incluindo as deslocações, estão a tornar-se um fenómeno cada vez mais global e que está a ocorrer cada vez mais perto de casa”. Há duas décadas, três organismos da Organização das Nações Unidas – a Organização Mundial da Saúde, o Programa das Nações Unidas para o Ambiente e a Organização Meteorológica Mundial – já avisavam de que 150.000 pessoas estariam a morrer todos os anos como resultado do aquecimento global.

Segundo a Organização Meteorológica Mundial, os últimos 50 anos de eventos climáticos extremos provocaram mais de 2 milhões de mortes e 4,3 biliões de dólares em perdas económicas. ​Já a Organização Mundial da Saúde prevê que, entre 2030 e 2050, as alterações climáticas sejam a causa de 250.000 mortes adicionais por ano, “devido à subnutrição, à malária, à diarreia e ao stress térmico”, e que os custos dos danos diretos à saúde estejam entre os 2 e os 4 mil milhões de dólares por ano em 2030. No final do século, o número de mortes anuais provocadas pelas alterações climáticas estará nos 3,4 milhões, segundo o Health Data Explorer do Fórum dos Vulneráveis ao Clima e da Lancet Countdown.

Porém, por trás de tantos números e percentagens, gráficos e previsões, estão seres humanos. Quem são estas pessoas, e quais são as suas histórias? O Gerador contou com o apoio das equipas internacionais da Scientist Rebellion, da Greenpeace e da Extinction Rebellion para recolher testemunhos – ou histórias do clima – à volta do mundo: Benjamin Van Bunderen Robberechts, Jordan Andres Cruz, Viviana Manganaro, Lara (que escolheu não partilhar apelido), Sola Gratia Sihaloho, Guisella León Torres, Moinina Koroma, Gérardine Deade, Barbara Schramkowski, Janine O’Keeffe e Sam (que também escolheu não partilhar apelido). Alguns dos testemunhos foram recolhidos em entrevistas com contactos fornecidos por estas entidades, outros foram recolhidos pelas próprias entidades a pedido do Gerador, e outros ainda foram recolhidos numa conferência de imprensa para a qual o Gerador foi convidado a marcar presença.

Benjamin Van Bunderen Robberechts | Bélgica

[ativista pela justiça climática e pelos direitos das crianças]

O meu nome é Ben, sou de Bruxelas, na Bélgica, e sou ativista há muito tempo, mesmo tendo apenas 16 anos. Comecei com o ativismo pelos direitos das crianças, e há cerca de quatro anos que sou conselheiro juvenil do Comissário Nacional para os Direitos das Crianças. Continuo a fazer muitas coisas nesse âmbito, mas, nos últimos anos, tenho-me focado também no ativismo pela justiça climática, que está interligado.

No verão de 2021, tínhamos acabado de sair de confinamento e decidi ir para um acampamento para ativistas climáticos, para crianças e jovens que querem mudar o mundo. O acampamento foi nas Ardenas, uma área rural mais montanhosa no sul da Bélgica. E foi lá que conheci uma rapariga chamada Rosa, e tornámo-nos instantaneamente bons amigos.

No dia 4 de julho, ocorreram grandes inundações na Bélgica, na Alemanha e nos Países Baixos. Junto ao edifício onde estávamos a dormir, havia um pequeno riacho que atravessava a zona de campismo e que cerca de 200 metros à frente desaguava num rio muito grande. Eu, Rosa e mais alguns amigos estávamos no edifício, mas vimos que o riacho estava cada vez mais agitado e pensámos que o edifício também iria inundar.

Então, saímos para o campo, que tínhamos de atravessar para depois poder atravessar a ponte e subir para uma zona mais alta. De repente, o riacho inundou o campo, e eu honestamente não sei como aconteceu, mas a Rosa foi levada pela água. Ainda consigo vê-la só com a cabeça acima da água a berrar. Comecei imediatamente a correr ao longo do riacho, mas, mais à frente, havia arbustos, e eu não conseguia ir mais longe, então saltei para a água perto da Rosa, apanhei-a, e fiquei a segurá-la com um braço enquanto me agarrava com o outro a ramos que estavam inclinados por cima do rio. Só que a água estava muito forte, e as árvores escorregadias, e eu acabei por ficar submerso, e, a certo ponto, bati nalguma coisa que estava a sair da água e agarrei-a, ainda a segurar na Rosa. Mas veio uma onda mais forte, e ela escorregou da minha mão. Saí do riacho para tentar encontrá-la, mas não consegui vê-la mais. E ela foi encontrada três dias depois, sete quilómetros mais à frente no rio maior, morta.

Desde então, comecei esta campanha, #ClimateJusticeforRosa. Grande parte disto é contar a história às pessoas e fazê-las ver… Muitas vezes, quando falamos sobre alterações climáticas, falamos sobre números e percentagens, quando, na verdade, tudo isto é sobre pessoas. Há pessoas a morrer em todo o lado, em todo o mundo, principalmente no Sul Global, mas também mesmo aqui na Europa. E as pessoas precisam de entender isso, que há pessoas a morrer e que pode acontecer a qualquer um. E é isso que eu tenho tentado fazer.

Para além disso, também estive a trabalhar com o vice-presidente executivo do Pacto Ecológico Europeu da Comissão da União Europeia, que, no início deste ano, era o Frans Timmermans, e juntos instituímos o ‘Dia da UE para as vítimas da crise climática mundial’, que já foi aprovado pelo Parlamento Europeu e vai passar a ser celebrado todos os anos a 15 de julho.

Temos mesmo de fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para que toda a gente compreenda que as pessoas estão a morrer e que as alterações climáticas também são sobre pessoas. Porque se não fizermos nada, mais milhões de pessoas vão morrer. E acho que nem toda a gente entende isso, então é muito importante continuar a contar estas histórias específicas, individuais, pessoais, para conseguir chegar às pessoas e fazê-las sentir o quão destrutivas são as alterações climáticas, e que está na hora de agir.

Jordan Andres Cruz | Equador

[engenheiro ambiental, investigador e ativista da Scientist Rebellion Equador]

Este ano na representação da Scientist Rebellion no Equador temo-nos dedicado bastante a uma campanha grande, a #SíAlYasuní, para salvar o Parque Nacional do Yasuní, que é um dos lugares com biodiversidade mais rica do planeta, é uma Reserva da Biosfera da UNESCO e é o lar de povos indígenas como os Huaorani, os Tagaeri e os Taromenane. Esta campanha está mais relacionada com o extrativismo. No nosso grupo da Scientist Rebellion, exigimos a erradicação do extrativismo no Sul Global, que sofre com a mercantilização, o consumo excessivo e a concentração de riqueza e poder no Norte Global. Mas temos lutado contra as consequências e as causas das alterações climáticas em várias campanhas. Assim, referindo-nos às consequências das alterações climáticas, instalámos, em abril, uma placa comemorativa para o glaciar Carihuairazo, que está praticamente extinto devido à atividade antropogénica, placa esta que funciona como um sinal de emergência, para comunicar aos cidadãos e às autoridades que as alterações climáticas estão a acontecer agora, não são algo para o futuro.

No Equador, dependemos muito da sazonalidade. Sempre houve duas estações claras: a estação das chuvas e a estação seca. Mas essas estações têm mudado muito, e temos um período de chuvas grande, que agora vai de dezembro a março, e enfrentamos muitas inundações. Em março, por exemplo, milhares de pessoas foram afetadas e centenas de casas foram completamente destruídas. E obviamente temos falta de infraestrutura para deter esses eventos extremos. Depois das enchentes, tivemos uma seca muito intensa, e logo a seguir o super El Niño. Tudo isto nos atira para território muito perigoso porque a maior parte das atividades das pessoas aqui no Equador depende das duas estações, e isto provoca muita pobreza nas comunidades mais vulneráveis.
Historicamente, o Equador e a América do Sul não produziram muitas emissões de gases. Precisamos de uma abordagem de justiça climática em todas as decisões que forem tomadas – a nível local, nacional e global –, de forma a garantir, pelo menos, as necessidades básicas das populações das nossas comunidades. No Equador, enfrentamos muitas consequências relacionadas com insegurança de infraestrutura e insegurança alimentar, e também com o colapso ecológico, mas nós, ativistas, estamos a trabalhar arduamente para proteger a natureza que ainda temos. Temos um dos países com maior biodiversidade do mundo por área, mas, para proteger a nossa natureza, precisamos definitivamente de compensações do Norte Global, dos países que historicamente criaram o problema. É preciso tentar alcançar um certo equilíbrio entre os dois mundos, equilibrar a riqueza global, que, neste momento, não está distribuída de forma justa. Então, por exemplo, para proteger o Yasuní, precisamos de compensação através de projetos de investimento. Estamos comprometidos em proteger a nossa natureza, independentemente disso, mas penso que o Norte Global deveria ajudar e fornecer recursos para garantir as necessidades básicas destas comunidades.

A Scientist Rebellion Abya Yala está distribuída em oito países: Equador, Colômbia, México, Panamá, Peru, Chile, Bolívia e Argentina. Temos narrativas comuns porque todos os países são muito semelhantes e enfrentam situações semelhantes. Normalmente, a maior ameaça é o extrativismo; a posição de todos os países latino-americanos é a mesma: erradicar o extrativismo excessivo e forçado do Norte Global. No Panamá, andamos a tentar bloquear contratos de exploração mineira. No Peru, enfrentamos muitos problemas com as empresas petrolíferas; o derrame do ano passado destruiu ecossistemas e os meios de subsistência das comunidades, e a Repsol não está a trabalhar para restaurar os ecossistemas nem para proporcionar rendimentos alternativos a estas famílias que estão a ser afetadas.

Às vezes, é muito complicado tentar associar os sistemas tradicionais e o extrativismo às alterações climáticas. Na Scientist Rebellion, em todo o Sul Global, mas especificamente na América Latina, tentamos sempre ligar estas duas faces da mesma moeda, da mesma crise. A crise é interpretada como um consumo excessivo de recursos, mas quando falamos de alterações climáticas no Equador, não é algo que seja muito próximo das pessoas; porém, quando falamos de extrativismo e de como o extrativismo está associado às alterações climáticas, funciona melhor, por isso esta é a abordagem que temos aqui.​

Viviana Manganaro | Itália

[ativista da Greenpeace Itália]

A Itália é um país cada vez mais afetado por fenómenos meteorológicos extremos, e os nossos territórios sofrem cada vez mais perdas e danos graves, principalmente devido a inundações, como as que afetaram uma vasta área da região de Emilia-Romagna a 16 de maio, na sequência de outras que ocorreram apenas dez dias antes.

A estrutura geológica da área afetada fez com que as chuvas de intensidade e quantidade nunca vista na memória viva fizesse transbordar 23 rios em poucas horas, transformando toda a área num pântano gigantesco. A assistência da Proteção Civil e dos Bombeiros, coordenada pelas autarquias, começou de imediato a resgatar as pessoas e animais presos em casas, em telhados ou em cima de carros. Nos dias a seguir, os voluntários foram autorizados a começar a libertar as casas da água e da lama para ajudar as pessoas a recuperarem as suas vidas.

A Greenpeace Itália organizou rapidamente uma unidade de resposta rápida, para a qual já se preparava há algum tempo, depois de organizar a logística e fazer acordos com a associação que já coordenava o resgate no local. Fixou a sua sede numa quinta que acolheu todos os voluntários vindos de vários pontos de Itália e da Alemanha e iniciou atividades em conjunto com as Brigadas Ativas de Solidariedade, disponibilizando pessoas motivadas e capazes de dar apoio emocional, bem como camiões equipados com bombas de água, geradores e lavadoras de pressão.

A limpeza durou duas semanas e envolveu mais de 50 pessoas, com grupos de voluntários que se revezaram, oferecendo o tempo disponível e colaborando com bastante eficiência. A ajuda trazida foi enorme: muitas casas, garagens, empresas foram esvaziadas de lama, ruas inteiras até foram limpas de água, os voluntários conseguiram fazer com que as pessoas que perderam tudo se sentissem cuidadas, e isso foi o mais importante.

Lara | Indonésia

[equipa de prevenção de incêndios da Greenpeace Indonésia]

Eu sou a Lara, tenho 30 anos, e sou de Dumai, Riau. Quando chega a estação seca, significa que o ‘amigo’ indesejado que também aparece é o fumo. É obrigatório usar máscara, ficar em casa, a visibilidade fica reduzida, as escolas fecham, a economia é praticamente interrompida, as infeções respiratórias agudas multiplicam-se, os congestionamentos são coisas habituais que acontecem quando chega esta época. Crescer e viver em Riau, uma cidade que sofre de neblina e incêndios florestais todos os anos, é confuso inicialmente, mas, a certo ponto, uma pessoa começa a questionar-se e culpar-se. O que posso fazer? Porque é que isto continua a acontecer?

Ainda está bem vivo na minha memória: em 2016, um amigo disse-me que havia uma organização que procurava e convidava os jovens das comunidades afetadas a assumirem um papel ativo no combate aos incêndios florestais e terrestres. Não demorou muito para eu dizer sim e me registar para fazer parte da equipa de prevenção de incêndios da Greenpeace Indonésia. Este é o momento de tomar medidas reais de prevenção, e mesmo de reduzir ao mínimo possível o fogo e o fumo que se espalham.

O conhecimento e a formação em prevenção e combate a incêndios são fundamentais para esta equipa. Somos equipados de conhecimentos e competências por profissionais antes de irmos para o terreno para ajudar a apagar incêndios, e também convivemos e trocamos competências com as comunidades. Descobri muitas coisas quando me tornei bombeira. Conheci outras vítimas, contei e contaram-me histórias, e já chorei muitas vezes quando não foi possível extinguir os incêndios. Feliz e triste são as palavras certas para descrever o que é ser bombeiro florestal. Felicidade quando, finalmente, podemos assumir este papel para evitar que os desastres se espalhem, mas também tristeza por nos termos de tornar bombeiros por causa de desastres que não criamos.

A experiência de ser bombeira não é uma coisa fácil, até porque não é nada raro ser alvo de estigmas negativos – ‘ah, mulher não consegue levantar pesos!’, ‘não tens medo de que a tua pele fique com acne ou que fique mais escura? depois ninguém te quer’. Para mim, ser bombeiro não é uma questão de ser homem ou mulher; é uma questão de fazer o que podemos para evitar que desastres maiores se repitam. E esta é a pequena contribuição que posso dar para salvar a mim mesma, a minha família, os meus amigos, a minha comunidade e o ecossistema que amo.

Sola Gratia Sihaloho | Indonésia

[equipa de prevenção de incêndios da Greenpeace Indonésia]

O meu nome é Sola Gratia Sihaloho, a mais velha de dois irmãos, uma mulher Batak que mora em Ketapang, West Kalimantan. Fui estudante e trabalhei num supermercado antes de integrar a equipa de prevenção de incêndios da Greenpeace Indonésia. Ketapang é uma área que quase nunca está livre de incêndios florestais e desastres de fumo – estou familiarizada com esta realidade desde a infância.

O caos de incêndios e fumo de 2015 é algo que nunca esquecerei. Lembro-me como se fosse hoje, os incêndios foram tão maus que a visibilidade não chegava a um metro. Naquela época, o fumo não costumava escapar tanto para o meu local de trabalho, mas a situação ficou tão grave que fez com que um dos meus colegas vomitasse sangue, desmaiasse e fosse diagnosticado com infeção respiratória aguda.

O estigma do fumo é comum, a ideia de que o fumo é inofensivo, mas quando invade as comunidades é muito perigoso para as pessoas, e elas não se apercebem disso. Tudo isto é resultado das nuvens de fumo crónicas e dos incêndios florestais que ocorrem sem qualquer solução definitiva e prevenção por parte dos decisores políticos. Na zona onde vivo, as crianças pequenas andam de um lado para o outro na rua a brincar sem usar máscara, mesmo que estejam sempre a tossir. Como é que algo tão sério como isto pode ser considerado normal?

Também sou voluntária na Fundação Palung, uma organização que se concentra na conservação de florestas e orangotangos. Em 2017, recebi informações e uma oferta da fundação Palung para me juntar à equipa de prevenção de incêndios da Greenpeace Indonésia. Na altura, pensei que, ao passar a ser um membro da equipa de prevenção, talvez pudesse tornar-me numa voz da minha comunidade para que este incêndio florestal crónico não continuasse a acontecer no futuro, e que talvez pudesse educar a comunidade sobre o perigo do fumo, que é mortal, mas cujo impacto pode até não ser sentido agora, mas sim nos próximos 10, 20 ou 30 anos.

São muitas as histórias de todas as minhas viagens como bombeira, mas há algumas histórias tristes que são inesquecíveis. Uma delas aconteceu em 2018 em Kubu Raya. Os ocupantes de uma das casas cujo terreno envolvente ardeu optaram por ficar em casa, apesar de terem uma criança pequena que não conseguia parar de tossir, e de a casa estar rodeada de fumo. ‘Se eu evacuar, tenho medo que minha casa arda, então não podemos fazer nada a não ser ficar e continuar a respirar o fumo’, foi a resposta da mãe quando lhe perguntei por que razão escolhera ficar, embora eu tivesse explicado que permanecer no meio daquele fumo todo era perigoso para o seu filho, que já estava a tossir há um mês. Ela explicou-me que, se durante a noite o fogo começasse a aproximar da área da casa, eles saíam de casa com mangueiras e apagariam o fogo, e que colocariam lonas e faixas para evitar que o fumo entrasse na casa.

Palangkaraya, a capital de Kalimantan Central. Em 2019, foi quase a mesma experiência do incidente em Kubu Raya. O incêndio estava a chegar às casas, havia uma mãe a berrar por ajuda para apagar o fogo que já tinha chegado ao seu quintal, enquanto segurava num bebé de cinco meses, segurava o seu outro filho pequeno, e segurava documentos valiosos. Aproximámo-nos do local e ouvimos outros gritos, desta vez de uma criança. Logo a seguir, um senhor a pedir ajuda, um pai de família que só repetia que não ia conseguir construir outra casa se aquela ardesse.

Noutra ocasião, ao fazer uma supressão, tive a oportunidade de conversar com uma mãe que estava a combater o fogo à sua maneira, com apenas uma mangueira de plástico, sandálias comuns nos pés e sem qualquer tipo de máscara na cara. O fumo espesso não abalava a sua determinação em extinguir o fogo. Quando lhe perguntei porque não tinha evacuado, porque não usava máscara, se não se sentia a sufocar, ela deu-me uma resposta mesmo triste: ‘ah, já estou habituada, isto já é como se fosse uma rotina anual. Afinal, há incêndios todos os anos. Estes pulmões são fortes, já não fico doente. E mesmo que fique doente, é só não falar durante uns tempos e volto a ficar saudável. O meu filho é que já está a tossir há semanas’. Também não queria evacuar porque tinha medo de que a casa ardesse se não estivesse lá para a proteger. O fogo infinito fazia com que às vezes tivessem que ficar acordados dia e noite para que o não se espalhasse.

O mais triste é que eu e todos os sobreviventes deste tipo de desastres é que somos obrigados a estar sempre vigilantes, independentemente da hora. As pessoas ficaram cegas para os perigos porque as faíscas chegaram sem a nossa permissão, voaram livremente, e havendo a possibilidade de a própria casa arder, parecia não haver outra escolha para lá de ficar e inalar o fumo. O fogo não reconhece crianças ou adultos, homens ou mulheres. As faíscas espalham-se mal a temporada chega. Para mim, a Indonésia tem três estações (e já não apenas duas estações como de costume), que são a das secas, a das chuvas e a dos incêndios e da fumaça.

Guisella León Torres | Peru

[arquiteta interseccional e ativista da Scientist Rebellion Peru]

Juntei-me à Scientist Rebellion porque é importante falar sobre a crise climática, os seus impactos nos ecossistemas e como afeta a desigualdade. E pertencer a este movimento permite a troca de informações sobre ao assunto, a partir de diferentes perspetivas e partes do planeta. Isto é muito valioso e importante, porque precisamos de saber isso para realizar ações e propostas mais eficazes. Isto acontece no Norte Global, aquilo acontece no Sul Global, precisamos de conhecer os seus impactos.

A minha preocupação com as alterações climáticas e os seus impactos no território começa desde os meus tempos de formação. Aqui, no Peru, temos uma diversidade ecológica reconhecida internacionalmente; porém, muitas vezes, as autoridades, nas suas mais diversas escalas, não demonstram grande interesse nisso, na redução da poluição atmosférica natural proveniente de atividades extrativistas, nos desastres naturais em contexto das alterações climáticas que estão a afetar esta biodiversidade.

Esta preocupação levou-me a fazer intervenções em espaços diretamente onde estas coisas acontecem. Juntamente com outras pessoas, algumas também da equipa da Scientist Rebellion Peru, fomos expostos a um conflito indireto com o que chamamos ‘traficantes de terras’. São pessoas que ocupam áreas naturais protegidas de forma violenta e dispõem de recursos económicos e políticos para acelerar os processos de autorização urbana, ou de intervenção no caso de atividades extrativas, junto das autoridades locais e nacionais. Há autárquicos, deputados e presidentes que estão envolvidos nesses eventos. Isto é possível porque as autoridades que deveriam garantir o bem-estar das populações estão a zelar pelos seus interesses económicos, e isto também acontece porque a população em geral não está consciente do que o processo das alterações climáticas significa na sua vida quotidiana e como irá afetá-la a si e aos seus descendentes. E também existe muita apatia, ainda mais em relação ao envolvimento com estes espaços de ação. É aqui que os académicos, os cientistas, podem fazer a diferença. Sabemos o que está a acontecer, o que é necessário para poder controlar as alterações climáticas, e podemos espalhar esse conhecimento.

O processo mais recente com impactos nacionais no meu país foi o derrame de 12.000 barris de óleo no mar do Peru pela Repsol, que teve um impacto ecológico muito grave, com a presença ainda hoje de hidrocarbonetos e outros produtos químicos nos sedimentos marinhos, ocupando 180 hectares de costa e 730 hectares de superfície marinha, segundo os últimos relatórios da OFA. Isto teve um impacto no desenvolvimento da vida marinha, que se torna visível graças a estas publicações. A população local exige que a Repsol realize atividades de remediação, porque isso afeta não só a sua economia, mas também o seu dia a dia – a vida destas pessoas está ligada ao mar. Porém, mesmo tendo em conta os impactos, a empresa não está a empreender ações reais de remediação. É por isso que na Scientist Rebellion Peru e a Abya Yala temos andado a debater um documento participativo comum com cientistas locais, ativistas ambientais, autoridades preocupadas com o assunto e com a população diretamente afetada pelo derramamento, a fim de ser divulgado nos espaços de discussão e tomada de decisão. No Sul Global em geral, e na Abya Yala em específico, é muito perigoso fazer ações diretas, mas nós falamos na mesma, e merecemos ser ouvidos.

Moinina Koroma | Serra Leoa

[cientista ambiental e ativista da Scientist Rebellion Serra Leoa]

Sou o Moinina, de Serra Leoa, África Ocidental, e represento a Scientist Rebellion Africa. Há demasiado tempo que a crise climática em África é uma situação em que consideramos uma lacuna de compreensão. Estamos a sofrer as consequências da crise climática, mas África não emite a maior parte destes gases. As nossas vozes precisam de ser ouvidas, e os cientistas são essenciais porque informação é poder, e com informação também se pode liderar, liderando a transformação. Portanto, no geral, o que estamos a analisar aqui tem a ver com garantir que nos reunimos com os nossos governos e decisores políticos e que nos é dado o espaço para negociarmos, garantindo também que avançamos na mobilização e sensibilização ativa dos cidadãos. Porque a maioria das pessoas que são cidadãos africanos, ou mesmo especificamente de Serra Leoa, não compreende o que consideramos serem alterações climáticas. Durante os eventos da campanha de abril do ano passado, muitos dos participantes não compreenderam o conceito, a definição de alterações climáticas, nem como estas os afetam. E foi também surpreendente perceber que apenas 2% das pessoas conseguiam entrar em detalhe.

A maioria das pessoas ainda está em negação em relação aos fenómenos meteorológicos que ocorrem em África. Acreditam que a crise climática é algo natural – portanto, é algo que não acontece devido às atividades humanas. A isso, é claro, o IPCC já respondeu que a maioria das emissões são externas, provocadas pelas atividades humanas, pela nossa imposição por uma vida melhor e pelo nosso desejo de nos equipararmos aos países mais desenvolvidos. Assim, durante aquele evento, onde representávamos a campanha 1,5º is Dead, e agora já na The Science is Clear, procuramos envolver mais cidadãos na questão da crise climática. Isto significa, primeiro, identificar os nossos problemas locais. Essa será a primeira dimensão, porque cada país tem uma abordagem diferente, e também diferentes problemas climáticos que dizem respeito à sua localização geográfica. Portanto, envolvemos mais cidadãos para identificar uma abordagem holística que possamos usar como exigência, porque não se pode envolver decisores políticos e governos, influenciar decisões, sem apoio, sem justificações adequadas a esse respeito.

De um ponto de vista mais geral, as exigências que temos são a eliminação dos combustíveis fósseis e que os países do Norte Global reduzam as suas emissões. De forma local, também temos como exigência encorajar os cidadãos a abandonar o corte de árvores para subsistência e a queima de carvão, e a procurar alternativas que os façam prosperar mas dentro – ou até com diminuição – das nossas taxas de emissões, e do impacto da nossas atividades, no Global Stocktake.

Gérardine Deade | República Democrática do Congo

[investigadora e ativista da Scientist Rebellion República Democrática do Congo]

O meu nome é Gérardine Deade. Sou da República Democrática do Congo (RDC), e sou investigadora na Universidade de Kinshasa. Trabalho com a Scientist Rebellion há dois anos, tenho participado em diversas ações, incluindo as inseridas na campanha The Science is Clear. Porque é que entrei para a Scientist Rebellion? Estava tão farta de ver os efeitos nocivos das alterações climáticas no meu país e por todo o continente. Estamos a viver isto vez após vez. Em dezembro no ano passado, ocorreram diversas enchentes e deslizamentos de terra, crianças morreram, alguns dos meus colegas perderam entes queridos. Temos publicado artigos que têm como objetivo evidenciar esta situação, temos tentado apelar às autoridades e aos cientistas para que atuem. Este ano outra vez, no dia 5 de maio no leste do país, houve chuvas torrenciais, e mais de 400 pessoas morreram por causa dessas enchentes. Até as crianças foram arrastadas pela água.

Estamos a ver as alterações climáticas de uma forma tão tangível que já é uma questão existencial. Não temos mais tempo a perder, não podemos ignorar a ciência climática, não podemos ignorar os efeitos das alterações climáticas – estamos a vivê-los todos os dias. África representa apenas 4% das emissões de gases com efeito de estufa, mas África está a sofrer as piores consequências, estamos completamente na linha de frente. Não podemos apenas aplaudir discursos, não devemos apenas confiar nas promessas que os políticos fazem, precisamos de agir em nome da ciência. E devo dizer que ninguém está seguro. Eu também estou a ser afetada e, como disse, alguns dos meus compatriotas e colegas viram os seus entes queridos a morrer devido a estes fenómenos climáticos extremos. Um ativista da Scientist Rebellion, aqui na RDC, morreu como resultado de um destes eventos climáticos extremos. Isto não é algo que possamos ignorar, temos de agir agora. Qual é a utilidade de publicar artigos, se nada muda no terreno? Isso é algo que estou constantemente a perguntar-me. É fundamental que os cientistas que compreendem a extensão do problema ajam, é importante que se juntem a nós, é importante que digamos a verdade às pessoas – e às autoridades também, a verdade sobre os impactos das suas decisões, porque precisamos que sejam tomadas as decisões certas.

É por isso que queria apenas falar sobre as consequências no meu país. A RDC é considerada um país de soluções, mas estamos a sofrer os efeitos das alterações climáticas todos os dias e continuaremos a lutar. Não podemos apenas ser observadores ou investigadores. Eu mesma tomei uma decisão: não adianta continuar a chorar, é melhor transformar as lágrimas em ação. É por isso que lideramos ações e assumimos riscos – na verdade, estamos a correr riscos reais ao participar em ações diretas aqui na RDC. Estamos a tentar conscientizar as pessoas, e, em maio, organizámos ações e marchas, e também tentámos envolver professores e estudantes da Universidade de Kinshasa, porque não queremos apenas envolver os alunos, queremos envolver toda a gente e agir de acordo com a ciência.

Barbara Schramkowski | Alemanha

[investigadora interseccional e ativista da Scientist Rebellion Alemanha]

O meu nome é Bárbara. Vivo na Alemanha, portanto, num país que tem uma enorme responsabilidade em relação à ação climática. Estou a trabalhar nas causas e consequências sociais da crise ecológica, na ligação entre as desigualdades e injustiças sociais e a crise climática, e na biodiversidade e na transformação ecossocial. Falo como cientista, mas também como ativista climática na minha cidade natal, em Friburgo, e como membro da Scientist Rebellion, e também como mãe e como cidadã.

Como trabalho todos os dias nas injustiças sociais da crise ecológica, vejo todos os dias essas injustiças relativas à raça, classe, género, corpo e idade. E na Alemanha, na universidade, o meu foco é preparar os estudantes para trabalharem em serviços sociais para crianças e jovens e as suas famílias. E estou a tentar ensinar aos alunos como melhorar as condições, para que os jovens se possam desenvolver bem. Mas isso está a tornar-se cada vez mais difícil para mim, porque sei que a crise climática também é uma crise dos direitos das crianças. Como, por exemplo, o Índice de Risco Climático Infantil, entre muitos outros relatórios, indicou, a crise ecológica é a maior ameaça para crianças e jovens no que diz respeito à saúde. A crise climática e ambiental tem consequências efetivamente graves para as crianças, especialmente para as crianças pequenas.

E estou tão preocupada, e estou tão triste com a quantidade de destruição social e ecológica a que estamos a assistir, e estou muito zangada com todos os políticos que não estão a agir como deveriam. E estou também muito triste por ver que os ativistas climáticos têm sido tratados com cada vez mais violência. Vemos políticos a insultar ativistas climáticos, vemos ativistas climáticos a serem presos apenas por dizerem a verdade e por defenderem que a ciência é clara. Acabei de voltar de Espanha, onde vivi há alguns anos, e fiquei muito triste ao ver como a seca está a afetar todo o país. E estou especialmente preocupada com os meus próprios filhos, e com o futuro de todas as crianças. E não entendo como os políticos ainda podem ignorar o compromisso dos jovens no movimento climático, e como na Alemanha muitos políticos e grande parte da imprensa continuam a ignorar e a silenciar os resultados do IPCC. É tudo tão irresponsável.

E é por isso que me juntei à Scientist Rebellion no ano passado, porque sei que não posso continuar a escrever e a falar sobre a crise, também tenho de agir na rua. Estive envolvida, por exemplo, em dois bloqueios em apoio à Letzte Generation em Berlim. Estive em Lützerath, a famosa aldeia alemã que foi destruída em janeiro pela indústria extrativa de carvão, para o lucro da empresa RWE, apesar de todos os perigos dos combustíveis fósseis serem tão evidentes, apesar de milhares de pessoas protestarem, e de se ter provas claras de que o carvão que lá está enterrado não é necessário para o abastecimento de energia da Alemanha. Estive na linha da frente de Lützerath, a enfrentar os milhares de agentes da polícia a defender os interesses de uma empresa de combustíveis fósseis. É inacreditável, e é por isso que vou continuar com a Scientist Rebellion, porque tudo isto me deixa triste e irritada que nem consigo dizer quantas emoções estão a ser evocadas com esta inação dos nossos políticos e com todas estas injustiças.

Janine O’Keeffe | Suécia

[engenheira, economista e ativista pela justiça climática]

Sou mãe de três filhos, engenheira e economista, com grande amor e respeito pela matemática e pela física. Também faço simplesmente parte da humanidade, e neste momento tenho muito medo pela humanidade. Os cientistas estão assustados. Como uma engenheira que calcula riscos, estou com muito medo. Nunca me seria dada a aprovação para construir uma ponte com elevado risco de colapso, mas vivo numa sociedade onde aprovamos silenciosamente um risco muito elevado de colapso. Os cientistas da NASA e do IPCC também estão assustados, os principais cientistas da atualidade já falam abertamente sobre o colapso da civilização em apenas algumas décadas. O nosso silêncio vem compactuando com isso há décadas, somos todos adultos a dar a nossa aprovação final nesta década.

E é aqui que entram os media. Durante décadas, assistimos a desastres sem precedentes. Estamos a caminhar para o colapso. Além disso, estamos a começar a assistir à parte mais assustadora do colapso climático, à aceleração dos pontos de viragem irreversíveis que se aproximam. Em 2018, os primeiros pontos de inflexão situavam-se entre 1,5º e 2°. Agora, calcula-se que, em 2021, cinco pontos de inflexão já estivessem antes de 1,5º. E, é preciso lembrar, o 1,5º está morto. Atualmente, ainda temos boas hipóteses de pisar os travões do comboio, mas nem estamos sequer a tentar. Se isso não assusta uma pessoa, então é porque não entende a ciência do IPCC e não entende que não podemos negociar com a física. Os meus media estão praticamente silenciosos. O facto de o meu Governo não mostrar nenhum sinal de medo aterroriza-me. O facto de as empresas de combustíveis fósseis conhecerem empiricamente o nosso caminho desde 1959, antes de eu nascer, aterroriza-me.

Trabalho com o colapso climático há cinco anos (ajudei a fundar o movimento internacional Fridays for Future em 2018) e com a Scientist Rebellion há um ano, e vejo uma enorme diferença entre quando uso a bata branca e quando não a uso. O respeito da polícia é completamente diferente. Sou facilmente presa se não usar a bata branca, mas se a usar, é mais provável não ser presa – e se for, normalmente retiram as acusações, enquanto se for presa sem a bata branca, as acusações até aumentam. Até a Suécia, com uma boa democracia, onde a polícia é gentil e respeitosa, está agora a exagerar na interpretação da lei. Fui pessoalmente suspeita de sabotagem. Há cerca de cem casos de suspeita de sabotagem, temos umas vinte condenações, entre elas uma criança, por ficar sentada numa estrada numa ação pacífica de curta duração. Isto é ridículo e está em desacordo com todas as recomendações da ONU.

Os cientistas têm poder. Os media têm poder. Os cidadãos têm poder. Encontrem a vossa voz.

Sam | Quénia

[ativista da Extinction Rebellion Quénia]

Sou pai de dois filhos e optei por deixar Nairobi e regressar às minhas raízes no interior do Quénia em 2021. Tinha-me ligado à Extinction Rebellion Quénia dois anos antes, onde organizei workshops de comunicação não violenta e defendi a resiliência aos conflitos. A minha missão atual é estabelecer uma exploração de permacultura duradoura para capacitar as comunidades quenianas. Mas, à medida que nos esforçamos para semear a sustentabilidade, a nossa terra está a ser cercada.

Os Emirados Árabes Unidos (EAU) estão a promover os créditos de carbono como uma solução para as questões climáticas, mas estes esquemas escondem uma verdade mais sombria: despejos em massa de comunidades indígenas. Sob o pretexto de proteger as florestas recentemente vendidas a uma empresa de crédito de carbono dos EAU, o presidente queniano ordenou o despejo dos que lá vivem. Inúmeras pessoas enfrentam a perda das suas casas, das suas terras ancestrais e da sua identidade. Estas expulsões violam flagrantemente os direitos humanos. Até as decisões judiciais a favor dos direitos indígenas estão a ser ignoradas, enquanto as verdadeiras causas da desflorestação são ignoradas. É uma grande apropriação de terras disfarçada de preocupação ambiental.

Estou triste por ver uma iniciativa com o poder de beneficiar as comunidades quenianas a ser corrompida num esquema que as priva e as destrói. Os EAU tinham ambições de alargar os seus planos de créditos de carbono durante a COP28, e os rebeldes no Quénia estão a resistir a esta ameaça global. Como africanos, acreditamos mais naquilo que vemos do que naquilo que ouvimos. Não vamos desistir de continuar a apoiar as comunidades locais até que estes falsos acordos ambientais deixem o nosso continente de vez.

Ainda: David Jesero | Ruanda

O meu nome é David Jesero. Sou do Uganda, mas moro no Ruanda. Em 2018, juntei-me ao movimento climático, organizando primeiro com a Extinction Rebellion. Em 2021, juntei-me também às Climate Reality Leadership Corps, uma iniciativa que inclui a formação de líderes locais sobre as alterações climáticas para que possam educar outras pessoas na sua comunidade. Fundada pelo ex-vice-presidente dos EUA, Al Gore, fui treinado por ele online. No ano seguinte, 2022, acrescentei mais dois movimentos: Scientist Rebellion, seguida da Debt for Climate.

🡪 A história de David Jesero está disponível aqui.

Ainda: Mais histórias e mais vozes

O My Climate Story é um projeto de investigação público que incentiva os participantes a considerarem as alterações climáticas globais numa escala pessoal, iniciado e apoiado pelo Programa Penn em Humanidades Ambientais (PPEH) da Universidade da Pensilvânia, na Filadélfia, EUA.

🡪 Este ‘banco de histórias’ de todo o mundo está disponível aqui.

 

As alterações climáticas são consideradas a maior crise que a humanidade alguma vez enfrentou. Mesmo com consciência das consequências, a quantidade de gases com efeito de estufa que emitimos para a atmosfera continua a aumentar anualmente; segundo a monitorização da Climate Watch, temos vindo a aproximar-nos cada vez mais das 50 mil milhões de toneladas anuais. Cientistas e ativistas defendem que é necessário repensar, adaptar e restruturar o sistema em que vivemos, e que fazê-lo é urgente, uma vez que o prazo de validade do nosso modo de vida está a esgotar-se. Mas como se repensa o sistema? Por onde se pode começar, quais os caminhos a seguir e quais as possíveis alternativas e soluções? Como poderia ser a vida nas cidades sustentáveis do futuro? E quais os maiores obstáculos para lá se chegar?

 

Esta grande reportagem tem seis partes que serão publicadas ao longo de seis semanas nas datas indicadas em baixo.

Clica em cada um dos círculos para as leres.

 

As alterações climáticas são consideradas a maior crise que a humanidade alguma vez enfrentou. Mesmo com consciência das consequências, a quantidade de gases com efeito de estufa que emitimos para a atmosfera continua a aumentar anualmente; segundo a monitorização da Climate Watch, temos vindo a aproximar-nos cada vez mais das 50 mil milhões de toneladas anuais. Cientistas e ativistas defendem que é necessário repensar, adaptar e restruturar o sistema em que vivemos, e que fazê-lo é urgente, uma vez que o prazo de validade do nosso modo de vida está a esgotar-se. Mas como se repensa o sistema? Por onde se pode começar, quais os caminhos a seguir e quais as possíveis alternativas e soluções? Como poderia ser a vida nas cidades sustentáveis do futuro? E quais os maiores obstáculos para lá se chegar?

 

Esta grande reportagem tem seis partes que serão publicadas ao longo de seis semanas nas datas indicadas em baixo.

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