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Alkantara Festival: tempo de celebrar, refletir e manifestar corpos

Construir o futuro. Até dia 28 de novembro, o Alkantara Festival pisa os mais diversos…

Texto de Patricia Silva

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Construir o futuro. Até dia 28 de novembro, o Alkantara Festival pisa os mais diversos palcos de Lisboa com o teatro, a dança e performance. Propõem-se a pensar os desafios do agora, dando pistas sobre aqueles que podem ser possíveis caminhos de um futuro próximo.

A partir de um pequeno ecrã, Carla Nobre Sousa e David Cabecinhas, contaram-nos quão importante é celebrar, refletir e manifestar temas como o feminismo interseccional, a partilha de dimensões – estejam eles ligados a questões políticas, sociais ou culturais – em que a transversalidade se apresenta e dirige a diferentes públicos, em que as fronteiras não existem.

A conversa com os diretores artísticos do festival decorreu no dia 15 de novembro, dois dias após a estreia da edição 2021. É sobre uma perspetiva diversa que os últimos dias se fazem acompanhar de uma programação que assinala o Alkantara como um ponto de comunhão para artistas, públicos profissionais e curiosos.

Gerador (G.) – O festival ainda está nos primeiros passos da edição 2021, mas creio que será importante começarmos esta conversa com um ponto de situação. O Alkantara Festival iniciou-se no passado fim de semana, dia 13 de novembro, como caraterizam este (re)começar?

Carla Nobre Sousa (C. N. S.) – Começamos no sábado e foi uma abertura com quatro espetáculos muito diferentes. É ainda uma festa com um elemento performativo muito forte. Alguns desses espetáculos ainda vão ter sessões hoje e amanhã, portanto, ainda estamos a viver o primeiro bloco de programação. Eu acho que é cedo para tirar balanços, mas talvez possa partilhar uma impressão pessoal. Neste primeiro fim de semana, foi interessante perceber as diferentes escalas que os espetáculos vão-nos dar a conhecer. Foi possível, por exemplo, assistir à peça de Clara Amaral, que é uma peça para cinco pessoas, na sala da Biblioteca Palácio Galveias e a seguir atravessar a estrada e ver um espetáculo no Grande Auditório da Culturgest, com centenas de pessoas, que foi a abertura do festival com Faustin Linyekula. Portanto, isso foi uma forma muito sintética de dizer que tentamos fazer um festival com espaços diferentes, escalas diferentes e artistas que também trazem as suas particularidades e propostas com formas e conteúdos também diferentes, mas que de alguma forma fazem sentido em conjunto e participam numa experiência que faz sentido em conjunto. Faz sentido poder ter estas experiências diferentes no âmbito do festival. Este é o meu sentimento acerca do primeiro fim de semana. É muito bom poder sair desse espetáculo de cinco pessoas e ir para o outro com quinhentas. Isso é uma experiência que acho que é própria de festival e estou feliz por termos tido isso logo no arranque. Creio que vai continuar assim até ao fim o festival. Haver essa possibilidade de conjugar coisas que são muito diferentes. Isso é o que é divertido.

Jezebel, fotografia de Bas De Brouwer

David Cabecinhas (D. C.) Eu acrescentava ainda dois aspetos relacionados com uma outra face desta medalha que são os encontros que este ano estamos a conseguir promover e ter com as pessoas que assistem aos espetáculos e com artistas. Aconteceu no primeiro dia (13) com uma festa a seguir ao espetáculo de abertura e a estes espetáculos que, na verdade, aconteceram quase em simultâneo. Foi um momento muito feliz de poder voltar, celebrar, conversar, conviver e encontrar pessoas que conhecemos ou outras que não conhecemos. E a verdade é que tudo isto faz tudo parte de uma mesma continuação de uma experiência de poder construir relações, afinidades, comunidade no festival. Já tivemos a primeira conversa pós-espetáculo, a primeira de seis com moderação da Carla Fernandes, uma ativista cultural e jornalista que vai estar a fazer a mediação e o encontro, a promover estas conversas que este ano decidimos abordar de maneira a promover um encontro entre a artista que se apresenta, e que apresenta a sua peça no festival, com outra pessoa que tem alguma relação ou alguma afinidade nas pesquisas, nos conteúdos, na abordagem artística, nas questões estéticas ou até nas questões políticas. Tivemos a primeira conversa entre a Chiara Bersani e a Diana Niepce. Foi uma conversa muito bonita e uma partilha muito genuína e honesta de como é que estas pessoas têm estado a relacionar-se com os seus processos de criação e também com uma série de entraves, obstáculos, descobertas. Foi um momento muito íntimo de poder partilhar e encontrar o universo da Chiara em contacto com a Carla e com a Diana. São momentos que estão a acontecer e vão estar pontuados ao longo do festival. Hoje temos um outro com Cherish Menzo e com Chong Kwong que é uma cantora de hip-hop que, depois, do espetáculo da Cherish, que é um espetáculo que procura precisamente desconstruir a figura da mulher negra em cena e naquilo que são as construções estereotipadas da imagem hipersexualizada no universo do hip-hop. É um espetáculo que se chama Jezebel e que se segue, depois, com esta conversa, em que contrapõe a experiência de Cherish, enquanto coreógrafa e intérprete, com a da Chong que está no meio da produção e do repensar na prática, no caso da música, desta experiência e desta vivência. Portanto, acho que já reunimos algumas questões-chave que nos fizeram desenvolver o programa nestes termos e com estes espaços de encontros, o que me está a deixar um bocadinho aliviado porque as coisas estão a correr bem.

G. – Ainda que de cariz pessoal, não deixa de ser uma reflexão emotiva e diria ainda muito vasta para dois dias, não é? Ficou-me no ouvido, há poucos dias, que o Alkantara é um espaço acima de tudo de celebração do pensamento de tudo aquilo que acontece nas sociedades, hoje em dia. Vocês acreditam que assim o seja?

D. C. – Sim, absolutamente. Estamos contentes que possa acontecer como pensamos e já chegamos até a ter ecos da parte das pessoas que assistem. Este ano está bastante mais fácil encontrarmo-nos e partilharmos as nossas impressões, sobre a explicitações subjetivas daquilo que está implícito nos espetáculos… está a ser reconfortante. Hoje, por exemplo, assistimos a um ensaio de uma peça que vai estar em antestreia no próximo fim de semana, no Teatro Nacional Dona Maria II. E, por isso, também tivemos umas portas abertas ontem da Sofia Dias e o Vítor Rodrigues com uma dupla turca que nos permite também essa porta de entrada às etapas de criação e aos momentos da mão na massa. De ver as coisas um bocadinho mais cruas e perceber onde é que vão dar e como é que estão a ser pensadas e construídas nestas relações de cocriação também, como é o caso destas duas experiências. São sempre momentos muito bonitos de poder ter acesso a essas dúvidas, inquietações e como é que elas são partilhadas entre os criadores e as criadoras na relação com o público.

Nós tivemos o privilégio de ver um ensaio que não é bem o que as pessoas vão ver em relação ao Atlas da Boca, uma coisa bastante próxima de estar fechada, mas que só se estreia depois em 2022 e, sim, isto para complementar esta ideia de que já estamos a encontrar-nos com artistas, com públicos e que esta experiência está a ser partilhada, o que é bom.

Atlas da Boca de Gaya de Medeiros e Ary Zara, fotografia Fernando Santos

G. – Estas conversas pós-espetáculo em que se debruçam podem ser também um ponto de partida e de importância para o debate e diálogo perante a criação do artista e todo o seu processo?

C. N. S. – Carla: Sim. Sem querer repetir o que o David já disse de alguma maneira, uma coisa que eu gosto de dizer sobre o festival e que para mim está ligado a esta ideia, é que nós procuramos trabalhar com artistas que não separam as suas práticas artísticas das preocupações que têm sobre o mundo. Daquilo que pensam sobre o mundo. Isso significa, normalmente, que o espetáculo está apoiado numa pesquisa com referências concretas como assuntos que estão a ser conversados na sociedade e noutros sítios, não só no teatro. O que nós achamos interessante é que o teatro, o festival, possa ser mais um sítio onde estas conversas acontecem, porque tal é a importância destes assuntos e destas conversas. Não temos a pretensão de achar que estamos a lançar assuntos.

Os artistas são pessoas que estão ligadas àquilo que está a acontecer no mundo e na sociedade e têm ferramentas específicas, artísticas, para construir um discurso, oferecer um olhar, uma resposta, um contributo para essa conversa. Portanto, é isto que que nos motiva quando vamos conhecer artistas e quando estamos a ver peças a pensar naquilo que pode ser um festival. É esta ideia de que estes assuntos são importantes e interessam-nos, interessam também aos artistas e o que é que eles têm de particular pela sua experiência, pelas suas ferramentas sob a sua forma de utilizar o corpo, utilizar a presença ao vivo de comunicar, de criar sensações e impressões; o que é que isso pode trazer para esta conversa que não é só do teatro, mas que é também da sociedade. E, por isso, os momentos de conversa também fazem parte disto, porque nós sabemos que aquele artista criou aquela peça e que ela vai ter impacto no público e, a seguir, à vontade de conversar, porque liga-se com muitas coisas que estão a acontecer fora daquele momento. Isso é também o que acontece nas conversas. Este é o momento em que se faz, mais explicitamente talvez, essa ligação entre o que está dentro do teatro; o que aconteceu naquela sala; a experiência estética e sensível que tivemos e também outras coisas do mundo exterior – essa expressão é um bocado artificial – mas, é o momento em que se fazem essas ligações concretamente. Por isso são também momentos importantes para nós e sabemos que os artistas têm coisas interessantes para dizer, em vários contextos.

D. C. – Há outro aspeto em relação a isto. Só para complementar, nós sabemos que estes temas são não universais, mas transversais. Elas [as conversas] são experienciadas e são vividas de formas muito diferentes consoante os contextos em que acontecem. Mas são conversas que acontecem em paralelo e são questões estão a ser pensadas e debatidas, de acordo com a especificidade de cada contexto e que tem as suas nuances. A nossa expectativa não é que a experiência de um artista de fora de Portugal, num contexto político e social muito concreto e distinto do nosso, seja um espelho daquilo que acontece cá. Não é isso. É mais uma ponte e uma relação que podemos criar com aquilo em outros contextos e daí esta ideia também de podermos nestas conversas pós-espetáculo, que era também uma das questões que estávamos a referir-nos agora, encontrar estas artistas que trabalham e desenvolvem os seus pensamentos e reflexões a partir de experiências específicas de outros pontos do globo, poder confrontá-las e partilhá-las na relação com artistas locais, ativistas locais, que trazem para a discussão este contraponto de perceberem, dialogando com diferentes experiências numa partilha que nos interessa que possa a ser entre elas, no final do espetáculo e com o público, para que possa alimentar outras conversas e trazer algumas chaves de leitura, nalguns pontos sobre o espetáculo que acabámos de ver. Ou algumas portas que podem ser diferentes consoante as pessoas e que é bom que assim também possam continuar a ser.

G. – Sobre a programação, os artistas e as artistas internacionais eram nomes que já tinham sido pensados anteriormente ou assumiram-se apenas nesta edição?

C. N. S. – Esta edição foi construída ao longo do ano passado. Houve algumas coisas que são anteriores, nomeadamente, há dois espetáculos na programação este ano que foram espetáculos que estavam previstos para a edição de 2020 que não foi possível fazer. Este ano é possível fazê-los e, por isso, estão incluídos na programação deste ano. Depois, há artistas que já conhecemos há vários anos e que seguimos os trabalhos desde antes da pandemia. Houve ainda pessoas que encontramos, pela primeira vez, neste tempo já pandémico e em contextos digitais, em formato de encontro que foram surgindo ao longo do ano, da pandemia, e muitos vídeos também. Portanto, é uma edição que foi construída de forma híbrida, em que foi possível fazer algumas viagens, mas poucas. Há relações que são alimentadas durante anos até chegar a este momento em que o artista vem de facto apresentar seu trabalho, em Lisboa. Mas foi a primeira vez, diria, que houve artistas que conhecemos de facto em residências digitais ou esse tipo de formato, em que aprofundamos a relação e tivemos oportunidade de ver vídeos, e que vamos ver alguns dos espetáculos, não todos, vamos ver ao vivo, pela primeira vez, com o público, em Lisboa, porque só conhecemos a versão em vídeo. O fazer da edição foi ao vivo, mas também remoto.

G. – Os espetáculos em circulação são uma ponte que distinguiram o Alkantara de muitos outros festivais ao longo dos anos. Sentem que isso também acontece, agora?

D. C. – Nesse aspeto, eu acho que nós estamos um bocadinho longe daquilo que desejaríamos, porque, na verdade, estamos no caminho circunscritos aos espaços formais, convencionais dos teatros. Temos algumas propostas que acontecem fora dos espaços teatrais, na cidade, ao ar livre, mas grande parte da programação está nas salas, ainda. E para essa descentralização seja efetiva e seja real teria de passar por outros circuitos, o que é um desejo nosso e que esperamos fazer no futuro – porque o Alkantara, enquanto ponte que é, estabelece contactos e relações entre culturas, entre pessoas e entre contextos, mesmo dentro da própria cidade de Lisboa, já conseguiu ser mais esse lugar – é uma coisa que sejamos retomar, mas que implica outro tipo de tempo, financiamento, de equipa e, sim, essencialmente outro tipo de recursos. Mas é uma ideia que nos continua a ser muito cara, literalmente cara [risos] e certamente tentaremos cumprir e retomar esse aspeto em concreto.

G. – Voltando-nos para os públicos, sentem que esta descentralização e a sua importância, de que falamos anteriormente, se faz sentir em quem vos procura?

C. N. S. – O que nós temos mais perceção é de um público profissional, internacional que vem. Portanto, isso acontece habitualmente, O ano passado, obviamente, não existiu. Este ano está a retomar um pouco. Sabemos que há colegas nossos de outros festivais e de outros teatros que vêm assistir a espetáculos no Alkantara Festival para conhecerem também os artistas locais e a comunidade artística local. Portanto, sim, temos essa perceção desse ponto de vista que é, o festival tem sempre este lado profissional também. É um encontro para a própria comunidade artística. Os artistas são uma parte importante do público do festival e, ainda, este público de programadores e de outros profissionais das artes performativas. Sabemos que temos essa função como ponto de encontro para essas pessoas. E, isso, é um lado do festival que vai retomar nos próximos anos com menos restrições. Sentir-se-á ainda mais. Este ano já sentimos. Já tivemos colegas internacionais connosco, e isso vai acontecer ao longo do festival. Desse ponto de vista, sim, temos essa perceção.

Em relação a outros públicos, ainda é cedo. Sabemos que temos tido salas cheias. Sabemos que há pessoas que não estamos habituados a ver, portanto há pessoas novas. Para já, o que podemos dizer é que o público tem aderido ao primeiro fim de semana do festival e vamos ver como é que continua ao longo das próximas duas semanas. Até agora, temos uma perceção de estarmos acompanhados nas salas.

G. – Voltemos novamente à programação. Quais são os momentos que destacam para as próximas semanas?

D. C. – Sim, claro. Vamos começar por falar sobre Gabriela Carneiro da Cunha, que vai apresentar uma peça no Teatro do Bairro Alto que se chama Altamira 2042. É uma peça que parte de uma pesquisa prolongada e de uma estadia longa em Altamira, na Amazónia, junto ao rio Xingu, onde a Gabriela desenvolveu este conjunto de relações e de reflexões sobre o ecossistema que tem sido destruído e que está ameaçado, tanto natural como social, daquelas margens do rio, onde foi construída uma barragem hidroelétrica que tem destruído, essencialmente, a vida como existia naquela zona. E esta é uma peça onde a Gabriela é um veículo de transmissão, de evocação, passagem através do seu corpo e através de um conjunto de equipamentos tecnológicos que são daquela zona, do Pará, que é o tecnobrega que com umas colunas, luzes LED coloridas, pendrives, uma pessoa poderia julgar que está deslocava ou desfasada da realidade do Xingu, mas pelo contrário aquilo faz parte da experiência de vida daquelas comunidades e também da relação com alguns cânticos, algumas ligações à espiritualidade que acontecem por via desses dispositivos tecnológicos, lá, e que ela traz para o espaço do teatro para nos envolver num ritual de resistência com testemunhos. Uma das pessoas, que vamos ter a sorte de ter cá e vai sair na conversa para o espetáculo, a Raimunda, é uma pessoa que vive no Xingu, em Altamira, nas margens do rio e que é uma das personagens centrais da voz-off deste espetáculo. Transmite-nos uma série de histórias, de mitos e de possibilidades de proteger aquele espaço. E, sim, este espetáculo é um grito de alerta convocando estas mitologias e histórias, sobre a urgência e a necessidade de amazonizar a Amazónia e de amazonizar o mundo, em que a Gabriela é mais uma das várias pessoas que fazem parte de uma rede cúmplice de defensores e daquele ecossistema. É um espetáculo que estou muito curioso entusiasmado por poder ver no Teatro do Bairro Alto, nos dias 18, 19 e 20 de novembro.

C. N. S. – Daí salto para o espetáculo Contado pela minha mãe, do coreógrafo libanês Ali Chahrour. Ali é um de vários artistas na programação deste ano que vem a Portugal pela primeira vez. Esta peça, em particular, é a história de um filho que desaparece na Guerra da Síria e de uma mãe que procura esse filho até à sua morte.

Contado pela minha mãe, fotografia de Myriam Boulos

A história é da família do próprio Ali, ou seja, é uma história íntima dele, contada em palco com duas pessoas da sua família e também com aqueles que ele considera a família dele de palco, com quem já faz criações há vários anos e que inclui dois músicos, uma cantora e atriz Síria e o próprio Ali. É uma história que é contada por palavras, narrada, mas é também cantada com música ao vivo e dançada. É de uma generosidade muito grande a forma como esta família partilha esta história connosco e acho que é um bom cartão de visita, de alguma maneira, desta companhia que vem pela primeira vez de Lisboa. Tenho muita curiosidade de ver a reação do público português a este trabalho em particular.

D. C. – E eu passo para a Vera que à semelhança da Gabriela Carneiro da Cunha, também estava bastante preocupada com a sustentabilidade e a viabilidade de alguns ecossistemas. Um dos sustos que a moveu para produzir esta peça, para criar este espetáculo, é precisamente o ecocídio, ao qual junta outros que nomeou como o fanatismo e como o fascismo. De uma forma muito honesta o seu ponto de partida foi bastante íntimo. São estas coisas que assustam no mundo, que nós partilhamos e que também nos deixam bastante aterrorizados. Ela procura encontrar alguns antídotos e soluções para conviver com estes perigos, que estão aqui ao virar da esquina e que já fazem parte do nosso dia a dia, a partir de uma estratégia que tem referentes na psicologia, sociologia, antropologia, em filosofias indígenas também, e que está relacionada com a possibilidade de na junção dos opostos encontrar a forma de coabitar, coexistir e, talvez, resolver algumas destas questões e talvez, enfim espero eu, afastá-las do nosso horizonte. E, por isso, durante três dias – 25, 26 e 27 de novembro – já na reta final, vamos poder assistir a esta exploração e a esta investigação numa peça de grupo de intérpretes, na Culturgest, vamos poder ver esta junção de opostos como forma de enfrentar os sustos do mundo.

C. N. S. – No dia 19 de novembro, há um espetáculo que é sessão única. O espetáculo que se chama A Onda, da coreógrafa franco-argelina Nacera Belaza que é alguém que vai ter mais momentos de presença em Portugal esta temporada. Teve, num primeiro momento, um encontro workshop na Casa da Dança, que são nossos parceiros em Almada e vai voltar no mês de março à Margem Sul para apresentar um espetáculo e temos muito prazer em recebê-la aqui, bem no centro do nosso festival. É uma peça de dança em grupo que é uma espécie de meditação, na verdade. É um trabalho muito preciso sobre um gesto que é repetido, circular, multiplicado por vários corpos e que procura de alguma forma um infinito. É um exercício com um magnetismo para o público. Todos os trabalhos da Nacera trabalham sobre um movimento que nasce do interior e que se liga ao mundo. Portanto, os intérpretes estão uma hora nesse esforço de estar em escuta com seu próprio corpo, ao mesmo tempo que estão ligados uns aos outros na repetição do movimento. É um estado muito meditativo a nascer. A Nacera não é só coreógrafa, mas também desenha a luz do espetáculo e cria o som, portanto, é um ambiente absolutamente imersivo. Faz bem a quem vê.

G. – É também muito interessante perceber quão esta programação se torna ligada aos diferentes públicos e nos faz refletir através de corpos em movimento.

C. N. S. – E senti-las. Acho que há várias formas de conhecimento e, há pouco, quando falava sobre as ferramentas que os artistas têm de nos devolver conhecimento sobre determinados assuntos é também uma forma de valorizar o conhecimento do corpo e da experiência de cada corpo. E falamos destas particularidades, mas não é para focar necessariamente o indivíduo. Tem que ver com a ideia de que estamos em comunidade e que para construir uma comunidade robusta é preciso conhecer, ter conhecimento, incluir, nomear e sentir todas estas particularidades. Estamos no teatro. Estamos com outras pessoas a ver este espetáculo e a partilhar esta experiência e, isto, é uma característica fundamental daquilo que fazemos. É um encontro ao vivo entre um grupo de pessoas e isso é uma ideia que resume aquilo que o festival propõe fazer. Mas é também muito operante para nós esta ideia do corpo político. Político no sentido em que ele encerra uma experiência particular e essas experiências não são uniformes e, muitas vezes, na sociedade há uma espécie de violência que é operada sobre alguns corpos e que temos que ter consciência disso e também conhecer essas experiências. Alguns corpos não têm a possibilidade nunca de serem neutros. São corpos políticos, porque não têm outra possibilidade a não ser um corpo político. Isso é uma condição da sua existência, da sua vida diária na nossa sociedade. Portanto, é um corpo político por ausência de privilégio, no fundo.

D. C. – Deixa-me só destacar uma questão sobre a forma como produzimos o programa. Ao contrário das restantes questões que estão de forma mais transversal e que vão sendo nomeadas a partir daquilo que são as propostas dos artistas, portanto, não tem assim uma junção entre si tão óbvia ou pelo menos tão pronunciada, porque não queremos impor também uma leitura àquilo que são as propostas individuais e as formas como se relacionam, mas o Francisco Camacho, por exemplo, propôs-nos, no contexto do festival, apresentar um programa que é uma primeira edição deste encontro em torno das questões do idadísmo na dança ou a partir da dança, mas, mais uma vez, em todas as outras áreas da sociedade e que tem como ponto de partida o espetáculo Velhas, que se apresenta no último fim de semana do festival, e que junta outras conversas com uma série de especialistas, pessoas mais ligadas à Academia que têm pensado e problematizado essas questões e, em simultâneo, um conjunto de aulas e de partilha de práticas e intérpretes de dança que já passaram a barreira dos quarenta e cinco anos e que têm a oportunidade de, em conjunto, experimentar práticas de alguns artistas que estão no festival. Portanto, estas são diferentes formas de produzir programas e pensamento a partir de temas, são também uma das formas que nós temos encontrado de construir estes pensamentos, em boa companhia, e de alastrar e alargar estes espetros de atuação para pessoas que têm tido esta esta urgência e que achamos superpertinente e importante poder partilhar também no contexto do festival.

Os bilhetes encontram-se à venda nas bilheterias, físicas e online dos teatros parceiros (Culturgest, Centro Cultural de Belém, São Luiz Teatro Municipal, Teatro do Bairro Alto e Teatro Nacional D. Maria II) e a partir do site do festival. Consulta a programação completa, aqui

Texto por Patrícia Silva
Fotografia da cortesia da organização

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