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Texto de Inês Rua
Edição de Débora Dias e Tiago Sigorelho
Ilustrações de Marina Mota
Produção de Sara Fortes da Cunha
Captação de imagem de Marcelo de Souza Campos
Edição de vídeo de Pedro Oliveira
Comunicação de Carolina Esteves e Margarida Marques
Digital de Inês Roque
07.07.2025
Se, como vimos na reportagem “A importância da visibilidade lésbica no combate de estereótipos e discriminação” através da partilha de pessoas lésbicas entrevistadas, os média contribuem para a perpetuação de estereótipos e preconceitos associados ao lesbianismo, a Internet surge como uma forma de pessoas lésbicas se autorepresentarem. Por outro lado, a comunidade lésbica queixa-se também da falta de representação por meios mainstream, o que conduz à necessidade de criarem os seus próprios espaços alternativos de comunicação através das redes sociais. Além disso, estas também têm contribuído não só para criar espaços de debate e de ativismo lésbico, como também para a criação de laços e de uma comunidade.
Joana Moreira, psicóloga e coordenadora do projeto (A)MAR-Açores pela diversidade, conta que, nas consultas que dá no âmbito deste projeto, “existe um isolamento muito grande” por parte de pessoas da comunidade LGBTQIAP+. O facto de ter pessoas pacientes que não saem de casa pode estar relacionado quer com “a questão da vivência virtual da possibilidade das pessoas comunicarem e contactarem através de dispositivos” quer porque “as pessoas sentem que não há alternativas”. “Nos últimos meses têm tido recorrente situações de pessoas que estão totalmente isoladas. Só através da internet e das suas famílias é que têm vida social”, partilha. Para Ana Rocha, membra da direção da ILGA Portugal, a representação manifesta-se uma forma de quebrar o isolamento, pois “as pessoas ao verem ou na televisão ou nos meios mediáticos outras pessoas com vivências que se assemelham às suas vivência, é muito importante para conseguirem entender que há outras pessoas com a mesma realidade”.
Foi num bar no Bairro Alto em Lisboa que Raquel Smith-Cave e mais quatro amigas, após uma manifestação feminista, se lembraram de criar a Queer As Fuck. Entre os desabafos de sentirem a necessidade de criar os seus próprios eventos, organizaram uma festa nas Damas, em Lisboa, em outubro de 2017. Após esse acontecimento, foi Raquel que quis dar continuidade à Queer As Fuck.
A criadora da página de Instagram @queerasfuck.pt descreve este projeto como “ativista, voluntário, comunitário e de cultura LGBTQIA+”. Começando com a organização de quizzes sobre a história LGBT, em 2020 criou com uma amiga o Queer Books, um clube de leituras. Atualmente, acredita que, mais do que uma página numa rede social, é também um coletivo que organiza atividades em colaboração com outras pessoas. “Em colaboração, nós conseguimos fazer ativismo e fazer coisas que são trabalho não remunerado”, declara. Como não acredita “ficar só na Internet”, cria também eventos gratuitos “para a comunidade e para quem quiser aparecer, mas principalmente para nós, feitos por nós e sobre nós”.
Natural da Madeira, a criadora de Queer As Fuck alerta para que questões queer “fora de Lisboa e do Porto são assuntos que continuam a ser tabu”. A sua naturalidade contribuiu para ter a perceção de que a Internet ajudou a conseguir “conectar-me com pessoas queer” e a obter informações “sobre feminismo e sobre comunidade queer”. Alertando para a solidão enquanto um dos grandes problemas da comunidade LGBTQIAP+, conta que “o objetivo da Queer as Fuck sempre foi tentar chegar a pessoas que, como eu, também muitas vezes se sentiam afastadas, isoladas”.
Já para Mafalda e para Teresa a ideia de criar uma página onde partilham a sua vida enquanto casal surgiu aquando da organização do seu casamento. Da mesma forma que Raquel Smith-Cave conta que a sua página “nasceu por necessidade” de representação e de “querer que as coisas aconteçam e não estar à espera de ninguém para fazê-las acontecer”, também para as criadoras da página de Instagram Two Travelling Wives (@twotravellingwives) foi essa a motivação.
“Quando foi para nos casarmos e planearmos a lua de mel, nós nunca nos sentimos representadas, porque a todo o lado que íamos, a todos os sites, Instagram, Pinterest, por aí fora, nós não encontrávamos nada com o que nos identificássemos”, desabafa Teresa. Ao depararem-se com uma representação matrimonial de “sempre um homem e uma mulher” ou “páginas que encontrávamos de gays eram quase sempre homens”, contam que olharam uma para a outra e pensaram “bora partilhar a nossa vida”.
A par da partilha do seu dia-a-dia, quiseram aliar à página o seu gosto por viajar. “É algo que a maioria das pessoas faz. E, portanto, vamos normalizar um casal lésbico de viagens a mostrar tudo aquilo que as outras páginas hétero fazem”, afirma Mafalda. Com o objetivo de também ajudar as pessoas que lhes mandam mensagens, sublinham “a fase em que nós estamos agora não é a fase em que sempre estivemos. Portanto, não é tudo um mar de rosas. Também não queremos que as pessoas pensem isso. Mas é possível chegar à fase em que nós estamos. E essa é a grande mensagem”.
Margarida e Raquel Morgado estão juntas há 10 anos e casadas há seis. Enquanto mães de dois filhos gémeos, Margarida conta que “quando fizemos o curso de preparação para o parto era sempre a mãe e o pai”, ao que Raquel acrescenta “ou no infantário, ainda agora há pouco tempo”. Embora existam alguns comportamentos que perpetuam padrões heterossexuais, “tem havido muitos avanços”, reconhecem.
Raquel Morgado não ligava à rede social Instagram, mas as duas resolveram participar numa live sobre o método ROPA (Reception of Oocytes from Partner) ou Fertilização Recíproca, técnica por elas utilizada, permitindo que um casal de mulheres partilhe o processo de fecundação in vitro. Tendo em conta “a exposição que foi num curto espaço de tempo”, como conta Margarida Morgado, consideraram que havia “fome para este tipo de conteúdo”, nas palavras de Raquel. Daqui surgiu a motivação para criarem a sua página Duas Mamãs para dois bebés (@2mamaspara2bebes).
Na sua página, quando falam “dos bebés e das nossas dificuldades, é uma questão sentida pelas mães no geral”, pelo que “eu acho que faz falta mostrar que as lutas são as mesmas, as dificuldades são as mesmas em certa medida”, afirma Raquel. Margarida completa que ao criarem a página também quiseram “alertar todas as outras mães lésbicas que estão por aí que não estão sozinhas ou, se tiverem dúvidas, que nós estamos aqui”. Com objetivo de ajudar pessoas que estejam numa situação semelhante à delas, sublinham que o mote da página é “ok, então nós passamos por isto. Isto é a nossa experiência. A vossa pode ser diferente, mas estão aqui alguns passos que nos ajudaram”.
Já tiveram a oportunidade de transpor o “espaço seguro” que é a sua página para um encontro presencial. A página permitiu-lhes conhecer outro casal lésbico também com dois filhos gémeos com quem combinaram um café. Para Margarida, estes convívios permitem sedimentar nos seus filhos a ideia de que “ah, não sou o único a ter duas mamãs. Há aqui outra criança ou outras crianças que também têm duas mamãs”.