Refletir o Design na sua génese e de que forma o mesmo afeta ou problematiza as questões sociais, ecológicas, políticas e educacionais é também pensar em Alastair Fuad-Luke. O dinamizador, professor, investigador, autor e ativista que investiga o design nas mais diferentes questões foi Professor Catedrático de Investigação em Design na Universidade Livre de Bozen-Bolzano (Tirol do Sul, Itália), entre ulho de 2011 e março de 2021 e entre 2011 e 2014 foi professor de Práticas Emergentes em Design na Aalto ARTS, Universidade Aalto (Helsínquia, Finlândia) onde, durante a Capital Mundial do Design 2012, trabalhou com o Desenvolvimento Regional de Lahti na conceção de um ecossistema de codesign para esta cidade finlandesa.
Com um contributo significativo em diversos projetos da União Europeia, incluindo o “Eco-innovera — Support Systems for Sustainable Entrepreneurship and Transformation” (SHIFT), entre 2012 e 2016; e o “Leonardo Da Vinci — Design Education and Sustainability” (DEEDS), entre 2006 e 2008, Alastair presta atualmente consultoria ao projeto “4Cs, From Conflict to Conviviality through Creativity and Culture”. Distinguindo-se pela sua colaboração com diversas comunidades, o seu mais recente projeto, muu-baa, é uma rede para explorações “agro-culturais”. É autor dos livros Field Explorations (no prelo, 2021), Agents of Alternatives (2015, coeditor participante), Design Activism (2009) e The Eco-Design Handbook (2002, 2005 e 2009).
O Gerador esteve à conversa com Alastair, responsável pela curadoria-geral da 2ªedição da Porto Design Biennale. Assente na necessidade de "refletir e explorar a construção de comunidades de mudança", a bienal decorre entre os dias 2 de junho e 25 de julho, no Porto e Matosinhos.
Gerador (G.) - Começo por lhe perguntar, não só como curador da Bienal de Design do Porto, mas também como investigador, autor e ativista que estuda e problematiza a forma como o design é aplicado a questões sociais, ecológicas, políticas e educacionais. Partindo do conceito de mudança, juntamente com o design e a forma como este pode intervir, foi algo que fez sentido para si explorar nesta Bienal?
Alastair Fuad-Luke (A. F-L.) - Desde que comecei a ensinar na Escola de Artes de Falmouth (agora Universidade de Falmouth) na Cornualha, Reino Unido, em 1999, sempre vi o design como uma forma poderosa de prototipar novas experiências humanas, de perguntar como vivemos e que tipo de sociedades desejamos co-construir. Sou particularmente atraído por processos participativos de design que envolvem outras disciplinas, especialistas e cidadãos para (re)fazer o nosso mundo. A pandemia resultante da Covid-19 revelou que o nosso mundo, através da nossa produção e consumos conspícuos, está desequilibrado. Portanto, sim, foi essencial para mim, nesta Bienal, explorar como poderíamos fazer outros mundos juntos que materializassem possibilidades de regeneração das nossas condições sociais e biológicas danificadas.
(G.) -"Refletir e explorar a construção de comunidades de mudança" é um dos pontos de partida da 2ª edição da Bienal de Design do Porto. De que se trata esta mudança das comunidades?
(A. F-L.) - Nos últimos 22 anos, trabalhei com muitas comunidades diferentes - comunidades de lugar, circunstância, conhecimento e prática - bairros, refugiados, agricultores e profissionais do design e do artesanato. Aplicando princípios de co-design, crio "objetos de fronteira" onde pessoas com diferentes pontos de vista, capacidades e conhecimentos podem compreender o desafio ou problema que enfrentam. Isto gera frequentemente um momento coletivo de realização que pode levar a soluções extraordinariamente frescas e inovadoras.
Sim, trata-se de mudar a forma como se percebe o mundo e como se age nele, mas vejo-o mais como um processo de transição que se adapta às realidades contingentes. Assim, existe uma expectativa através das 49 diferentes atividades da Bienal, muitas delas envolvendo a participação dos cidadãos, de que a auto-consciencialização e a consciência coletiva conduzirão a ações no presente que irão catalisar a transição.
(G.) -É igualmente importante destacar esta ligação entre o Design e a forma como se aplica a questões sociais, ecológicas, políticas e educacionais. Dado todo o seu conhecimento sobre o tema envolvido, como pode o Design agir sobre estas questões?
(A. F-L.) - O Design pode atuar sobre as diversas questões levantadas na Bienal, desde os curadores e criadores do Satellite e outros projetos, ajudando a estimular diferentes pensamentos, perspetivas, ações e produção. Como domínio profissional e académico, o Design materializa artefactos, espaços e experiências tangíveis que experimentamos através dos nossos corpos, sentidos e capacidades cerebrais. Por isso é importante que, sempre que possível, os visitantes da Bienal tenham a oportunidade de habitar os espaços nano, micro, meso e macro das cidades do Porto e Matosinhos, onde algumas das 49 atividades estão a decorrer em 24 locais, envolvendo 11 workshops.
(G.)- Pensar em cidades, mobilidade e espaço público é uma necessidade que surge da realidade que nos tem acompanhado nos últimos tempos?
(A. F-L.) -Existe uma secção chamada "Rotas" no website da Bienal que incentiva as pessoas a explorar a Bienal a pé ou de bicicleta. Somos bípedes, por isso caminhar, para mim, é uma forma natural de conhecer realmente uma cidade. Também sou ciclista, pelo que também conheço as cidades do Porto e Matosinhos nesta perspetiva. Acredito que ambas as cidades precisarão de fornecer mais provisões aos caminhantes e ciclistas num futuro próximo, porque o petróleo, tal como outros combustíveis fósseis como o carvão, será gradualmente eliminado ao longo das próximas duas gerações humanas. Contudo, como a maioria dos especialistas em mobilidade reconhece, é a forma como os diferentes modos de transporte estão ligados entre si, através de infra-estruturas, de maior importância, pois oferece às pessoas escolhas nos seus percursos de mobilidade. Talvez, o projeto da Bienal "Ghettos Liminal" de Carlo Ratti da Carlo Ratti Associati e MIT Senseable Cities revele algo sobre os nossos movimentos dentro das cidades e que nos informe como podemos facilitar a exploração para além das nossas próprias perceções espaciais destas.
(G.)- Nesta edição, houve também a preocupação de trabalhar num projeto feito para todos. Desde as exposições, conferências, workshops e publicações, o programa permite a participação de todos aqueles que o desejem. Acredita que esta diversidade de perspetivas e reflexões num coletivo também nos permitirá partilhar soluções inovadoras para problemas gerais?
(A. F-L.) - Como mencionei acima, a capacidade do desenho participativo e do co-desenho, de reunir pessoas com diferentes conhecimentos específicos, profissionais e académicos garante que aquilo a que chamamos "espaço problema" (podem ser problemas muito complexos) seja corretamente identificado. A articulação exata do desafio aumenta as possibilidades de fazer respostas inovadoras que têm potencial para se tornarem soluções a curto ou, mesmo, a longo prazo. O pensamento e a ação coletiva é sempre um pouco imprevisível. Pode gerar inovação incremental ou radical de acordo com o conjunto de pessoas envolvidas e a situação em que o desafio se encontra. Gosto de pensar que se trata realmente de inovação social, e não simplesmente de inovação para ganho de mercado para alguns.
(G.)- Sobre os oito projetos escolhidos através do concurso público que a Bienal de Design do Porto lançou, também foi importante começar por esta iniciativa de "Desenhar o Presente" para que pudesse haver uma maior ligação com as comunidades locais e também envolver o seu ponto de vista?
(A. F-L.)- Tivemos 180 candidaturas de 44 países para a Concurso Aberto para Projetos Satellite, pelo que o júri teve a enorme tarefa de encontrar o equilíbrio de iniciativas e projetos para diferentes locais, comunidades e tópicos ou questões abordadas. Alguns dos Projetos Satellite decorrem ao longo da Bienal, outros são intervenções pop-up temporárias, mas a maioria trabalha sobre o princípio de envolver diversas pessoas de uma comunidade para experimentar o evento ou gerar um resultado em conjunto.
(G.)- Estando dividido em dois formatos diferentes, o presencial e o digital, como surgiu um programa que se adaptou a ambos os meios de comunicação?
(A. F-L.)- Foi um processo bastante orgânico no seio da equipa da Bienal, com os co-curadores, os iniciadores do Projeto Satellite e o comité científico para os colóquios de Perspetivas Periféricas às sextas-feiras de Julho. Estávamos constantemente à procura de um equilíbrio e a tentar encontrar formatos interessantes online dentro do meio que tínhamos de utilizar. Assim, por exemplo, temos entrevistas podcast dos curadores e designers em Vozes do Atelier por André Cruz; vários dos Projetos Satellite utilizam aplicações descarregáveis; Perspetivas Periféricas acolherão os colóquios online mas serão projetados na sede da ESAD-idea, Matosinhos ou Maus Hábitos, Porto, para uma audiência ao vivo que tem um anfitrião e moderador local. Temos também possibilidades interativas abertas e online para os cidadãos das duas cidades e do seu interior - LOCAL, um pequeno questionário que pergunta aos cidadãos como é que as suas cidades podem ser lugares melhores para viver; o Arquivo da Matéria Vibrante incentiva os cidadãos a submeter artefactos, materiais, matéria, seres vivos ou práticas transformadoras a um arquivo digital como forma de explorar diferentes visões do nosso mundo material - algumas submissões digitais serão introduzidas no arquivo físico da exposição, o Museu da Matéria Vibrante na Casa do Design, Matosinhos, durante toda a Bienal.
(G.)- Explorando um pouco mais o programa que inclui a exposição Museu da Matéria Viva, instalações tais como "Cuidar Selvagem": Arquiteturas de Amor e Correspondência" e "Habitar 424", há também uma diversidade inerente não só de referências e artistas, mas também de temas que estão a ser divulgados. Como surgiu esta seleção?
(A. F-L.)- Quando fui entrevistado para a potencial posição como curador da Bienal de Design do Porto 2021, lembro-me de mostrar uma lista de 40 a 50 sugestões "alter-" e dizer que achava que agora era a altura de explorarmos muitas formas alter-nativas de ser, viver e produzir. Depois de ter sido nomeado como curador, organizei 3 workshops participativos com convidados para explorar estes temas alter-nativos. Percebi que tínhamos de racionalizar o número de temas, por isso chegámos coletivamente ao tema geral - Alter-Realidades: Desenho do Presente e quatro subtemas, Alter-Care, Alter-Scapes, Alter-Produção e Alter-Meios de Vida. Penso que estes subtemas cobrem muito terreno.
(G.)- Por fim, que resultados práticos se esperam de uma bienal, para além da sua realização contínua?
(A. F-L.)- Bem, tenho a certeza que haverá uma terceira edição da Bienal em 2023. Quanto aos resultados desta segunda edição, eu ficaria feliz se a Bienal encorajasse as pessoas a pensar de forma diferente, envolvendo-se com pessoas, lugares e outros seres vivos através de diferentes experiências concebidas. Estou certo de que vamos construir novos conhecimentos, abrir conversas sobre possibilidades quase futuras através do design em diálogo com diversas comunas e municípios. Espero também que geremos novas ideias para a produção local, em pequena escala, por parte dos designers e das comunidades, porque as pessoas precisam de novas formas de trabalho para substituir aqueles que se perderam devido à pandemia. Se existe um legado da Bienal, é possível que as pessoas acreditem que o design em conjunto oferece uma forma genuinamente útil de prototipar o nosso futuro e de coexistir com outros seres humanos e outros seres vivos. Esperemos que os cidadãos e os municípios vejam um potencial de transição para melhores formas de vida.