fbpx

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Opinião de João Teixeira Lopes

E AS CRIANÇAS?

Hoje, dei comigo a pensar na forma como impomos às crianças a nossa aceleração. De…

Apoia o Gerador na construção de uma sociedade mais criativa, crítica e participativa. Descobre aqui como.

Hoje, dei comigo a pensar na forma como impomos às crianças a nossa aceleração. De manhã, ao acordar, a minha filha cantava alegremente. E eu, indiferente ou irritado, apressava-a para a higiene diária, o pequeno almoço, a indumentária, o carro. Ela resistia, parava, abrandava, pegava num brinquedo, punha um gancho no cabelo e o efeito aumentava a minha exasperação pelo acumular do atraso. No automóvel, atravessarei velozmente a cidade, sem lhe dar tempo para a saborear. De ilha em ilha (a casa, o jardim de infância, o parque infantil…) a minha filha, se, entretanto, eu não lhe permitir experimentar outros espaços-tempo, viverá na cidade arquipélago, mosaico fragmentário de ninhos pretensamente seguros onde se impõe um desconhecimento do espaço urbano, dos seus lugares-outros, interstícios e liminaridades.

Raramente pensamos nas geografias e culturas da infância. As nossas sociedades emergem como exteriores às crianças, amplamente prescritivas e normalizadoras. Poucos exemplos existem de planeamento participado com as crianças e de programações culturais que as envolvam num papel mais ativo do que o de meros destinatários. Ainda assim, as crianças têm um modo próprio de se relacionarem com o mundo, de usarem e fazerem cidade e de serem públicos e criadores de cultura. É certo que não devemos homogeneizar em demasia a infância, esquecendo as clivagens internas (de classe, de género, de etnia), mas importa reconhecer uma tipicidade singular na organização infantil do espaço-tempo com a humildade de que, amiúde, não possuímos as chaves para entrar nesse universo. Aliás, quando se esquecem dos adultos e do seu controle, as crianças não hesitam: brincam, transgridem, experimentam, exploram, descobrem, decidem, fabricam, usam.

Mayumi Souza Lima, japonesa radicada no Brasil, no seu livro A cidade e a criança, mostra como espaços escolares, assim como parques e zonas infantis, são produzidos de maneira a perpetuar e reforçar a dominação e o poder do adulto sobre a criança. Cada vez mais projetamos em tais espaços os nossos medos e fobias: do outro-como-diferente; da insegurança (muito mais subjetiva do que objetiva); do contágio, da impregnação…As crianças bolha, crescentemente confinadas, crescerão numa distopia de heteronomia, não lhes sendo permitido errar, assustar-se, provar, retificar. Não desenvolverão, como deviam, o labor da alteridade, de ser no outro, como o outro, com o outro (de ser o outro!), impregnadas do seu olhar, cheiro, corpo e experiência. Não exercitarão a autonomia, porque desconfiarão dos lugares e das pessoas que as confrontem.

Urge mobilizar ferramentas de auscultação e de observação das crianças que não sejam violentas ou desnecessariamente intrusivas, que respeitem a exploração e a indagação que lhes são próprias. Que as façam falar, no seu ritmo, tempo e modo (pode ser uma canção ou um desenho…). Tais ferramentas, estou certo, seriam a base de um labor que revolucionaria as cidades e as programações culturais. Se elas puderem ser instituições, programações e espaços das crianças (e não meramente para elas ou com elas), teremos dado um passo de gigante na redescoberta do encanto do mundo.

-Sobre João Teixeira Lopes-

Licenciado em Sociologia pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (1992), é Mestre em ciências sociais pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade  de  Lisboa (1995) com a Dissertação Tristes Escolas – Um Estudo sobre Práticas Culturais Estudantis no Espaço Escolar Urbano (Porto, Edições Afrontamento,1997).  É também doutorado em Sociologia da Cultura e da Educação (1999) com a Dissertação (A Cidade e a Cultura – Um Estudo sobre Práticas Culturais Urbanas (Porto,Edições Afrontamento, 2000). Foi programador de Porto Capital Europeia da Cultura 2001, enquanto responsável pela área do envolvimento da população e membro da equipa inicial que redigiu o projeto de candidatura apresentado ao Conselho da Europa. Tem 23 livros publicados (sozinho ou em co-autoria) nos domínios da sociologia da cultura, cidade, juventude e educação, bem como museologia e estudos territoriais. Foi distinguido, a  29 de maio de 2014, com o galardão “Chevalier des Palmes Académiques” pelo Governo francês. Coordena, desde maio de 2020, o Instituto de Sociologia da Universidade do Porto.

Texto de João Teixeira Lopes

As posições expressas pelas pessoas que escrevem as colunas de opinião são apenas da sua própria responsabilidade.

Publicidade

Se este artigo te interessou vale a pena espreitares estes também

10 Setembro 2025

No gerador ainda acreditamos no poder do coletivo

3 Setembro 2025

Viver como se fosse música

27 Agosto 2025

A lição do Dino no Couraíso

13 Agosto 2025

As mãos que me levantam

8 Agosto 2025

Cidadania como linha na areia

6 Agosto 2025

Errar

30 Julho 2025

O crime de ser pobre

23 Julho 2025

Às Escolas!

16 Julho 2025

Podemos carregar no ”Pause” e humanizar?

9 Julho 2025

Humor de condenação

Academia: cursos originais com especialistas de referência

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Financiamento de Estruturas e Projetos Culturais [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Criação e Manutenção de Associações Culturais

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Comunicação Cultural [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Desarrumar a escrita: oficina prática [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo e Crítica Musical [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Jornalismo Literário: Do poder dos factos à beleza narrativa [online]

Duração: 15h

Formato: Online

30 JANEIRO A 15 FEVEREIRO 2024

Fundos Europeus para as Artes e Cultura I – da Ideia ao Projeto [online]

Duração: 15h

Formato: Online

Investigações: conhece as nossas principais reportagens, feitas de jornalismo lento

02 JUNHO 2025

15 anos de casamento igualitário

Em 2010, em Portugal, o casamento perdeu a conotação heteronormativa. A Assembleia da República votou positivamente a proposta de lei que reconheceu as uniões LGBTQI+ como legítimas. O casamento entre pessoas do mesmo género tornou-se legal. A legitimidade trazida pela união civil contribuiu para desmistificar preconceitos e combater a homofobia. Para muitos casais, ainda é uma afirmação política necessária. A luta não está concluída, dizem, já que a discriminação ainda não desapareceu.

12 MAIO 2025

Ativismo climático sob julgamento: repressão legal desafia protestos na Europa e em Portugal

Nos últimos anos, observa-se na Europa uma tendência crescente de criminalização do ativismo climático, com autoridades a recorrerem a novas leis e processos judiciais para travar protestos ambientais​. Portugal não está imune a este fenómeno: de ações simbólicas nas ruas de Lisboa a bloqueios de infraestruturas, vários ativistas climáticos portugueses enfrentaram detenções e acusações formais – incluindo multas pesadas – por exercerem o direito à manifestação.

Carrinho de compras0
There are no products in the cart!
Continuar na loja
0