Passaram-se 36 anos desde a estreia do filme O Movimento das Coisas, da realizadora portuguesa Manuela Serra. Apesar das inúmeras passagens do filme em festivais e mostras, em que arrecadou prémios e distinções, algumas vendas para canais televisivos, nunca estreou nas salas de cinema portuguesas. Neste seguimento, Manuela Serra nunca mais voltou a filmar nestes trinta anos. O que ninguém sabe ao certo é o motivo do silenciamento e do esquecimento desta obra.
Ainda assim, como diz o provérbio popular, o tempo é o melhor juiz de todas as coisas. Assim sendo, quis o destino que o ano de 2021, mais precisamente, no dia 17 de junho, fosse o ano da estreia do mesmo nas salas de cinema portuguesas em Lisboa, no Porto e em Coimbra. A distribuição ficou a cabo da The Stone and The Plot.
O Movimento das Coisas, rodado entre 1979/80, em Lanheses, no concelho de Viana do Castelo, tem data de conclusão de 1985 e procura falar sobre as histórias do quotidiano e do silêncio. Ao longo deste, somos convidados a mergulhar na natureza e beleza minhota e a recordar os gestos antíguos dos portugueses.
Ainda com as emoções à flor da pele e coberta por uma bolha nostálgica, Manuela Serra esteve à conversa com o Gerador. Ao longo desta, procurou refletir sobre o seu afastamento no meio cinematográfico, sobre silenciamento do filme, falando, ainda, sobre o seu conceito.
Gerador (G.) – Manuela sei que já foste assistente de realização e montadora do filme Bom Povo Português, de Rui Simões, e uma das cofundadoras da cooperativa VirVer. Como é que começou a paixão pelo cinema?
Manuela Serra (M. S.) – Acho que não posso dizer que fosse uma paixão pelo cinema, mas sim pelo meu filme. No que toca aos outros, seria apenas um interesse.


G. – Neste seguimento, sentes que foi por falta desta “paixão” que a partir dos anos de 1995/1996 tomaste a decisão de pôr de lado a arte da cinematografia?
M. S. – Comecei a perceber que para fazer um segundo filme tinha de ter um produtor associado, e ninguém se interessou. Na altura, o primeiro filme não foi tão bem visto como agora. O filme foi ignorado em Portugal. Portanto, é normal que nenhum produtor se interessasse por fazer outro. Por outro lado, era tão difícil fazer cinema em Portugal. Hoje em dia, graças a Deus, já é mais facilitado. Antigamente, de 600 pessoas só três ou quatro eram contempladas.No entanto, o filme foi sempre mostrado em mostras de cinema ou ciclos de mulheres, na Cinemateca, mas, propriamente, no cinema foi agora.


G. – A que se deveu o silenciamento do filme durante 36 anos e, posteriormente, ao “despertar”, digamos assim, da sociedade para este?
M. S. – Foram as novas gerações, as pessoas dos 30 que apreciaram o filme.


G. – O filme tem ainda a particularidade de ser gravado em Lanheses. Porquê a escolha desta terra minhota para a rodagem do filme? Já agora, podes explicar-nos um pouco o conceito do Movimento das Coisas?
M. S. – Há vários motivos… Depois de uma procura pelo país, era a aldeia que reunia as condições que idealizava. O Minho é mais alegre do que a Beira. As pessoas são mais alegres, depois apaixonei-me pelos tons do Minho, pelo rio, etc. Foi um encantamento pela natureza.
Quanto ao conceito, este possui vários aspetos. Para já a importância que dou à natureza de forma a interromper certa ação com os sons da natureza e o próprio nome do filme significa o movimento das mãos. Nós, citadinos, esquecemo-nos disso, de quão importante é usar as mãos e como estamos sempre pressionados pelo tempo não podemos desfrutar do prazer nas tarefas. A questão do tempo impede que se tenha prazer em fazer as coisas.


G. – No entanto, nem sempre o projeto manteve o título inicial. Aliás, é sabido que, inicialmente, o projeto teria o nome de Mulheres. O que impulsionou a mudança do nome do título?
M. S. – Inicialmente, queria fazer uma corealização com outra mulher, mas apercebi-me de que não ia resultar porque tínhamos perspetivas muito diferentes de pegar na problemática. Depois, fiquei a pensar que não queria propriamente impor um discurso do género coitadas das mulheres, são umas sacrificadas, mas sim mostrá-las. Então, procurei mostrá-las sem ter um discurso por trás a favor delas.


G. – Esta versão restaurada tem ainda a particularidade de conter a adição de um novo plano final. Ao longo deste, vemos que a tradição e a cultura desaparecem devido à industrialização. Pretendes com esta cena alertar para o fenómeno do êxodo rural?
M. S. – Exatamente! Não foi bem um acrescentar… Eu fiz o filme com o plano, mas, na altura, retirei-o porque era uma visão muito pessimista da sociedade. As pessoas ainda não estavam muito alertadas para a problemática da destruição do planeta. Já naquela altura me apercebia do desperdício que existia na sociedade. Fiz uma viagem aos Estados Unidos e fiquei impressionada com as montanhas de lixo que eles tinham à entrada de Nova Iorque. Era uma chamada de atenção.


G. – Já agora, na tua opinião o que pode ser feito para se alterar esta tendência de destruição?
S. M. – O problema é que o sistema capitalista é uma máquina superpoderosa, e não somos nós, mulheres, que temos qualquer poder de fazer a inversão. Fazem-se algumas tentativas, mas tudo é insuficiente.


G. – Se te fosse dada a oportunidade de voltares a realizar o mesmo filme agora, o que mudarias? Por exemplo, a mensagem continuaria a ser a mesma?
S. M. – Nem sei…. Eu acho que no fundo aquele trabalho não precisa de mais nada. Acho que está bem assim.