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42: Caixas e cartas

A crónica ficcional 42 trata de mudanças climáticas, avanços tecnológicos, e transformações sociais, políticas e científicas, centrando-se em Lisboa, na Europa e no mundo no ano de 2042. No quinto episódio, Alexandre revisita documentos antigos e reflete sobre o impacto das crises climáticas na saúde e sociedade.

©Nuno Saraiva

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Enquanto tentava organizar as próximas entrevistas, reabri algumas das caixas dos meus pais. Depois de obter informação acerca do contexto global, queria olhar para a Europa e Portugal e perceber o que aconteceu aqui. Houve uma sucessão de crises e grandes transformações. Só me lembro de algumas das coisas até ao ano das grandes ondas de calor, e melhor daí para a frente quando já era adolescente.

Os papéis tinham muito pó, o que me fez ter um mau ataque de tosse. Lembrou-me como passei a infância a tossir, com asma e alergias que o médico dizia serem por causa dos incêndios florestais. As temperaturas altas e os meses consecutivos de incêndios florestais na Europa tiveram um forte impacto na saúde, sobretudo nas pessoas mais novas e mais velhas. E nas crianças que nasceram nos piores momentos, como em 2026, 2029 e 2034.

©Nuno Saraiva
©Nuno Saraiva

Abri uma janela e pouco a pouco passou a tosse. Agora há redes em muitas as janelas, e redes mosquiteiras para as camas por causa dos mosquitos da malária e Zika. Liguei o gira-discos da AKAI e pus a tocar um velho disco do meu pai (fiquei com eles todos), do Fela Kuti “Noise for Vender Mouth”. O velho aparelho tem um som incrível e é mais um eletrodoméstico recuperado. Há uma década, com a interrupção do transporte em grande escala de eletrodomésticos e com a interdição de fazer produtos que se estragavam de propósito, formaram-se escolas para ensinar como arranjar toda a espécie de aparelhos elétricos e eletrodomésticos. Agora são muito procuradas. São as “Academias da Reparação”. Também as lojas de reparação apareceram como cogumelos. Arranjam tudo: máquinas de cozinha, de escrever, de costura, aparelhos de som, televisões, vídeos, motas e até carros elétricos. Segundo me dizia o meu pai, agora há coisas que não se viam há décadas. Com a redução do acesso à internet e com o regresso de velhos discos em vinil e cassettes, muita música antiga voltou.

Infelizmente o meu pai não era uma pessoa muito organizada. Encontrei vários cadernos de cores diversas, agendas de reuniões, e muitos papéis avulsos soltos em folders. Um folder plástico “Ano 1.8” chamou-me a atenção. Abri-o e espalharam-se pelo chão vários papéis. O primeiro que apanhei era um panfleto em papel grosso e brilhante, daquele que já quase não se vê. O meu pai tinha tomado notas em vários dos documentos, às vezes comentários divertidos ou irónicos, riscos e outros, anotados a caneta vermelha.

©Nuno Saraiva

Por baixo apanhei a impressão de um artigo da internet dentro de uma outra capa de plástico.

©Nuno Saraiva

Havia uma carta escrita à mão (uma raridade!) pela minha mãe ao pai dela, de final de Novembro de 2026.

©Nuno Saraiva

A Lia e o António entretanto voltaram para casa. A Lia chamou-me e fui ter com ela à cozinha, para lhe contar também da descoberta da carta da minha mãe. Ela tinha ido buscar detergentes e azeite na bicicleta elétrica e pousou os frascos de plástico grosso em cima da mesa. Há menos azeite disponível, a recarga foi de apenas dois litros, quando normalmente era de cinco. Uma nova praga está a afetar os olivais. Como a Lia não tinha levado outros frascos recarregáveis, não tinha podido trazer o restante em óleo de colza. As recargas de detergentes para a máquina da loiça e para lavar o chão, no entanto, tinham vindo.

Lembrei-me que as primeiras leis contra a produção de materiais de plástico e papel descartável também vinham do “Ano 1.8”, quando os sistemas de venda tiveram todos de mudar. Lembro-me bem da grande transformação que foi passarmos a ter sempre de levar connosco tudo o que precisávamos para trazer para casa o que precisávamos: fossem garrafas de vidro, garrafas de plástico grosso, sacos de ráfia ou de pano. Eu era adolescente. No início foi muito confuso, e muitas vezes tínhamos de voltar a casa para ir buscar algo onde transportar as coisas, mas com o tempo habituámo-nos. Agora planeamos sempre o que vamos buscar antes, e sabemos exatamente o que levar (o que não quer dizer que haja sempre o que queremos). Cozinhei soja frita com arroz para o jantar e fomos deitar-nos sob a rede mosquiteira , enquanto eu relia a carta da minha mãe.

Texto de João Camargo

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