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REPORTAGEM
 CAUSAS SOCIAIS 

ENTRE O CHICOTE E A MASSAGEM:

COMO SE DEFINE UM TRABALHO SEXUAL?

Texto de Sofia Craveiro
Edição de Débora Dias e Tiago Sigorelho
Design de Frederico Pompeu
Digital de Inês Roque

29.01.2024

Existem muitas profissões nas quais o sexo ou o erotismo são uma constante, mas o seu enquadramento como “trabalho sexual” não é consensual. Serviços como a dominação feminina – ligada a práticas BDSM –, a massagem tântrica, a assistência sexual ou os filmes pornográficos possuem uma inegável ligação à sexualidade, embora a mesma possa ou não estar reconhecida. O Gerador reuniu testemunhos de trabalhadores que mostram um outro lado das profissões ligadas ao prazer sexual.

 

Sexta-feira à noite numa Lisboa amena. A rua é secundária, perpendicular a uma das principais artérias da cidade. Para entrar naquele prédio com aspeto cinzento e banal, é preciso tocar à campainha de forma discreta. No balcão da entrada, a jovem rececionista verifica se os nomes estão na lista. A inscrição prévia e o pagamento foram aceites.

Atrás dela veem-se cortinas que sou autorizada a penetrar. Ao lado, um vestiário, onde quem quiser pode trajar-se e de acordo com a ocasião. Luvas, máscaras, cintos de liga e arneses são revelados por baixo de uma roupa banal ou colocados à chegada. Desce-se a suave rampa e vislumbra-se uma luz avermelhada. Lá dentro, o espaço mistura o aspeto de sala de estar refinada com bar vintage. Ao fundo, umas escadas para o andar de cima. No centro, uma jaula e uma estrutura de madeira que prende mãos e cabeça, a fazer lembrar a parte inferior de uma guilhotina.

Homens de arneses de cabedal e máscaras de látex preto estão sentados no sofá enquanto mulheres vestidas com corpetes de spikes e saltos muito altos atravessam a sala com ar confiante. Há olhares submissos e sussurros que denunciam quem veio para experimentar.

No início da noite, apenas as parafernálias e as indumentárias deixam notar que se trata de uma festa BDSM – sigla comumente utilizada para descrever um conjunto de práticas, nomeadamente bondage, disciplina, dominação, sadismo, submissão e masoquismo. Neste caso, o evento é dedicado à dominação feminina. Algumas Doms – abreviatura usada para descrever as dominatrix – vieram por diversão, outras fazem desta prática um trabalho remunerado (e isso nota-se na sua postura segura).

O ambiente é de descontração e de alguma ansiedade, mais palpável em rostos como o da jovem rapariga que claramente improvisou a trela dourada de arame pela qual puxa o companheiro. Por agora, quase todas as pessoas estão distribuídas pelos sofás da sala principal. No mais central de todos eles, vemos a interação a acontecer de forma gradual, com casais e indivíduos a iniciar conversa.

A porta fecha à meia-noite, não havendo margem para entradas tardias – pelo menos em teoria. Não é permitida a utilização de drogas ou o abuso de álcool.

A anfitriã chama a atenção. Vão começar os jogos. Conforme referido nas regras, cada submisso – neste caso, apenas homens – tem na sua posse três pulseiras, que deve entregar às Doms que lhe agradem. Ganha quem chegar às três horas da manhã com as pulseiras todas entregues e as abordagens realizadas.

À medida que a anfitriã fala sobre a importância da segurança e do consentimento em todas as práticas, vão-se juntando mais pessoas ao redor do sofá em arco. Há Doms profissionais, casais novatos, casais experientes e velhos conhecidos. Ao canto, lenços de papel, para o caso de ser necessário limpar sangue ou sémen.

O primeiro desafio é que as dominadoras “transformem” os seus submissos em mobília. Enquanto as mais novatas regressam ao sofá para beber, as veteranas deitam mãos à obra. Mulheres maduras começam a ordenar a homens mais ou menos jovens que se coloquem “de quatro”, para que possam descansar os pés em cima deles, ou pousar as bebidas. Eles obedecem sem questionar.

No meio da sala, uma das dominatrix profissionais chama três homens. Dois deles colocam-se “de quatro” à sua frente e um de pé, de mãos estendidas ao longo do corpo. Enrola-os em celofane preto e junta-os de forma a construir um trono onde, depois, se senta.

Nota-se a permissividade. O ambiente é tão descontraído como qualquer outro bar noturno, mas aqui quase tudo parece ser natural. Não há lugar a olhares de estranheza. Ao mesmo tempo que mulheres recebem massagens nos pés, homens dobram-se para ser chicoteados nas costas e nas nádegas. Alguns deles seguem as Doms como se de animais domésticos se tratasse. Sentam-se ao lado delas, no chão, caso elas o permitam.

“João” (nome fictício) é um rapaz de 37 anos que participou nesta festa BDSM pela primeira vez. Confessou-me estar a sentir “várias sensações” no local. Mesmo sendo “improvável” numa festa de dominação feminina acontecerem relações entre dois homens, a verdade é que João acabaria por viver, mais tarde, essa experiência de forma prazerosa. “Quando passei a me sentir mais confortável, deixei-me levar e mesmo estando com as minhas amigas, não tive pudor nenhum para explorar aquilo que estava com profundo desejo de fazer”, confidenciou-me mais tarde, já na rua.

Antes da entrada para a sala do bar, está uma divisão discreta, que facilmente passa despercebida. Ali veem-se artefactos peculiares, como bancos altos para deitar o torso, uma cruz de madeira com correias nas extremidades, chicotes de couro, tronos e vitrines com o que me parecem ser pénis de vidro. Os participantes da festa deslocam-se ali para momentos de dominação especialmente intensa, que vão interrompendo para ir ao bar buscar bebidas. Quando olho de relance, chama-me a atenção um homem trajado com meias de liga, botas de cano alto, vestido de seda, batom vermelho e sombra nos olhos, que é chicoteado nos testículos por uma das dominadoras. A sua expressão demonstra um misto de dor e prazer.

Momentos antes deste cenário pude ouvir, na sala do bar, os relatos desta mesma dominatrix amadora, que não se importou de contar a estranhos quanto a BDSM foi importante para a sua afirmação pessoal. Explicava que a prática lhe permitiu afirmar-se enquanto mulher, após anos de uma vida de representação masculina. Apesar de não sentir atração sexual por homens, contou que fazia dominação dos mesmos muitas vezes, já que o BDSM é uma prática que permite encontrar a verdadeira essência das pessoas. De uma forma quase poética, com os olhos brilhantes e as mãos a gesticular, elaborava a forma como a dominação permite explorar o núcleo de cada indivíduo, que, na posição de submissão, se vê obrigado a definir os próprios limites e a expressá-los. Este aspeto pode ser desafiante, mas é necessário, já que nada se faz sem consentimento, conforme explicou.

Além disso, referiu que muitos homens se querem libertar do papel dominante que a sociedade lhes impõe e que não querem desempenhar. A submissão, a feminização forçada e outras práticas são, por isso, uma forma de contrariar todas essas imposições.

A sala, onde vimos esta dominatrix a empunhar chicotes, nada tinha de restrito. Embora fosse um espaço separado da sala principal, qualquer pessoa era livre de entrar e apenas observar o que estava a acontecer. Assistir à dominação é também um hábito comum. Seria o que um jovem de máscara estaria a fazer quando iniciou conversa com um casal hétero. A rapariga, vestida de forma similar à Trinity do filme Matrix, ia ordenando ao namorado que manipulasse o pénis de João, que ali conheceram. O jovem de máscara inicia conversa e rapidamente Trinity lhe sugere que se deixe acorrentar na cruz de madeira. Experiente nas chicotadas, Trinity vai testando a resistência das costas, enquanto ele lhe pede mais. O pénis do rapaz endurece à medida que o corpo fica vincado com as tiras de cabedal. Uma parceira de chicotadas junta-se a Trinity, o que aumenta o êxtase do tímido rapaz. A certa altura, não foi mais possível controlá-lo. Após ser libertado das amarras vi-o deixar-se cair de joelhos enquanto suspirava quão o momento foi intenso.

Enquanto os participantes iam entrando e saindo desta “sala de tortura”, mais jogos aconteciam na zona do bar. E chicotadas, claro. A anfitriã distribuiu cartas às dominadoras com sugestões do que fazer ao(s) seu(s) submissos. Apertar mamilos, bater nos testículos, chicotear as nádegas, entre outras.

No andar de cima, desenrolam-se, presumivelmente, as interações mais explícitas. Ali havia um quarto com três camas, separadas entre si por cortinas que se fechavam, consoante a vontade de cada um. Na parede, chicotes e cordas pendurados. Ao lado, uma outra sala com duas camas e um banco alto no centro.

De um modo geral, as práticas BDSM eram intercaladas com convívios banais junto ao bar. Dentro da especificidade temática do espaço, respira-se uma certa normalidade, inerente à forma como as chicotadas, os homens levados pela trela, as máscaras de látex e os adereços de metal no pénis são aceites neste círculo. Aqui só não se bebe cerveja, pois o bartender disse que era demasiado vulgar.

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DESTA FESTA BDSM

 

COMO SE DEFINE UM TRABALHO SEXUAL?

Nesta festa em concreto, participaram casais, indivíduos e dominatrix profissionais, que realizam este serviço de forma mais regular e muitas vezes personalizada.

Mistress Elena desempenha este papel há quatro anos, mas há muito mais tempo que fazia dominação por gosto próprio. Aos poucos, compreendeu que os requisitos ao nível de acessórios e de conhecimento justificavam que cobrasse dinheiro. “É muito difícil fazer este trabalho sem o conhecimento e experiência adequados. Exige muito tempo, esforço e dinheiro”, explica, em entrevista ao Gerador, em inglês. Daí que tenha feito várias formações e até obtido certificação para praticar dominação feminina, trabalho que desempenha, agora, de forma regular, em Portugal. “Se for feita de forma adequada, com noções da psicologia das pessoas com quem estamos a lidar, precisamos de muito conhecimento. Muito mesmo”, diz.

Mistress Elena afirma que não tem relações sexuais com os seus clientes, embora admita que as interações envolvam erotismo. De entre as várias abordagens à dominação feminina, a sua é, por isso, a mais “clássica”. “Eu estou vestida, de lingerie, não tenho relações sexuais nem permito toques íntimos. Há outras dominadoras, no mundo e em Portugal, que o permitem. Isso pode ser um grau muito diferente”, explica, referindo que, quando esses toques sucedem, trata-se de “fetichismo” e não de verdadeira dominação. “A diferença entre elas [acompanhantes fetichistas] e nós é que [, no caso delas,] não há uma verdadeira troca de poder. Apenas satisfação de uma maneira boa e kinky [excêntrica].”

No seu caso concreto, diz que o serviço “vai muito além do sexo”, e equipara-o a uma terapia. “As pessoas chegam até mim com os seus kinks, os seus desejos, fantasias e um desejo de idolatrar uma feminilidade divina”, esclarece.

Numa sociedade patriarcal, em que o papel do homem é entendido como dominante, este tipo de desejos não é devidamente compreendido. “O entendimento de um homem submisso é que é fraco, o que não é verdade. Então, estas pessoas chegam até mim, com estas frustrações, muitas vezes radicadas na sua infância. Eles compreendem isso e não podem falar com as(os) suas(eus) parceiras(os) por vezes”. Daí que procuram os seus serviços, para que lhes seja possível experienciar a submissão de forma “segura e privada” e para serem vistos por quem os aceita.

“As pessoas que vêm ter comigo têm problemas de autoestima, não estão seguras de si mesmas, vêm-se como estando a fazer algo de errado, e eu deixo-as calmas e a sentir-se muito melhor”, motivo pelo qual diz acreditar que o seu trabalho é benéfico.

Apesar de reconhecer que os seus serviços são muitas vezes apelidados de trabalho sexual, nega ser trabalhadora do sexo. “Eu não fico intimidada, não fico ofendida com isso. Apenas tenho de dizer que a componente sexual não é o elemento principal aqui”, sublinha a dominatrix.

De facto, a expressão “trabalho sexual” é comummente associada à troca de relações sexuais por dinheiro, mas pode englobar muitas outras profissões que se relacionem com sexo ou erotismo.

Esta terminologia surgiu na década de 1970, por proposta de Carol Leigh, ativista, feminista e trabalhadora do sexo que reivindicava direitos laborais e negava o discurso de vitimização. A ideia era, precisamente, vincar a questão laboral e, ao mesmo tempo, “unir sob uma mesma expressão atividades diferentes e que têm que ver com a troca de um serviço sexual por dinheiro”, explica Alexandra Oliveira, investigadora da Universidade do Porto, que há vários anos estuda estas temáticas.

A ideia era, portanto, incluir pessoas que fazem prostituição, mas também atores e atrizes de filmes pornográficos, bailarinas de striptease ou operadoras de linhas eróticas porque “qualquer uma destas pessoas presta um serviço que tem um significado que é erótico para a parte que paga e é por isso que a outra parte paga, é por causa desse significado sexual.” A investigadora refere ainda que estas profissões têm em comum o estigma social a que estão sujeitas.

Isto não significa, porém, que o termo reúna o consenso de todas as pessoas que desempenham os referidos serviços, já que muitas vezes a expressão é encarada como sinónimo de prostituição e, por isso, rejeitada.

A investigadora do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES-IUL) do ISCTE, Mara Clemente, diz, também, que há ativistas que preferem utilizar termos mais pejorativos – como “puta” – precisamente para reclamar a desestigmatização dos mesmos. “O uso das palavras pode variar”, diz.

Embora admita que a utilização da expressão “trabalho sexual” possa indicar uma posição favorável ao reconhecimento de direitos, a académica sublinha que o discurso não é uniforme e pode depender do significado que cada pessoa quer imprimir às palavras. A palavra “prostituição”, por sua vez, pode surgir veiculada por coletivos a favor ou contra o reconhecimento de direitos laborais a estas profissões. “Prostituída”, por exemplo, já foi utilizado por grupos feministas abolicionistas, ou seja, grupos que não concebem a prostituição como trabalho, admitem que quem o faz está sob coação de pessoas ou circunstâncias, e, por isso, defendem que deve ser eliminada.

“NÃO PERDEM TEMPO A PENSAR NISSO”

Tal como a prostituição, também a pornografia é pretexto de ativismos contra e a favor. A discussão em torno do uso do corpo e da objetificação da mulher, versus a sua emancipação e autodeterminação estão subjacentes a esta divergência, que acaba por refletir-se na designação da atividade como trabalho sexual.

Em Portugal, a indústria de filmes para adultos é “amadora”. Esta é, pelo menos a opinião de João Costa, diretor da produtora HotGold, uma das mais conhecidas do país. “Se quisermos fazer uma analogia com a indústria automóvel, é como se, em Portugal, os carros continuassem a ser feitos todos à mão”, diz o responsável.

Apesar disso, o mercado existe e opera de forma legal, à semelhança de outras produções audiovisuais para comercialização. “Se falamos da indústria profissional, estamos a falar de trabalhos cinematográficos, em tudo semelhantes ao que é feito para outros géneros, como o sejam filmes de ação, terror, dramas, comédias ou ficção científica”, diz João Costa.

Para o diretor, a comparação entre atores e atrizes pornográficos com pessoas que praticam prostituição é desprovida de sentido, assim como todas as polémicas em torno de atividades que envolvam sexualidade. “Continua a fazer-se um bicho de sete cabeças sobre todo este assunto da sexualidade e tudo o que envolve o sexo, quando o próprio sexo aparece no primeiro nível da Pirâmide das Necessidades de Maslow, a par com todas as outras necessidades fisiológicas que o ser humano tem”, frisa.

Destacando que atores e atrizes pornográficos “não perdem tempo” com estas questões, frisa que a prostituição é uma atividade distinta e “não se pode comparar uma coisa com a outra”. A maior diferença, segundo diz, prende-se com o enquadramento jurídico e com a possibilidade de, no caso dos filmes para adultos, se poder realizar a atividade de forma legal, o que não é possível no caso de relações sexuais comerciais.

A publicação e comercialização de conteúdo pornográfico está regulamentada por um decreto-lei de 1976, que restringe a venda e disseminação destes conteúdos, sujeitos a classificação prévia. O próprio diploma especifica que não há a intenção de censurar o conteúdo, mas apenas de regular a sua disseminação. “Se queremos continuar a ser livres, temos, antes de mais, de nos habituarmos a isso”, lê-se na introdução.

Para a advogada Paula C. Durães, não existe qualquer vazio legal em torno da pornografia, nem tão-pouco da prostituição, ao contrário do que é defendido por coletivos que defendem a legalização ou regulamentação da última. “Está constitucionalmente previsto que nós somos livres de dispor da nossa imagem, do nosso corpo, dentro dos limites legais”, explica.

“Tudo aquilo que nós fazemos está regulamentado. Aquilo que não está regulamentado podemos dizer que fazemos livremente, tendo em conta a nossa Constituição”, acrescenta. “Os limites à pornografia e à prostituição são aqueles que são impostos no nosso Código Penal: pornografia infantil, visualização de conteúdos pornográficos com idades inferiores a 18 anos”, entre outros. Assim, Paula C. Durães acredita que “se a Constituição o permite, se os limites impostos estão no nosso Código Penal, tudo o que esteja entre um e outro é permitido fazer”.

Nos últimos anos, popularizou-se a criação de conteúdos de teor erótico ou pornográfico através de redes sociais. À semelhança de outras atividades de cariz sexual, esta prática não é oficialmente reconhecida nem regulada, embora essa discussão tenha vindo a ganhar destaque. “Por ser relativa ao meio digital, podemos considerar que existe um atraso na legislação”, diz a advogada.

Mesmo não tendo sido criadas com esse intuito, plataformas como o OnlyFans, tornaram-se o epicentro digital deste fenómeno, já que permitem que cada indivíduo possa criar e partilhar conteúdos audiovisuais de forma livre ou por meio de uma subscrição paga por cada “fã”.

Há cerca de quatro anos, Naida – ou @dirtydianabih no OnlyFans –, decidiu juntar-se a esta comunidade. Gostava de partilhar as fotografias de nudez que criava cuidadosamente e o Instagram censurava constantemente os seus posts, pelo que uma amiga a influenciou a experimentar uma nova plataforma. O OnlyFans permitiu-lhe juntar um dinheiro extra, enquanto fazia aquilo de que gostava: fotografias de nudez ou eróticas com carácter artístico.

Por nunca ter feito vídeos de atos sexuais mais explícitos, assume nunca ter encarado o que faz como trabalho sexual, mas admite que pode ter essa conotação. “Eu não acho que o que eu faço seja sexual, porque não o faço com esse intuito, mas não sei como se delimita. Acho que só a pessoa que faz o conteúdo é capaz de definir.”

O que mais aprecia nesta atividade é a possibilidade de “entrar numa personagem” e explorar as suas diferentes facetas, além de apreciar receber feedback das pessoas e analisar a forma como as fotografias são encaradas. “É muito bom para a nossa autoestima”, explica Naida.

A jovem de 22 anos admite já ter ponderado lançar vídeos, mas não o fez por ter em conta a qualidade do conteúdo, que avalia ao pormenor. “Tudo o que eu posto, quero que seja de qualidade. Se vazar na Internet, eu quero estar orgulhosa do trabalho que fiz ali. Não posto nudes feitas com o telemóvel ao espelho. Nada contra quem o faz, mas não é aquilo que eu faço. Então, o vídeo é algo muito mais ambicioso do que uma fotografia.”

 

SAÚDE E DIREITOS?

Tânia Souza trabalha com massagem tântrica desde 2011. Decidiu enveredar por esta profissão após um casamento desprovido de orgasmos e prazer sexual.

O tantra, conforme explica, foi um meio para desconstruir os pudores com que foi educada e explorar o corpo de uma forma mais livre de preconceitos. “Mudou a minha maneira de ver a energia sexual e tudo isso”, diz, em entrevista ao Gerador.

Após várias formações, passou a dedicar-se a tempo inteiro a esta atividade. No seu espaço, em Lisboa, atende homens e mulheres, que chegam até si com diversos problemas ou patologias. Disfunção erétil ou ejaculação precoce são as queixas masculinas mais comuns. Situações de trauma por abuso sexual dominam as queixas femininas.

As suas sessões duram entre uma a duas horas e envolvem uma conversa prévia sobre a situação clínica e as pretensões da pessoa. Após o preenchimento da ficha de anamnese dá-se início à sessão propriamente dita. “Eu toco o corpo da pessoa [apenas com as mãos]. Faço, frente, dos lados e de bruços. Quando ela sente espasmos, quando vejo que ela está num grau de excitação, nesse momento vejo que a pessoa já está entregue, sentindo muito prazer”, relata. “Tem pessoas que choram, que já estão desconstruindo ali várias coisas no corpo, porque começam a ter várias sensações.”

O toque percorre todo o corpo, sendo os genitais – “o sexo primitivo” –, a última zona. Usa luvas para essa área em específico e afirma que é possível ter um elevado número de orgasmos numa única sessão.

Pelo cariz dos seus serviços – que não se limitam à massagem tântrica, mas também incluem massagem de relaxamento –, conta que já foi contactada muitas vezes por pessoas que pretendiam experiências puramente sexuais. Apesar de frisar que a massagem tântrica não tem como objetivo apenas o prazer momentâneo, encara esses contactos com normalidade.

Questionada sobre a forma como encara a sua atividade, Tânia Souza aceita a denominação de trabalho sexual, mas ressalva que também pode ser encarada – e é assim que ela a vê, maioritariamente – como um procedimento terapêutico, já que muitas pessoas pretendem “curar” outros problemas que afetam a sua sexualidade. Nos seus recibos, está indicado que efetua “terapias comportamentais”.

De acordo com os seus relatos, os clientes de Tânia Souza procuram, na sua maioria, uma vida sadia que lhes permita desfrutar da sexualidade em pleno.

Rui Machado reivindica, há anos, a mesma coisa, mas para pessoas com diversidade funcional – termo alternativo e não pejorativo para designar pessoas com deficiência.

Conhecido ativista pelos direitos desta população e precursor do movimento cívico Sim, Nós Fodemos, Rui Machado acredita na importância de reconhecer a prática de trabalho sexual para conseguir, posteriormente, o acesso democratizado à assistência sexual.

Conceito pouco conhecido em Portugal, a assistência sexual define-se como um serviço que facilita o acesso da pessoa com deficiência à sexualidade. Pode tratar-se de um auxílio no acesso ao próprio corpo, para masturbação, por exemplo, ou de outras interações sexuais. Existem vários modelos propostos para a assistência sexual, um dos quais se fundamenta numa lógica de prescrição médica. Rui Machado não se revê nesta conceção. “Eu encaro a assistência sexual como um trabalho sexual e tento distanciar-me o máximo possível de compreensões clínicas, médicas, o que seja”, explica, em entrevista ao Gerador.

“Não há, de facto, uma questão clínica aqui, há uma questão funcional, se quiser. Portanto não há razão nenhuma para ser uma terapia, senão, os casais, quando fazem amor, estavam a fazer uma terapia”, frisa o ativista.

Para Rui Machado, a figura de um assistente sexual pode fazer uma enorme diferença na vida de uma pessoa com diversidade funcional já que, como todas as outras pessoas, tem desejos e fantasias sexuais. Para perceber a importância deste elemento basta imaginar “como seria a vida sem a concretização da sexualidade”, explica.

“Sabemos, está nos livros, está cientificamente fundamentado. A sexualidade é um dos motores de crescimento pessoal, de desenvolvimento da personalidade, é aquele que, em grande parte, também nos dita a forma de interagir com o outro”, diz o ativista. Frisando que este é um direito humano fundamental, Rui Machado não tem dúvidas: “Acho que é importante para todos.”

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