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Migrantes climáticos: a crise que define o nosso tempo

A cada ano, mais de 21 milhões de pessoas são forçadas a abandonar o seu lar e deslocar-se por causa dos perigos das alterações climáticas. Secas, cheias, tempestades devastadoras e o aumento do nível do mar são ameaças cada vez mais recorrentes. Para onde vão os migrantes climáticos?

Texto de Redação

As chuvas torrenciais de agosto no Paquistão provocaram perto de 8 milhões de desalojados. ©Usman Ghani, 2022. Fotografia da cortesia de Portugal com ACNUR

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São eventos extremos, mas cada vez mais frequentes. Chuvas torrenciais, seca prolongada, ondas de frio ou calor, incêndios incontroláveis, ciclones verdadeiramente devastadores. Os habitantes de todos os continentes têm visto, nas últimas décadas, um aumento drástico na frequência destes acontecimentos. O Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC), no seu relatório de 2021, chama a atenção para esta consequência das alterações climáticas: para além do aumento do nível do mar e a perda de biodiversidade, a proliferação de eventos climáticos extremos põe em risco todos os humanos do planeta, forçando populações inteiras a deixar, muitas vezes sem retorno, o seu lar.

Há ainda o agravante de os efeitos adversos das alterações climáticas estarem a ser sentidos de maneira mais acentuada em regiões vulneráveis e empobrecidas do mundo. A escassez de água e alimentos, o fim da habitação segura e o completo desaparecimento do terreno habitável, têm desencadeado deslocações internas e transfronteiriças que, segundo todas as previsões, serão cada vez mais recorrentes nas próximas décadas.

“Ao longo dos milénios, os movimentos populacionais têm sido sempre uma estratégia para enfrentar ou escapar a ambientes insustentáveis ou em deterioração”, afirma um representante da entidade Portugal com ACNUR (Agência das Nações Unidas para os Refugiados), em conversa com o Gerador. Porém, estima-se que no nosso século essa tendência se intensifique como nunca antes na história recente. Segundo dados desta organização, uma média de 21,5 milhões de pessoas por ano desde 2008 têm sido forçadas a migrar devido a acontecimentos relacionados com o clima. “O Centro de Monitorização de Deslocações Internas estima que, só em 2021, houve cerca de 23,7 milhões de deslocações de pessoas dentro dos seus próprios países devido a eventos climáticos extremos, como inundações, tempestades e secas.”

Mas os eventos extremos não são a única causa de migração climática. “O Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas adverte que, até ao final deste século, a temperatura média global aumentará entre 2,1 a 3,5 graus centígrados em comparação com a era pré-industrial.” O impacto cumulativo da contínua degradação ambiental, crescente escassez de recursos e temperaturas intoleráveis desencadeia um efeito dominó que pode culminar em violência ou insurreição social. Para além da pobreza e devastação, existe uma correlação, verificada no relatório das Nações Unidas Tendências Globais de Deslocações Forçadas de 2020, entre alterações climáticas e a ocorrência de conflitos armados.

O Registo de Ameaças a Ecossistemas (ETR), apresentado em setembro de 2018 pelo Instituto para a Economia e a Paz, uma organização sem fins lucrativos sediada em Sidney, estima que durante os próximos trinta anos, mil milhões de seres humanos ver-se-ão forçados a deslocar-se por ameaças ligadas ao clima. “As questões, porém, de quantas pessoas serão desenraizadas pelas alterações climáticas nos anos futuros, e como serão satisfeitas as suas necessidades básicas, permanecem sem resposta”, adverte a Portugal com ACNUR. Num mundo onde o espaço habitável é cada vez mais limitado, para onde irão estas pessoas?

Enquanto milhões de humanos, neste preciso momento, deslocam-se para encontrar abrigo, os Estados do mundo procuram dar-lhes um enquadramento legal e jurídico, sem ainda garantirem se podem ser considerados refugiados.

Refugiados da Somália no Quénia, vítimas da seca. ©UNHCR/Nabil Narch, 2022. Portugal com ACNUR

Uma terminologia hesitante

Segundo as Nações Unidas, o termo “refugiado” aplica-se apenas a uma pessoa forçada a atravessar fronteiras internacionais devido a uma ameaça real de “ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas” (Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951). Em certas situações, a definição pode ainda abranger indivíduos ou grupos que fogem de “circunstâncias que tenham perturbado gravemente a ordem pública” (Declaração de Cartagena de 1984).

As deslocações forçadas pelas alterações climáticas costumam ocorrer, numa primeira instância, dentro dos próprios países e não em contexto de perseguição, pelo que a definição de “refugiado”, de acordo com as Nações Unidas, seria imprecisa. “É mais correto referir-se a ‘pessoas deslocadas no contexto de catástrofes e alterações climáticas’”. Outras expressões válidas seriam “migrantes climáticos” ou “migrantes ambientais”.

Porém, como já foi mencionado, é comum o contexto de perigo ambiental estar associado a uma situação de conflito armado, em que o estatuto de refugiado da Convenção de 1951 já seria aplicável. No seguimento do relatório de 2018, In Harm’s Way (No Caminho do Dano), o ACNUR publicou considerações jurídicas para que os países possam analisar os pedidos de asilo nestes casos.

Intersecionalidade entre conflitos armados e alterações climáticas

O colapso social é uma das consequências das alterações climáticas. A Síria, o Sudão, o Chade ou a América Central são exemplos recentes de situações de migração causada por catástrofes ambientais que desencadearam um conflito armado, onde às pessoas desenraizadas se lhes pode reconhecer o estatuto de refugiados, obtendo proteção internacional.

O efeito dominó de degradação ambiental – instabilidade social – conflito armado foi um dos fenómenos observados na guerra civil síria. As tensões da guerra síria foram exacerbadas pela desertificação prévia de uma zona rural outrora fértil. Este fenómeno causou a morte a 85 % do gado e a perda de rendimentos para quase um milhão de pessoas. A causa da fome e pobreza extrema levou a uma migração para a cidade. Aqueles que ficaram para trás, em situação vulnerável, foram alvo da expansão do Estado Islâmico. Posteriormente, como é sabido, quase sete milhões de sírios (perto de um quarto da população) foram forçados a deixar o país.

Em lugares como a Somália, os períodos de seca e de cheias obrigam a repetidas migrações de populações empobrecidas. As estratégias de sobrevivência vão sendo desgastadas pela violência e instabilidade da região, tal como acontece no Iémen e no Iraque, onde a escassez de água e recursos económicos e alimentares é agravada por uma estrutura institucional que não consegue garantir o seu próprio funcionamento.

De acordo com o relatório Tendências Globais de Deslocações Forçadas de 2020, 95 % de todas as migrações por conflitos violentos ocorreram em países vulneráveis ou altamente vulneráveis às alterações climáticas. Dos 25 países mais vulneráveis às alterações climáticas, 14 estão a ser afetados por conflitos armados.

Após as chuvas torrenciais do Paquistão, quase oito milhões de pessoas foram forçadas a migrar. ©Reuters/Akhtar Soomro, 2022. Portugal com ACNUR

Êxodos climáticos de 2022

Os campos de refugiados em Dadaab, no Quénia, receberam nos últimos dois anos mais de 80 mil migrantes vindos da Somália, vítimas da insegurança e da mais severa seca em décadas. “Apesar de uma recente diminuição do ritmo de chegada diária, o ACNUR e outros parceiros em Dadaab estimam que cerca de 24 000 pessoas tenham chegado desde o final de setembro”, afirma, em entrevista, a organização Portugal com ACNUR. Porém, a norte e leste do Quénia, há cerca de 4,5 milhões de quenianos a fazer frente à seca. “Famílias estão a debater-se com graves carências alimentares e de água, que podem agravar-se nos próximos meses se a atual estação chuvosa falhar.”

O caso mais impactante deste ano é o Paquistão, um dos países mais vulneráveis às alterações climáticas. Durante os meses de julho e agosto, recebeu mais de três vezes a sua pluviosidade habitual, ficando submergido tanto em áreas urbanas como rurais. Chuvas torrenciais danificaram gravemente zonas habitáveis, escolas e outros edifícios comunitários em aldeias de refugiados e comunidades de acolhimento. Durante dois meses, chuvas e inundações sem precedentes agravaram a já frágil situação humanitária.

“Quase 1700 pessoas terão morrido, e mais de 12 800 ficaram feridas, incluindo pelo menos 4000 crianças”, dizem os dados fornecidos pela Portugal com ACNUR ao Gerador. “Para além de aldeias submersas, o dilúvio inundou terras agrícolas, sobrecarregou estradas e pontes, cortando o acesso a comunidades isoladas e danificando infraestruturas de comunicações.” O saldo, contabilizado no final de setembro, registou 767 mil casas destruídas e mais de um milhão danificadas e mais de um milhão de cabeças de gado pereceram, pondo em risco a segurança alimentar do país. Estima-se que perto de 8 milhões de pessoas foram deslocadas pelas cheias deste ano.

Ainda que as alterações climáticas forcem milhões de pessoas a migrar em regiões empobrecidas do globo, é errado pensar que os países com mais recursos estarão imunes a estes eventos. Muitas nações industrializadas já estão a ser devastadas pelas mudanças climáticas, com grandes populações forçadas a deslocar-se. Exemplo disso são os incêndios florestais na Califórnia, que nos últimos cinco anos consumiram 31 mil propriedades, ou na Austrália, onde, entre 2019 e 2020, 65 mil pessoas ficaram sem casa. Na Europa, os exemplos mais impactantes foram as cheias arrasadoras da Alemanha e Bélgica, em 2021, quando milhares de casas foram levadas pela corrente. Já os habitantes de Lisboa, onde as cheias deste dezembro deram origem ao completo caos, terão o vivido a experiência na própria pele. De acordo com um estudo da Euronews, perto de 700 mil europeus foram forçados a migrar devido a eventos climáticos extremos na última década.

Entre as suas medidas, a Portugal com ACNUR apresenta em território nacional a campanha Vidas ao Contrário, apelando a que pessoas e empresas possam contribuir, durante a época festiva, para os programas humanitários do ACNUR de acesso a proteção, alimentação, água, abrigo, saúde e educação.

*Esta reportagem foi inicialmente publicada a 18 de dezembro de 2022.

Texto de Mariano Alejandro Ribeiro

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